CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

Consciência Negra: entenda o Estatuto da Equidade Racial no Pará

Medida é pioneira da região norte do Brasil e visa a reparação histórica de direitos negligenciados à população preta do Pará

Caio Oliveira
fonte

Publicada no último dia 12 de novembro, no Diário Oficial do Estado do Pará, a Lei nº 9.341 instituiu o Estatuto da Equidade racial no Pará, um marco histórico para a legislação paraense e uma vitória importante para o movimento negro na Amazônia. A lei, aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) é o primeiro estatuto do tipo aprovado na Região Norte, e elenca uma série de medidas que visam garantir à comunidade negra o acesso a oportunidades historicamente negligenciadas, determinando regras e princípios jurídicos que visam coibir a discriminação racial e asseguram legalmente o direito à educação, trabalho, saúde, cultura, esporte e lazer ao povo negro, entre outras demandas.

"O movimento negro entende que é obrigação do estado - em níveis federal, estadual e municipal - criar ações concretas para garantir a igualdade de oportunidades para todos e todas as pessoas. Nesse sentido, não é nenhuma dadiva ou presente criar o estatuto, mas um direito do Estado brasileiro, porque assim a Constituição Federal de 1988 determina", comenta Elza Rodrigues, titular da Coordenadoria Antirracista de Belém (Coant), pasta da Prefeitura, frisando que esses direitos sempre foram negados em sua plenitude a determinados setores da sociedade no Brasil. "No decorrer desses anos todos, o movimento negro entendeu que era importante atuar através de leis que tivessem resultado imediato na vida das pessoas negras", explica.

O Brasil já possui um estatuto de igualdade racial, determinado pela lei nº 12.288/2010. No Pará, a lei estadual foi elaborada a partir da realidade do Estado, sendo construída com debates coletivos com o movimento negro, sobretudo, o Centro de Estudos e Defesa do Negro (Cedenpa). Para a coordenadora da Coant, é essencial ter essas especificidades elencadas em um documento legal, pois há dificuldades que somente os membros de um determinado grupo étnico enfrentam diariamente.

"Na questão da saúde, por exemplo, sabemos que há doenças que são mais propensas a atingirem o organismo negro por conta da anemia falciforme [segundo o Ministério da Saúde, cerca de 8% dos negros no Brasil possuem a doença que causa anemia]. Então, com o estatuto, pode ser constituída uma política estadual de saúde, para pesquisar essas doenças, desenvolver campanhas e fortalecer programas que garantam a saúde da população. Mesmo no Sistema Único de Saúde (SUS), que é um sistema universal, há uma invisibilidade das doenças da população negra. Então, pode haver um grande movimento de atuação para pesquisar, investigar, e talvez, criar um centro de referência para essa população que tem peculiaridades específicas por sua constituição física", projeta Elza Rodrigues.

image O advogado Marco Apolo Leão analisa o estatuto e aponta os acertos e o que pode melhorar (Igor Mota / O Liberal)

Outra questão de urgência para o movimento é o acesso à educação de qualidade, demanda pautada no capítulo 2 do estatuto, assegurando, entre outras medidas, a implementação de cotas. "Essa lei consegue sistematizar em um único diploma legal diversos direitos", diz Marco Apolo Leão, advogado do Cedenpa e da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH). "Tem um artigo interessante que fala que as instituições de ensino mantidas pelo estado devem ter política de cota de raça de 40%. Isso é importante, pois a UEPA, por exemplo, tinha políticas para estudantes do ensino público, mas não de cor ou raça. Então, ter isso sistematizado no diploma legal facilita a exigência de direitos. Se eu quiser fazer uma ação, um requerimento administrativo, para exigir determinada situação do Governo do Estado, eu posso", explica o advogado que, mesmo que celebre a conquista, lamenta os vetos ao projeto. "Havia uma proposta sobre cota no serviço público estadual. Esse também foi vetado, e é um artigo central. Esperamos que os artigos que foram vetados sejam saneados com envio de projeto do governador para suprir esses vetos", sugere.

Uma das fundadoras do Cedenpa, a ativista Nilma Bentes foi uma das principais articuladoras do estatuto, e também destacou a insatisfação por conta dos vetos nas áreas de emprego e renda, como na proposição de cotas raciais em concursos públicos do estado. "Os principais vetos estão nas chamadas 'áreas duras'. O movimento negro considera que existem as áreas duras e as menos duras na questão racial. Nessas áreas, está o trabalho, que para nós sempre é um problema, desde o escravismo até hoje. Trabalho é algo muito importante para nós, pois é a base de tudo. Então, estamos tentando ver quais as possibilidades de reverter alguns desses vetos", explica Nilma.

Ainda segundo a ativista, o projeto inicial enviado ao legislativo ainda tinha trechos que debatiam questões referentes à segurança pública e a relação das forças policiais com a população negra. Mesmo assim, Nilma faz questão de reforçar que o estatuto foi uma conquista importante para o Pará. "De qualquer maneira, vamos ver pelo lado positivo. Estamos satisfeitos, mas em parte. É uma luta dura, árdua e difícil, e estamos na expectativa, esperando sempre o que for melhor para nós", finaliza Nilma, ainda lutando.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Pará
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

RELACIONADAS EM PARÁ

MAIS LIDAS EM PARÁ