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Censo ignora população LGBTI+ brasileira por mais uma década

Investigação inédita sobre comunidades quilombolas é considerado um avanço. Movimento LGBTI+ brasileiro considera a falta do levantamento como mais uma fragilização de direitos e políticas públicas

Victor Furtado
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Por mais uma década, o Censo não vai investigar o tamanho da população LGBTI+ brasileira. A informação foi confirmada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, trans, queers, intersexuais e outros públicos continuam sem dados que possam fomentar políticas públicas. Algo preocupante, diante do cenário de retrocessos e perda de direitos, no país que mais mata a população LGBTI+ no mundo.

Dados cruzados de entidades e do IBGE apontam que entre 14% e 16,5% da população brasileira é LGBTI+, sendo 10% gays, 6% lésbicas e 0,5% trans. Mas esses dados, até hoje, não têm base sólida e confiável e já estão muito defasados. Acredita-se que muita gente nem esteja representada, já que faltam também bissexuais e intersexos. Muitas pessoas podem nem querer se identificar como LGBTI+ por medo ou preconceitos consigo mesmos. Não estimular essa resposta é uma evidência

Para ativistas de defesa dos direitos da população LGBTI+, é incompreensível que o IBGE siga sem fazer esse estudo de população. Todos os dados possíveis da quantidade de pessoas e a multiplicidade de identidades de gêneros são estimativos e muito imprecisos. A questão que segue ecoando é: como saber o que essa população precisa se nem se sabe quantas pessoas são, onde estão e em que condições vivem (premissa do Censo)?

Dois representantes do Grupo Homossexual do Pará (GHP), Eduarda Lacerda e Eduardo Benigno, reforçam: deixar a população LGBTI+ fora do Censo é seguir invisibilizando essas pessoas, que têm necessidades específicas de políticas de públicas. Educação, emprego e renda, saúde preventiva, segurança e cultura.

Benigno recorda que a última tentativa de mensurar a população LGBTI+ brasileira com o Censo, apenas fez uma estimativa de que 14% dos brasileiros seria autodeclarado LGBTI+. Porém, não havia dados preciso sobre cada identidade de gênero. Sim, é importante conhecer cada uma porque há muitas especificidades em demandas por políticas públicas.

"Essa falta de olhar diferenciado para a questão LGBTI+, do ponto de vista de um instituto governamental, nos preocupa por ser uma forma de invisibilizar a luta e as reais necessidades dessa população. Essas pessoas fazem parte da sociedade e o Censo é de suma importância para a formação de dados que embasam políticas públicas. E mostra a real condição da sociedade brasileira. A ausência desse levantamento é grave, mas é o que se podia esperar de um governo que não representa toda a sociedade brasileira, mas sim apenas os interesses do fundamentalismo religioso e dos ultrarreacionários. É mais uma mostra do que esse governo tenta implantar no país", critica Benigno.

image Eduarda Lacerda ressalta que a população LGBTI+ brasileira não pode mais ser chamada de minoria. É uma parcela significativa da população e que tem demandas por políticas públicas bem específicas. (Alessandra Serrão / Comus)

Eduarda pontua que seguir fora do Censo faz com que a população LGBTI+ continue sendo rotulada como "minoria". Isso dificulta o acesso Às políticas sociais.

"Sem dados específicos sobre tal público, fica muito difícil saber como a população LGBTI+ se identifica, para que assim se possa criar um plano efetivo na área de educação, saúde, segurança, cultura e projetos sociais que garantam trabalho, emprego e renda para essa população. Uma parte dessa massa sobrevive da prostituição, justamente por falta de políticas de inclusão. Mas para isso, são necessários dados concretos", observa Eduarda.

O geógrafo e professor doutor Aiala Colares ressalta que pesquisas populacionais no mundo, semelhantes ao Censo, já incluem investigações sobre a população LGBTI+. Não ter uma base de dados como essa é um retrocesso, que acaba fomentando o preconceito, a LGBTIfobia e fragiliza a estruturação de políticas públicas. "Como se faz enfrentamento do preconceito e se estabelece cultura de paz e aceitação da diversidade se não se sabe sobre essa diversidade?", analisa

 

Geógrafo quilombola destaca importância da investigação inédita sobre quilombos

Enquanto a população LGBTI+ segue de fora do Censo, pela primeira vez, o IBGE fará um levantamento específico de comunidades quilombolas. Aiala Colares é quilombola. O primeiro quilombola doutor e primeiro a fazer pós-doutorado no Pará. Para ele, o fato de o IBGE, finalmente, fazer uma investigação detalhada sobre a população e comunidades quilombolas pelo Censo, é um passo no enfrentamento do racismo e no fortalecimento de direitos.

"Essa investigação inédita é importante pela concepção de autorreconhecimento e autodeclaração de sujeitos que nem se consideravam quilombolas. O Brasil tem certificado e titulado terras, reconhecendo as histórias e registros dessas comunidades. Possivelmente, vai impactar no aumento da população negra do brasil", analisa Aiala.

Durante décadas, ressalta o geógrafo, a política buscava negligenciar a presença do negro na formação da sociedade brasileira. "Pelos mitos político-raciais, nasceu o embranquecimento e os termos moreno claro, mulato... qualquer coisa, menos negro. Com o fortalecimento dos quilombolas, do movimento negro e empoderamento das comunidades afrodescendentes, ter dados populacionais oficiais pelo Censo pode somar nos conjuntos de ações de luta", conclui.

image Valéria Carneiro, da Malungu, celebra a pesquisa sobre comunidades quilombolas, mas questiona o porquê de ainda não haver um levantamento da população LGBTI+. Para ela, os Censos deveriam ser feitos em menos tempo e serem melhor usados pelo poder público. (Igor Mota / O Liberal)

Valéria Carneiro é da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu). Pela entidade, o Pará tem 814 comunidades quilombolas. Mas esse dado nunca foi tão preciso e seguro como será agora, com o Censo. Esse levantamento é uma reivindicação antiga e que já contemplava indígenas. Mas nunca quilombolas.

"Essa novidade chegou muito bem às comunidades, que já esperam os recenseadores. Queremos e precisamos desses dados do Censo para reforçar nossos direitos e termos mais acesso a políticas públicas. Estamos sofrendo muitos ataques e perdendo conquistas. Estamos vivendo o fechamento de escolas, conflitos e invasão de nossas terras pelo agronegócio. Afrontas à Constituição Federal e a convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário", destaca Valéria.

Contudo, a representante da Malungu diz ser necessário fazer pesquisas mais constantes. E mais compromisso dos gestores públicos com os dados. "Dez anos é muito tempo. Precisamos de pesquisas mais frequentes, mas do porte do Censo mesmo, para ir afinando as políticas públicas. De verdade, o que mudou no Brasil desde o último Censo? Quase nada. Nós não somos só números. Ao menos neste ano, finalmente teremos um levantamento das comunidades quilombolas. Mas e a população LGBTI+?", questiona.

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