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Registro de violência doméstica cai mais de 50% em Belém após isolamento decorrente de pandemia

Fato de mulheres estarem com seus agressores 24 horas por dia pode influenciar na redução dos números. Entenda:

Tainá Cavalcante

A violência doméstica não para. Em todo o planeta existe um grande esforço em prol da prevenção contra o coronavírus. Isso inclui isolamento social. Entretanto, dentro de uma casa há espaço para outros medos: um deles é o de entrar no índice de mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil.

 

Desde que a recomendação de distanciamento social começou a ser feita ao redor do mundo, muitos países têm mostrado um dado perigoso: o número de registros de violência contra a mulher tem caído abruptamente. Ao mesmo tempo, especialistas das Organizações das Nações Unidades (ONU) apontam que nesse período, é possível que haja aumento no número de casos de violência, já que as vítimas passam a ficar expostas 24 horas a seu agressor.

Equacionar essa conta pode parecer difícil, mas não é. Como os casos aumentam e os registros diminuem? A resposta vem com outra pergunta: como as mulheres vão fazer a denúncia, se estão o tempo todo sob o domínio de seus agressores?

Na França, o telefone emergencial passou de 1600 chamados de violência doméstica para 100 desde o confinamento, segundo a Secretaria de Igualdade de Mulheres e Homens e da Luta contra o Preconceito do país. No Brasil, há dados diversos: de acordo com o Plantão Judiciário da Justiça do Rio de Janeiro, os casos de violência doméstica aumentaram em 50% nos últimos dias. Em outros estados, como o Paraná, a redução de registros foi significativa: 38% a menos de registros de crimes relacionados à violência doméstica do que na semana anterior, antes do isolamento social ser recomendado.

PARÁ

No Pará, seguindo os dados da Delegacia da Mulher (Deam) de Belém, houve também uma diminuição significativa em um comparativo com o mesmo período do ano anterior: no intervalo de dez dias após o início do distanciamento social na capital, ou seja, de 16 a 26 de março de 2020, foram 85 casos contra 174 em 2019, o que equivale a 52% a menos. A redução dos números pode ser ainda mais relacionada ao período de distanciamento social depois de detalharmos os números: em 18 de março, quando o primeiro caso de coronavírus foi confirmado no Estado, apenas quatro registros foram feitos na Deam Belém. Nessa mesma data, mas no ano de 2019, foram 31. Se ampliarmos o período, o cenário não muda muito: de 16 de março até 02 de abril de 2019, foram 265 casos. Em 2020, no mesmo intervalo de tempo, diminuiu para 152: uma redução de 43%.

CONSCIÊNCIA?

Para a delegada Janice Aguiar, titular da Deam Belém, isso não representa uma consciência coletiva dos homens, mas sim o medo das mulheres saírem às ruas em virtude do risco de infecção. "Na minha opinião, isso é porque as mulheres estão querendo se resguardar da contaminação, de pegar doença, então estão preferindo ficar em casa. Eu não acredito nessa conscientização instantânea dos homens, porque a gente tem um número ou crescente ou estável de boletins de ocorrência durante os anos e em uma semana essa redução expressiva? Não pode ser", afirma, acrescentando que "gostaríamos que fosse isso, que homens estivessem se conscientizando de não praticar violência nos lares, mas eu acredito que é a mulher obedecendo a orientação do ministério da saúde, procurando circular menos".

Questionada se não enxergava nos números a possibilidade de as vítimas, na verdade, estarem sendo impedidas de denunciarem, já que estão 24 horas por dia com seus possíveis agressores, a delegada diz que essa é uma possibilidade, mas que é preciso lembrar que não existe só a vítima que reside com o agressor. "Temos as outras. A vítima do ex-marido, ex-namorado, aquelas que já romperam a relação, mas o agressor continua perturbando", avalia, ao completar que, a seu ver, para as que moram com os agressores, "não é que elas estejam com a liberdade cerceada, mas talvez não queiram circular pela cidade".

Sobre os locais em que se registrou diminuição, a advogada diz que pode ter ligação com a noção que as mulheres ainda têm de que esses casos só podem ser denunciados nas Deams. "É nesse momento que a rede de proteção, atendimento e enfretamento de violência contra a mulher precisa se mostrar eficaz. Por isso, é importante que essa mulher saiba que existe uma gama de rede de atendimento para ela e que de fato funciona nesse momento em que ela não pode estar fora da sua casa".

DENÚNCIA

É importante lembrar que para a denúncia ser feita, a mulher não necessariamente precisa ir à Deam. Há contatos de telefone, como o 190, que é o 24 horas do Centro Integrado de Operações (Ciop), para casos de flagrante ou perigo iminente, que a viatura chega mais rápido ao local, e o Disque-Denúncia, nos números 180 e 181. Há opção também de registrar ocorrência na delegacia virtual, assim como presencialmente em qualquer delegacia de polícia e até em postos de saúde.

Reconhecendo que mesmo a ligação acaba se tornando difícil para uma mulher que está o tempo todo ao lado de seu agressor, a delegada Janice, assim como Natasha, lembram que vizinhos e familiares também podem fazer essa denúncia anonimamente pelos números citados ou presencialmente em qualquer delegacia ou nas Deams.

"Se você ouvir alguma coisa é sim o caso de fazer denúncia e ajudar essa mulher que às vezes nesse local não tem os elementos necessários, os meios ou talvez até a força para reagir a essa violência", orienta Natasha.

No site da Polícia Civil é possível encontrar o telefone e endereço das duas Deam's da Região Metropolitana de Belém e das 17 do interior do Estado. Há, ainda, uma Sala Lilás, especializada no atendimento à mulher, inaugurada na última semana em Marituba.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARÁ MANTÉM ATENDIMENTO À MULHER

O Judiciário paraense prossegue com o atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica durante o período de isolamento social. Nessa temporada, as três Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher cumprirão regime de teletrabalho, a fim de evitar que este a violência se intensifique.

Análise de processos, bem como proferindo sentenças e decisões, com a assistência remota dos servidores, continuarão sendo feitas. A entrega de intimações às partes será presencial, por telefone ou WhatsApp, a fim de que os envolvidos tomem ciência da concessão de medidas protetivas de urgência em favor das vítimas.

Pará