Mães adotivas vivem o sonho da escolha feliz

Mulheres que encontraram seus filhos em momentos especiais dividem a alegria de descobrir o amor por crianças que não geraram

Cleide Magalhães
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A adoção de pessoas no Brasil ainda precisa superar uma série de tabus. Noventa por cento dos pretendentes buscam crianças até seis anos e uma pessoa com deficiência tem chance quase zero de conseguir um lar. A professora Ayla Monteiro, de 34 anos, é uma exceção: seu coração falou mais alto quando viu a pequena Emanuele - abandonada ao nascer pela mãe biológica -, mesmo sabendo dos riscos de saúde que enfrentava, e ela sentiu vontade de se tornar mãe da menina.

Hoje com dois anos e dois meses, Emanuele foi diagnosticada aos três meses de vida com paralisia cerebral, espasticidade e epilepsia, logo que saiu da Unidade de Tratamento Intensivo da Santa Casa, em Belém. Ayla e Ronald, seu marido, esperavam há dois anos pela adoção. Ao dar por telefone a notícia de que havia uma criança apta para adoção, o interlocutor da Vara da Infância explicou logo que se tratava de uma menina especial. “Batemos o olho nela e já sabíamos que era a nossa filha que estava chegando”, contou.

“Assumimos os riscos e aceitamos ser pais dela. Tive receio sobre o amanhã, mas eu não podia dizer não pra minha filha”. Começou então a batalha pelo tratamento e a reabilitação da menina. “Ela tem nos surpreendido bastante. Buscamos oportunizar que ela também seja criança. Minha filha não é motivo de pena, mas sinônimo de superação e nossa inspiração. Aprendemos muitas coisas com ela, como ver que nossos problemas são menores e isso nos dá leveza na vida, apesar da rotina intensa em clínicas. Ela é o motivo de a gente acordar todos os dias”, afirmou.

A menina teve também retinopatia da prematuridade e voltou a enxergar. No Dia das Mães, Ayla se diz mais sensível por ser mãe, mesmo diante de críticas. “As pessoas pensam ‘ah, você é mãe adotiva..’. Mas eu não vejo dessa forma. Ser mãe é ter disposição para amar independente de como o filho esteja ou seja. Meu sonho é ver minha filha correndo e brincando. Hoje ela ainda luta para sentar”, completou.

Emanuele, cujos pais criaram para ela uma página no Instagram (@manunossomilagre), tem uma história semelhante à de Lucas Gomes, de 16 anos. Também abandonado na Santa Casa de Misericórdia, ao nascer, ele teve paralisia cerebral. E foi também lá que a técnica em Enfermagem Cíndia Gomes, de 48 anos, sentiu amor por ele, apegou-se e se tornou sua mãe adotiva. Ela havia perdido uma filha e desde então pensava em adotar alguém. Ao conhecê-lo, no local de trabalho, viu que precisava de mais cuidados, de cuidados de mãe.

“Dei entrada no processo de adoção pela Vara da Família e em três anos consegui a adoção definitiva”, disse mela. Na opinião de Cíndia, para ser mãe não basta gerar um filho. “Não importa se vem do ventre ou do coração, porque será para sempre filho”, ensinou. “Sou mãe e protetora dele, pois precisa muito dos meus cuidados e isso me faz sentir a paz”.

Outra mulher que comemora o Dia das Mães confortada e feliz com a adoção é a empreendedora Adriana Miléo Ramos, de 28 anos. Ela tem a guarda de um menino de sete meses e o processo de adoção está em andamento. “Minha irmã e eu somos gêmeas e fomos adotadas pela mesma família”, explicou. “Sempre pensei em ter uma maternidade pela adoção, porque somos também da mesma região que a criança. Os pais dele não tinham condições de ficar com ele e o cederam pra minha família. Ele está comigo desde o primeiro dia de vida e agora é o primeiro Dia das Mães juntos. A emoção é muito grande, porque é um sonho realizado”. 

Preferências travam fila de espera

O Pará tem 110 pessoas aptas para adoção e 348 pretendentes. Em Belém, cinco aguardam a oportunidade de ter ou restabelecer uma família e todos possuem deficiência física e intelectual. Em todo o Brasil, são 9.559 crianças e adolescentes esperando para serem adotados e 45.928 pessoas habilitadas.

Segundo o Relatório de Dados Estatísticos do Cadastro Nacional de Doação do Conselho Nacional de Justiça, até o último dia 23, as cinco crianças e adolescentes aptos à adoção em Belém têm 7, 8 e 12 anos e dois têm 16. Eles vivem no Espaço de Acolhimento Provisório Especial, no Telégrafo, que pertence a uma organização não-governamental.

“Quando essas pessoas com deficiência física e intelectual não têm a mínima condição de ter uma vida autônoma, elas permanecem no espaço, que é para criança e adolescente, mas se torna também para adulto, pois não tem como colocar essas pessoas nas ruas”, explicou o juiz titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Belém, João Augusto Oliveira Júnior. 

“Não há equipamento do Estado para dar suporte a elas. Então é muito difícil essa situação”. Para ele, o maior impedimento da adoção no Brasil é o perfil definido pelos pretendentes, porque crianças até seis anos são as preferidas por uma faixa de 80% a 90% dos interessados. Há uma redução gradativa, por idade, e crianças com 10 anos não têm nem 1% de pretendentes. “Quando é mais velho é mais difícil e mais ainda quando é deficiente”, acrescentou. “Então, essas pessoas ficam sem possibilidade de ter colocação na família”.

Segundo ele, as estatísticas apontam que se 19% dos pretendentes mudassem o perfil, seria zerada uma fila de espera que hoje tem a média de três anos. Também juiz auxiliar da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do Pará, ele explica que a Vara dá cursos aos pretendentes e trabalha no sentido de inverter a lógica de pensamento sobre adoção.

“O parâmetro que se tem hoje é que a família precisa de uma criança”, enfatizou, “mas a criança é que precisa de uma família. Pensam que depois dos seis anos de idade a criança já está formada. Esse pensamento é equivocado, pois cada pessoa é um indivíduo”. Para João Augusto, no há como dizer como será o filho, mesmo que se dê educação a ele. “O importante na adoção é respeitar a história da criança ou adolescente, fazer com que as histórias se unam para o crescimento e o amor floresça, porque ninguém é de ninguém. Não é a biologia que une isso, mas a afetividade, a afinidade, o respeito e o amor”. 

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