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Comunidade diz que empresa nega acesso a cemitérios de comunidades indígenas e quilombolas

Segundo denúncia, Agropalma teria avançado plantações de dendê sobre áreas onde estão restos mortais

Caio Oliveira / O Liberal

“Tenho pai, irmão, avô, avó, todos enterrados nos cemitérios do Livramento e da Batalha. Mas não podemos ir lá. A gente tem vontade de ir para limpar, mas a empresa proibiu”. Clemente Souza, mais conhecido como Quelé, homem de 70 anos e cuja família viveu por gerações às margens do Rio Acará, resume assim uma situação que aflige hoje várias outras pessoas da comunidade da região, no nordeste paraense. Para eles, o território sagrado onde seus ancestrais repousam foi tomado pelas plantações de dendê da Agropalma.

De acordo com um relatório elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), há quatro cemitérios nas áreas ocupadas pela empresa. Três deles são áreas quilombolas, e uma é indígena, da etnia Tembé. Relatos de vários moradores que antes moravam na região à beira do rio contam que a gigante do agronegócio nega o direito de se prestar homenagem aos parentes que jazem ali.

“Essa proibição deles homenagearem seus mortos é um grande trauma coletivo”, relata Elielson Silva, doutor em Ciências - Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA) e pós-doutorando em antropologia pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Ele faz parte ainda do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, que trabalha junto aos quilombolas das comunidades da Balsa, Palmares e Gonçalves, na Região do Alto Acará, e tenta ajudar essas pessoas a terem seus direitos reconhecidos.

Áreas vedadas

Os nomes dos campos-santos catalogados pelo projeto são: cemitério Nossa Senhora da Batalha; do Livramento; de Santo Antônio e cemitério Indígena Tembé. Deste, o mais antigo é o do Livramento que, segundo os estudos, data do início do século XX. “Desse cemitério, entre 30% a 40% dele se encontra invadido por um dendezal, da empresa, que um tempo atrás, destruiu uma parte dele. Existem pessoas cujos parentes estão sepultados na área que hoje está coberta pelo dendezal, e que não conseguem nem saber onde estão essas sepulturas”, diz Elielson. 

“Nas demais sepulturas que sobraram, as pessoas são impedidas de homenagear seus mortos. Há um controle exercido pela empresa, que restringe a circulação dessas pessoas. Além de serem impedidos de homenagear seus mortos e manter vivo aquele espaço sagrado, eles são impedidos de pescar também. Então, há um controle de circulação abusivo”, alega o pesquisador, que diz que o relatório elaborado visa ajudar o reconhecimento da área como território quilombola por parte do poder público.

 

“Meu irmão está na Nossa Senhora da Batalha, no meio do território. Em 2019, eu fui coagido; eu e outras pessoas. A gente não pode nem limpar nem praticar os eventos que temos de costume na comunidade. Está complicado”, lamenta Joaquim Pimenta, presidente da Associação Representativa dos Quilombolas da Comunidade da Balsa. O homem conta que se sente um expatriado, sem direito a ter ao menos acesso à sua história, e sente mais ainda por ver seus conterrâneos passando pelo mesmo tipo de problema, sem poder ter acesso aos túmulos de seus familiares e à área de rio onde têm raízes.

Empresa diz não ter conhecimento de comunidades 

“A gente chega lá, tá um matagal, a coisa mais feia do mundo”, lamenta Adilson Pimenta, agricultor de 47 anos que também tem parentes sepultados na Batalha. “Eu estava presente quando enterraram. Tenho lá um irmão, tios. Teve uma vez que a gente foi lá dar uma olhada, e a Agropalma mandou a polícia. Eles foram lá e disseram que estávamos invadindo, que lá tem segurança armada e podiam atirar”, diz o homem, preocupado com sua história.

Em nota, a Agropalma disse que “jamais estabeleceu plantações sobre quaisquer áreas de cemitérios, tampouco registra a presença de comunidades quilombolas em suas fazendas ou no entorno delas”.  A empresa afirma ainda que até o momento, nenhum morador usou os canais de comunicação oficiais da empresa para alegar suposta violação ou mesmo apontar sua localização.

“A Agropalma apenas tomou conhecimento de um pedido levado à Justiça pela Defensoria Pública, sobre o qual a empresa sequer foi chamada a se manifestar, e que acabou indeferido pelo juízo, devido à insuficiência de provas”, declarou o setor de comunicação da maior produtora de óleo de dendê da América Latina.

Outras denúncias

A Agropalma S/A também está na chamada "lista suja" de empresas com mais denúncias ou ações trabalhistas. Com sede em São Paulo e operações em municípios do Pará, como Tailândia, a empresa hoje é acionada em mais de 2,5 mil processos em diversos tribunais. As ações tramitam desde o TJE-PA, até instâncias como o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a corporação já perdeu vários recursos às sentenças recebidas, neste caso, por processos envolvendo questões agrárias, de áreas verdes ocupadas irregularmente pela empresa.

A Agropalma também foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJE/PA), em sentença proferida no dia 27 de julho, a retirar 35 mil hectares do seu patrimônio, após denúncias de fraudes praticadas pela corporação. A empresa estaria envolvida em um esquema de grilagem de terras e irregularidades nas cadeias dominiais. O juiz André Luiz Filo-Creão Garcia da Fonseca decidiu pelo bloqueio de vários registros imobiliários, incluindo escrituras públicas e matrículas de 12 lotes de áreas que abrangem as atuais Fazendas Agropar, CRAI I, CRAI II e Agropalma, compostas por terras que originalmente compunham a antiga Fazenda Porto Alto.

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