Pará registra mais de 23 mil atendimentos no ligue 180 e reforça alerta no 25 de novembro
A data marca o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher
Em um ano marcado por recordes de denúncias e uma central de atendimento em plena celebração, o Pará aparece com dados preocupantes e reforça a importância do 25 de novembro, Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher. Segundo o balanço mais recente do Ministério das Mulheres a respeito do número de atendimentos, até 31 de outubro de 2025, o Ligue 180 registrou 23.402 atendimentos no estado, reforçando que a rede de proteção é cada vez mais acionada pela população local.
No Pará, os 23.402 atendimentos reforçam a expressão local desse fenômeno. Uma parcela significativa dessas mulheres recorre ao Ligue 180 para denunciar, buscar orientação jurídica ou descobrir a rede especializada mais próxima para apoio.
De janeiro a outubro de 2025, a Central de Atendimento à Mulher realizou 877.197 atendimentos no país, uma média diária de cerca de 2.900 ligações, mensagens via WhatsApp, e-mails e videochamadas em Libras. Do total, foram 126.455 denúncias de violência, 66% feitas pela própria vítima, 21% de forma anônima e 13% por terceiros.
Esses números retratam não apenas uma escalada de violência, mas também uma crescente confiança das mulheres no serviço.
Quanto mais mulheres conhecem esses espaços, mais têm força para denunciar e sair de situações de violência. A urgência da pauta se intensifica diante de dados recentes que vieram à tona por meio de uma reportagem do Fantástico, da TV Globo. O programa teve acesso a resultados da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado com cerca de 21,6 mil brasileiras. Os números revelam aspectos dolorosos da realidade, 71% das agressões domésticas aconteceram na presença de alguém, sejam crianças ou adultos.
No recorte por tipo de violência, a violência psicológica aparece como predominante, conforme a pesquisa, ela afeta 88% das mulheres em algum momento da vida, segundo relatos compilados pela reportagem do Fantástico (ou pelo levantamento). (Os dados do DataSenado apontam crescimento consistente da violência psicológica em edições recentes).
Além disso, a pesquisa descobriu que, embora muitas denunciem por telefone ou e-mail, apenas cerca de 3 em cada 10 mulheres recorrem à delegacia, comum ou especializada, como primeira alternativa, segundo relatos do estudo.
20 anos do Ligue 180
Além de reforçar a visibilidade da data, 2025 marca duas décadas do Ligue 180. Criado em 25 de novembro de 2005, o canal surgiu para orientar mulheres sobre seus direitos, indicar serviços da rede especializada e receber denúncias.
Inicialmente, o 180 era apenas um serviço de orientação, foi só em 2014 que passou a fazer encaminhamento ativo de denúncias às autoridades competentes.
Essa coincidência entre data simbólica e aniversário reforça o peso histórico e político da central, duas décadas de um serviço público que, apesar das limitações, tem sido a principal porta de entrada para milhões de mulheres em situação de violência.
A coordenadora geral do Ligue 180, Ellen dos Santos Costa, afirma que a central de atendimento é um canal especializado de escuta e de acolhimento de mulheres que estão em situação de violência. “Qualquer mulher, independente da sua idade e da sua condição, pode ligar que a gente vai identificar os requisitos mínimos para entender se existe essa violência, passar para ela essa informação e mostrar os canais ou os caminhos que ela pode seguir para romper com esse ciclo, para denunciar essa violência que ela está vivendo”, explica em entrevista para a TV Brasil.
Ao mesmo tempo em que as estatísticas mostram avanço, no sentido de mais mulheres ousando denunciar, mais ligações por dia, mais visibilidade, há desafios estruturais persistentes.
Neste 25 de novembro, o Brasil e o Pará celebram, simbolicamente, a coragem das irmãs Mirabal e a força de um serviço que completa 20 anos em plena atividade. Mas a data também serve como alerta, os números do 180, os dados do DataSenado (mostrados pelo Fantástico) e a experiência das mulheres paraenses convergem para uma mensagem clara, a violência contra a mulher não recua por si só. A rede de atendimento existe, 180, as delegacias, as Casas da Mulher, mas para salvar vidas, prevenir novos casos e transformar realidades, é necessário mais.
Ligue 180
A Central Ligue 180 funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, de Brasília, e o número é gratuito. Qualquer pessoa pode ligar para denunciar ou buscar informações sobre todos os tipos de violência. O objetivo é atender de forma humanizada, acolhedora e sem julgar.
O dia 25 de novembro marca o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher. A data foi escolhida para homenagear as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), dominicanas que ficaram conhecidas como Las Mariposas e se opuseram à ditadura de Rafael Leónidas Trujillo sendo assassinadas em 25 de novembro de 1960.
Especialistas apontam prioridades para prevenir a violência de gênero e fortalecer a rede de apoio
A advogada Tarita Cajazeira, presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da OAB-PA, destaca que enfrentar a violência de gênero nos próximos anos exige não apenas ampliar a rede de acolhimento, mas também implementar mudanças estruturais capazes de transformar a prevenção e o atendimento às mulheres em situação de risco. Para ela, as medidas precisam ser contínuas, integradas e sustentadas por financiamento público adequado.
Entre as prioridades elencadas pela jurista, está a capacitação obrigatória e permanente de agentes do sistema de justiça (policiais, peritos, promotores, defensores, juízes e servidores) com base no Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, já reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A especialista reforça que o protocolo existe, mas ainda carece de implementação consistente no cotidiano institucional.
Outra frente urgente, segundo Tarita, é o fortalecimento da capacidade pericial e forense, com "investimentos em laboratórios, equipes especializadas e protocolos de coleta de provas que reduzam perdas de evidências e aumentem a efetividade das investigações". A orientação segue os diagnósticos dos dossiês do Instituto Patrícia Galvão, que apontam a necessidade de maior integração entre peritos e autoridades judiciais.
A presidente da comissão também defende a ampliação de redes integradas de atendimento, com centros especializados, como as Casas da Mulher, que articulem serviços de polícia, saúde, assistência social, Ministério Público e Judiciário, além de bases de dados compartilhadas para acelerar o monitoramento de medidas protetivas e de reincidência.
Tarita ressalta ainda a importância de garantir acesso territorializado e culturalmente adequado às populações que vivem em áreas rurais, comunidades tradicionais e territórios indígenas, com equipes bilíngues e atendimento descentralizado. Segundo ela, políticas que não alcançam mulheres fora dos centros urbanos perpetuam desigualdades históricas.
No campo da prevenção, a advogada enfatiza a necessidade de consolidar programas educativos nas escolas e campanhas permanentes, voltadas também a homens e meninos, para desconstruir normas sociais que reproduzem práticas violentas de masculinidade. A isso soma-se a urgência de fortalecer a proteção digital, ampliando a capacidade estatal de combater crimes como divulgação de imagens íntimas, perseguição online e ameaças virtuais.
Outro ponto considerado central pela especialista é o apoio econômico às vítimas, por meio de programas de renda, emprego, qualificação profissional e acesso à moradia, fatores que reduzem a dependência financeira do agressor e permitem que mulheres rompam o ciclo de violência.
Por fim, Tarita destaca a necessidade de produzir dados desagregados, confiáveis e atualizados, bem como garantir orçamento estável para serviços essenciais, como abrigos, saúde mental e assistência jurídica. “Sem monitoramento, transparência e financiamento contínuo, a rede não se sustenta”, afirma.
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