Distâncias aumentam o abismo do acesso a serviços básicos no Marajó
Para alcançar direitos como educação e saúde, ribeirinhos precisam vencer barreiras geográficas e logísticas diárias
Para alcançar direitos como educação e saúde, ribeirinhos precisam vencer barreiras geográficas e logísticas diárias
O arquipélago do Marajó é considerado a maior ilha marítimo-fluvial do mundo, cercada pela foz do rio Amazonas e pelo oceano Atlântico, no norte do Pará. Formado por 16 municípios, são cerca de 50 mil km² de extensão - território maior do que muitos países europeus e alguns estados brasileiros, como Sergipe (21 km²) e Alagoas (27 km²). Com relação ao Pará, o Marajó corresponde a aproximadamente 8% do território (IBGE 2010).
Toda essa grandeza impõe distâncias que, muitas vezes, tornam-se desafios gigantescos à vida da população, uma vez que o acesso à saúde, educação e outros serviços básicos se diluem e se espalham ao longo dos metros quadrados. Sem que a assistência básica consiga alcançar todas as localidades, não resta, aos moradores, outra opção a não ser se deslocar.
Em relação a Belém, capital do Estado, os municípios marajoaras podem ser considerados geograficamente distantes: ir de Belém até Breves – a mais populosa cidade do Marajó –, por exemplo, leva, em média, de 12 horas de viagem, por meio de navio. Porém, não são as distâncias exteriores, mas aquelas dentro do próprio território, que mais chamam atenção.
No Marajó, as grandes distâncias pareciam não ser um problema apenas para o novo coronavírus, que rapidamente se espalhou pelas ilhas ainda no primeiro semestre de 2021, auge da pandemia. A cidade de Breves, por exemplo, se destacou por ter alcançado o maior índice de infecção pelo vírus já registrado no país e no mundo, com 25% da população infectada. Ao todo, o arquipélago já somava 1.575 casos e 126 mortes causadas pela pandemia no fim de maio de 2020.
Nesse período, muitos pacientes com covid-19 foram transportados das cidades do Marajó para Belém em busca de atendimento médico - uma corrida contra o tempo: 209 transferências via asa rotativa e 82 transferências via asa fixa foram feitas em 2020; 285 transferências via asa rotativa, e 19 via asa fixa, foram feitas em 2021 – informa a Secretaria de Estado de Saúde do Pará (Sespa). Muitos pacientes também precisaram ser transportados em ambulâncias aquáticas, chamadas de "ambulanchas", adaptadas para fazer esse tipo de transporte.
Hoje em dia, equipes de saúde enfrentam as distâncias para levar vacinas até as comunidades. Ainda em maio, a Prefeitura de Melgaço vacinou crianças, adolescentes e adultos, enviando os profissionais de saúde por meio de lanchas.
Uma ação do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCM-PA), realizada entre o fim de 2021 e o primeiro semestre de 2022, visitou 136 unidades educacionais rurais e urbanas do arquipélago do Marajó e atestou que a "logística complexa" colabora para a “queda na qualidade do ensino” nas ilhas – que já era preocupante há 10 dez anos, quando a cidade de Melgaço, por exemplo, tinha 50% da população analfabeta (IBGE).
A logística complexa, apontada pelo TCM-PA, inclui o fato de os estudantes precisarem navegar por horas para chegarem às escolas, a exemplo do que acontece em Melgaço, que conta com 55 escolas municipais. Dessas, a maioria (51) está instalada na zona rural.
São três mil alunos na cidade e mais 6,5 mil matriculados na zona rural. Por isso mesmo, o maior desafio são as distâncias, aponta o secretário municipal de Educação, Eder Vaz Ferreira: “Temos alunos que passam quatro horas dentro de barcos. Duas horas para ir e duas para voltar para suas casas”.
Para dar conta dessa demanda, a prefeitura aluga quase 300 barcos, para os quais o município fornece o combustível. A despesa é de mais de R$ 1 milhão mensais só com transporte escolar rural. Hoje, 80% desse transporte é custeado com recursos do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.