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Ribeirinhos e rabetas são alvos das embarcações e "banzeiros"

O banzeiro "alaga" e vira as canoas, causa acidentes e também contribui para destruir os barrancos de areia

Dilson Pimentel

Em uma rabeta, a técnica de enfermagem Sandrielle Cristina Silva, de 23 anos, ia para seu local de trabalho quando essa pequena embarcação virou. Ela sabe nadar e, assim, chegou com segurança à margem do rio. Mas a rabeta ficou danificada. Sandrielle foi vítima de uma situação muito comum no Furo da Mucura, na zona rural do município de Barcarena, no nordeste do Estado.

Moradores denunciam que são prejudicados com a circulação diária de lanchas que fazem viagens de Ponta de Pedras para Belém e da capital paraense para aquele município do Marajó. As viagens, feitas por três empresas de navegação, ocorrem todos os dias da semana, começando, a primeira delas, geralmente por volta das 6h30. Às 16h30, a última lancha segue de Belém para Ponta de Pedras.  "A maresia das lanchas causa muito impacto nas rabetas. Prejudica o fundo da rabeta, que, com o baque, vai quebrando. Acontece da rabeta virar, como aconteceu comigo e uma amiga minha", contou Sandrielle, que trabalha na Unidade Básica de Saúde da Ilha Arapiranga.

O deslocamento das águas, provocado por essas lanchas velozes, também destrói os barrancos de areia, causando erosão. Sandrielle lembrou do acidente ocorrido recentemente com ela. "Todo os dias, eu e uma amiga vamos de rabeta para o trabalho. A lancha passou perto da gente. A maresia foi tão forte que fez a rabeta virar. A gente quase perdeu o motor (da embarcação). A gente afundou e se molhou. E, nesse dia, não conseguimos trabalhar nesse dia", completou ela, que havia saído de casa às 5h40.

De sua residência até aquela unidade de saúde é uma hora de viagem. A técnica de enfermagem disse que esse acidente ocorreu por volta das 6 da manhã. "A gente tava perto da margem. Mas eles (a lancha) passaram muito perto. Se a gente não soubesse nadar, teríamos corrido o risco de morrer afogada. A gente só pede que eles passem um pouco mais devagar aqui, para não ter muito impacto de maresia. Passando um pouco devagar, vai ajudar muito a gente aqui", afirmou. Para consertar o motor da rabeta, que ficou cheio de água, e fazer outros reparos na embarcação, Sandrielle e a amiga gastaram R$ 300.

Os ribeirinhos disseram que, ao trafegar em alta velocidade, as embarcações causam "banzeiro" - uma sucessão de ondas ou, como dizem os ribeirinhos, "uma maresia muito grande". O banzeiro "alaga" e vira as canoas, causa acidentes e também contribui para destruir os barrancos de areia. Nessa região, há escolas, igrejas e uma unidade básica de saúde. Na manhã de quarta-feira (24), os ribeirinhos fizeram um protesto inusitado: usando canoas, e durante algumas horas, a partir das 5h30 da manhã, eles fecharam o furo da Mucura. Essa região fica entre as ilhas Mucura e Arapiranga. Uma forma de chamar a atenção das autoridades para o problema que enfrentam diariamente. E, no dia seguinte, quinta-feira (25), uma comissão de moradores daquelas comunidades foi à Capitania dos Portos e à Delegacia de Polícia Fluvial, em Belém.
No Boletim de Ocorrência, registrado na Delegacia de Polícia Fluvial, da Polícia Civil, contaram que, há cerca de um ano, "toda a comunidade vem sofrendo" com a navegação diária de lanchas expressas que trafegam em "alta velocidade". Isso, segundo eles, danifica "muitas residências, os portos e as embarcações nos portos". À reportagem, eles estimaram que, atualmente, essas lanchas trafegam com o dobro de velocidade que seria permitida naquele furo.

Ribeirinho se machucou ao "defender" seu barco

Também na manhã de sexta-feira (26), a dona de casa Adrielle Rodrigues, 20 anos, levou o filho, de sete meses, para uma consulta de rotina naquela unidade de saúde. Ela foi em uma rabeta. "Isso afeta a gente de muitas maneiras. As embarcações (dos ribeirinhos) não param no lugar. Quebra motor. As rabetas viram. E a gente precisa muito das nossas embarcações", contou. Ou seja, as canoas e as rabetas são usadas pelos ribeirinhos para a pesca e, também, para o deslocamento diário para a realização de tarefas diárias. "Às vezes, a gente vai ver e (a canoa) está no fundo, com o motor cheio de água. É prejuízo pra gente. Se estiver na beira, é capaz de ter um acidente, de acontecer alguma coisa com nossos filhos. É ruim", disse. Uma cena comum, aliás: os pacientes chegam para se consultar naquela unidade de saúde e alguém, geralmente um homem, fica na rabeta, "cuidando" da embarcação. Essa medida é para evitar que a canoa seja arrastada pela maresia causada pelas lanchas e vá para o fundo. 

