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Estudante da UFPA se forma em Geografia após defender trabalho final em assentamento

Banca de professores avaliou Nailce com a filha no colo, no acampamento Quintino Liro, em Santa Luzia do Pará

Vanessa Van Rooijen

O acampamento Quintino Lira, no município de Santa Luzia do Pará, está comemorando a formação da primeira mulher numa graduação de ensino superior. Nailce Verônica Sousa, 33, descendente de nordestinos e indígenas de Ourém, está se formando em Licenciatura em Geografia das Águas e da Terra, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), um mês após dar à luz sua mais nova criança - e com o rito de defesa do trabalho de conclusão de curso realizado no próprio assentamento onde mora. Mãe de cinco filhos e filha de um pequeno produtor rural e uma professora, agora Nailce é exemplo de resiliência, esforço e vitória para os assentados de sua localidade. 

Nailce defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) no início de março. A cerimônia com a banca avaliadora realizada dentro do assentamento e abordou os conflitos existentes onde vive.

QUESTÕES FUNDIÁRIAS

"Desde o primeiro momento decidi que iria escrever sobre a memória do acampamento, aliado a denúncias e revolta para mostrar para a sociedade o quanto que o capitalismo, ligado ao agronegócio, pode destruir famílias de camponeses. As pessoas que vivem no acampamento desde o início dos anos 2000 sofrem violências. No começo, por parte do Estado, e agora, por fazendeiros. Passamos por um período de vários conflitos. Faço parte da militância e sei o quanto é difícil escrever sobre nossa realidade", descreve.

 A colação de grau de Nailce será em maio. O próximo passo será concluir o bacharelado na área. Ela está muito orgulhosa por levar representatividade para a comunidade onde vive. "Foram vários desafios. Nós, filhos de camponeses e camponesas, através de lutas sociais, conseguimos o direito de fazer ensino superior. Através do meu trabalho e dos colegas de turma, queremos mostrar que a universidade pública é local de merecimento para filho de camponês, filho de trabalhador que dá o suor para estar ali", afirma. 

ASSENTAMENTO

No acampamento onde vive Nailce há 89 famílias cadastradas. Para a formanda da UFPA, a família é a base de tudo. "A maior força que eu recebi para continuar a luta para finalizar a graduação veio por meio dos filhos e marido, principalmente Maria Vitória, minha filha, que faleceu no início do curso e era apenas um bebê. Ela me deu a coragem para continuar lutando por saúde, segurança, educação e direitos para todos. Um mês antes de fazer minha defesa, dei luz a minha filha mais nova. Ela estava no meu colo quando defendi o trabalho", conta, emocionada. 

Nailce se formou por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que desenvolve atividades de educação para os assentados beneficiários da reforma agrária, desde 1998. Trata-se de uma parceria da UFPA com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O programa abrange da alfabetização de jovens e adultos até cursos técnicos e ensino superior. 

O programa é voltado para os assentados, pessoas que têm direito de uso de terra pública reconhecida, como ribeirinhos e quilombolas; e pessoas que trabalham nas escolas do campo, mas não possuem formação adequada.

GRADUAÇÃO

Para se inscrever no Pronera, esse público precisa comprovar que estão dentro dos critérios exigidos. Segundo o coordenador do curso, professor Adolfo Neto, atualmente, no Pará só existem dois cursos em andamento: Geografia da UFPA e Direito da Terra na Unifespa. Ele explica que os editais são publicados nos sites das universidades e divulgados pelos responsáveis dos movimentos sociais nos assentamentos.  

De acordo com o coordenador, o programa é importante porque nessas áreas geralmente não existem escolas, o que torna difícil o acesso à educação para os assentados. "Os assentamentos são longe de cidades e a política do Incra é promover a educação. A universidade entra em contato com o Incra, que aprova o curso e nós fazemos um vestibular. A reforma agrária é importante para a Amazônia e para reconhecer os territórios, por meio do cooperativismo e produção ecológica", explica. 

Os cursos não ocorrem regularmente. O professor explica que após o contato entre o instituto e a universidade, uma turma abre por meio de determinado contrato. Há sempre os processos. "O curso de Geografia das Águas e da Terra foi apresentado pela primeira vez em 2004, mas foi aprovado somente em 2014. Não há previsão para um novo curso. A graduação funciona na modalidade de pedagogia da alternância. "As aulas acontecem no campus da universidade, mas tem espaços complementares de formação que acontecem no assentamento", detalha. 

Pará