Ensino remoto desafia pais de crianças com espectro autista
Pais buscam ajuda dos professores para acompanhar filhos nas aulas on-line
Desde sempre, o professor Ronaldo Pinheiro sempre notou o filho Davi, de 10 anos, muito introspectivo. Até um ano de idade ele também apresentava dificuldades na fala e na compreensão do significado das palavras.
"Ele pegava um macaco de brinquedo e fingia que era um carro. É muito comum que eles, os autistas, não prestem atenção nas funcionalidades dos brinquedos. Mas imaginávamos que ele iria melhorar", afirma o pai.
Quando Davi foi diagnosticado dentro do espectro do autismo, em 2015, foi constatado que ele tinha uma versão mais leve da condição, mas que ainda assim impõe dificuldades no aprendizado. Com a pandemia, esses obstáculos se agravaram devido às aulas remotas.
"Neste período que iniciou ano passado, estamos descobrindo muita coisa que ele gosta e notando cada vez mais a necessidade dele ter um acompanhamento na sala de aula. Antes, ele ia para a escola e ajudávamos ele com o dever de casa. Era a nossa participação. Hoje, se eu não estiver com ele do lado, ele não presta atenção na aula", conta Ronaldo.
Professor de matemática do ensino médio e superior, o pai de Davi está, aos poucos, aprendendo a lidar com a educação básica, algo que nunca foi a área dele. O motivo: ele fez um curso para ser o acompanhante terapêutico do filho.
O acompanhante terapêutico é o profissional que se desloca para encontrar o acompanhado ou paciente, indo até a casa, escola ou outros espaços, com a missão de garantir o bem estar e a comunicação de uma pessoa dentro do espectro autista.
Ronaldo relata que Davi, que está no quinto ano do ensino fundamental, não tem uma visão de mundo tão apurada quanto a dos colegas de classe e nem é tão interessado assim pelas matérias como a maioria dos alunos. Em compensação, lembra que o filho é craque quando o assunto é modelos de aviões, capaz de reconhecer qualquer um no ar ou em vídeo.
"Além disso, ele também é bom com modelagem em biscuit, lego e está começando a mexer no cubo mágico agora. Alguns pensam até que ele tem um pai piloto por conta da paixão pela aviação, mas não. É só o hiperfoco dele", avalia.
Ronaldo avalia que se Davi já tivesse um acompanhante há uns quatro anos, talvez ele estaria mais avançado. Atualmente, a criança faz acompanhamento clínico com neuropsicólogos e, acredita Ronaldo, progrediu sumamente em relação ao foco, atenção e noções do cotidiano, o que tem ajudado nas aulas remotas.
A psicóloga Thaysse Gomes avalia que a educação remota apresenta desafios para todas as crianças, pois cativar a atenção dos alunos é sempre um objetivo complexo. Dentro do espectro autista, porém, a tarefa se torna mais delicada.
"Dentro do espectro autista, o uso das tecnologias é algo muito forte, no sentido que o raciocínio lógico deles tende a funcionar melhor com alguns aplicativos e ferramentas. Isso está abrindo portas para experiências bem significativas", conta ela, que atualmente lida com quatro crianças com dificuldades de aprendizado em uma escola de Belém.
Ela conta que no início da pandemia tudo foi bem difícil, mas que depois os professores foram encontrando os caminhos para garantir a concentração dos alunos, como intercalar aulas de 10 minutos em momentos diferentes, atividades específicas envolvendo os pais e o uso de sistemas digitais.
O ideal, segundo Gomes, é que cada criança possua um Plano Educacional Individualizado, com um plano de metas bimestral baseado nas características de cada criança dentro do espectro autista.
"A partir de uma reunião multidisciplinar, este plano é traçado, de maneira independente do resto da turma, contemplando as matérias escolares e as questões da socialização. Por exemplo: um aluno X tem como meta aprender letras e números e que vá ao banheiro sozinha neste bimestre", informa.
Na opinião da psicóloga, a relação com os pais tem sido boa já que eles tem procurado muito a escola durante este período, pois assumiram a figura do professor no sentido presencial, contam muito com o nosso suporte e orientação.
"O importante é manter um fluxo de informação. Essa parceria tem rendido frutos. O principal é respeitar o tempo dos filhos. Para todos, o período que passamos é complicado. Para uma criança, então, essa desorganização é ainda mais difícil. O filho vai conseguir fazer tudo e vai dar tudo certo no tempo dele. Não é bom os pais ficarem ansiosos pensando no que a criança alcançaria se estivesse tudo ocorrendo normalmente e a pandemia não existisse", aconselha.
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