O pescador e agricultor Odenilson Rodrigues Ferreira, 38 anos, disse que, "quando a água está 'correndo', a maresia vem mais violenta. Aí, quando as canoas estão mais fora (longe da margem), elas emborcam e vão para o fundo", disse. Mais conhecido como "Curica", ele explicou que muitos ribeirinhos deixam a canoa um pouco afastada da margem do rio, ou "beirada". Mas, por causa da maresia causada pelas lanchas, eles têm que colocar as embarcações em terra firme. "Tira do rio e deixa em cima da terra. Só que muitos não têm condições de empurrar, porque isso aí (a terra firme) é pedra", disse. O pescador afirmou, ainda, que essa situação se agravou há um ano. "É que essas lanchas expressas correm mais e fazem mais marola (pequena onda). A marola delas são maiores e frequentes", contou. Curica também disse que a velocidade das lanchas já causou acidentes. "Um vizinho meu foi 'defender' a embarcação dele da marola, que foi grande", contou. Ele disse que o deslocamento da água jogou seu amigo contra a própria embarcação. E ele prendeu o braço entre o barco e um atracadouro improvado, feito de pau ficado na água e onde os ribeirinhos amarram suas embarcações. Defender, nesse caso, era proteger para não quebrar a embarcação. "Ele foi tentar ajeitar melhor", disse.

Curica, que participou do protesto na semana passada, espera que, a partir de agora, as autoridades adotem providências para proteger os ribeirinhos e suas embarcações. "A Fluvial e a Capitania dos Portos ficaram de vim aqui para tentar solucionar esse problema pra gente. As empresas não querem conversar com a gente. A gente quer que reduza essa velocidade deles, porque já deu vários acidentes. Já virou embarcação, mas, graças a Deus, não houve morte. Queremos evitar um acidente fatal. Essa é a preocupação da gente", disse. Saindo da Pedra do Peixe, no Complexo do Ver-o-Peso, em Belém, e de voadeira, gasta-se meia hora para chegar no Furo da Mucura. 

Capitania vai notificar as empresas, que também serão intimadas pela Delegacia de Polícia Fluvial

Na sexta-feira (26), a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR) informou que, devido ao protesto realizado no dia 24 pelos moradores no Furo da Mucura, às proximidades de Barcarena, interditando o canal, foi realizada, na tarde de quinta-feira (25), uma reunião com representantes das comunidades. E, na ocasião, a CPAOR informou que notificará as empresas cujas embarcações trafegam pelo canal para que sejam cumpridas as recomendações contidas nas "Normas e Procedimentos da Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (NPCP)" de forma a não trazer prejuízos para os moradores locais. "Cabe informar que, na recomendação da NPCP, em seu capítulo 5, item 0502 - Restrições de Velocidade, observa-se o seguinte: 'Considerando os possíveis danos que podem ser causados às margens, às instalações nelas localizadas e às embarcações atracadas, é proibida a passagem de embarcações em velocidade superior a 5 nós e em distância inferior a 150 metros das margens em locais de concentração de embarcações, trapiches, flutuantes e portos organizados". A reportagem esclarece que a velocidade dos barcos é medidas em nós. E que, hoje, 1 nó equivale a 1,852 quilômetro (ou uma milha náutica) por hora.

Ainda segundo a Capitania, "especificamente para o Furo da Mucura será emitida uma portaria estabelecendo o limite de velocidade para as embarcações que trafegam na região. A Marinha do Brasil conclama a sociedade a participar ativamente nesse esforço de fiscalização, informando qualquer situação que possa afetar à segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana no mar e vias navegáveis ou que represente risco de poluição ao meio hídrico, por meio do Disque Emergências Marítimas e Fluviais: 185 - (91) 3218-3950 ou (91) 99114-9187 (aplicativo de mensagem instantânea)". Já a Delegacia de Polícia Fluvial, da Polícia Civil, informou que, na próxima semana, vai intimar os proprietários das empresas citadas no Boletim de Ocorrência, para que sejam ouvidos e apresentem os devidos esclarecimentos. Um inquérito, portanto, será instaurado para apurar o caso.
 

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