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Especialistas alertam para riscos de chatbots com IA em redes sociais no aliciamento de crianças

Advocacia-Geral da União (AGU) notificou empresa Meta para excluir robôs de IA que simulam aparência infantil e realizam diálogos com conteúdo sexual

Vito Gemaque

As novas possibilidades que as Inteligências Artificiais (IAs) estão permitindo trazem também novos riscos nas redes sociais e na internet. Os chatbots – ferramentas automáticas que conversam com usuários imitando pessoas reais – podem ser usados por criminosos para manipular crianças e adolescentes. A vítima enganada pode ser aliciada e sofrer abusos virtuais com graves consequências psicológicas. Especialistas alertam para a necessidade de regulação das redes sociais para controlar as ferramentas.

Na última segunda-feira (18), a Advocacia-Geral da União (AGU) notificou às redes sociais Instagram, Facebook e WhatsApp para excluir esses robôs de inteligência artificial que simulam aparência infantil e realizam diálogos com conteúdo sexual. A Meta - empresa proprietária das redes - tem 72 horas para excluir os robôs e esclarecer quais medidas têm sido adotadas para evitar que crianças e adolescentes tenham acesso a conteúdo sexual e erótico.

A AGU argumenta que chatbots criados por meio da ferramenta Meta IA Studio podem promover a erotização infantil. O órgão também acrescentou que as plataformas da Meta estão disponíveis para menores de idade, a partir dos 13 anos, e não existe filtro para verificar a idade dos usuários entre 13 e 18 anos, o que amplia de forma exponencial o risco do contato de menores de idade com material sexualmente sugestivo e potencialmente criminoso.

A psicóloga infantojuvenil Camila Ferreira, idealizadora da clínica Psicobrincar, especializada em atendimento às crianças e adolescentes, enfatiza que a internet e as redes sociais são lugares perigosos para crianças e adolescentes. “A internet e redes sociais não são lugares seguros para crianças e adolescentes, muito menos quando não há regulamentação e monitoração para o uso destes espaços. As redes sociais, as quais estão inseridas num sistema-mundo nocivo que incentiva e alimenta ciclos de abusos e assédios, a exposição de crianças, por exemplo, gera engajamento e lucro e este é o objetivo destas plataformas, o lucro”, alerta.

O tema sobre a erotização de crianças nas redes sociais está sendo amplamente discutido pela sociedade nas últimas semanas após o influenciador Felipe Bressanim, mais conhecido como Felca, elaborar um vídeo denunciando o assunto da adultização infantil nas redes sociais. “Quando crianças são expostas a conteúdos inapropriados para a sua idade. Isso tende gerar impactos emocionais e físicos com afetam a autoestima, a autopercepção e tornam-se crianças ainda mais vulneráveis e manipuláveis por criminosos, em busca de uma validação estética, construída a partir de violação de seu próprio eu e de expectativas inatingíveis”, detalha a psicóloga. 

O professor do curso de Ciência da Computação e pesquisador na área de Rede Computadores e Segurança da Universidade da Amazônia (Unama), Diego Abreu, explica que o assunto das Inteligências Artificiais é muito novo e as plataformas não têm sido reguladas adequadamente nesse sentido. “Embora as leis atuais possam dar algum suporte, a regulação para combater esses abusos ainda está em desenvolvimento, e muitas plataformas priorizam o crescimento rápido de usuários e a monetização”, reflete Abreu. 

FUNCIONAMENTO - Os chatbots têm um risco real de serem utilizados por aliciadores e abusadores. Os dados brutos coletados pelas IAs, como textos e imagens podem ser analisados pela ferramenta para entender os sentimentos ou medos da pessoa. Com essas informações os criminosos manipulam ainda mais a vítima.

 “O grande risco é que esses bots podem normalizar o abuso e, aos poucos, manipular a criança ou adolescente para compartilhar dados pessoais ou até conteúdo íntimo. Além disso, muitos desses bots capturam dados sensíveis das vítimas, como preferências ou informações privadas, o que pode ser usado contra elas no futuro”, explica.

As ferramentas podem até mesmo imitar a voz de crianças com o intuito de confundir as vítimas. “Tecnicamente, esses bots podem ser programados para imitar o comportamento e a voz de uma criança, o que gera uma falsa sensação de segurança para as vítimas. O uso de LLMs (Grandes Modelos de Linguagem traduzido do inglês) torna mais difícil para a vítima identificar que está interagindo com uma máquina. Isso pode facilitar o aliciamento de crianças e adolescentes”, detalha.

Na avaliação do pesquisador, as plataformas precisam ser mais proativas, como incluir monitoramento em tempo real nos chatbots para detectar comportamentos suspeitos e conversas que possam indicar abuso ou manipulação. Esse monitoramento pode ser colocado na própria estrutura da IA, de forma a não aceitar esse tipo de interação. “Além disso, elas podem usar filtros automáticos de conteúdo, que bloqueiam termos e imagens inapropriadas, e também notificar os responsáveis sempre que um conteúdo potencialmente abusivo for detectado. Novamente, isso deveria vir de projeto da própria IA”, assegura.

ORIENTAÇÕES – Os especialistas apontam algumas orientações aos pais e responsáveis que vão desde não postar fotos e vídeos das crianças, proibir a utilização de smartphones, limitar o tempo tela, utilização de aplicativos de controle parental e até ampliar a educação sexual na sociedade. 

“É importante que os pais pensem bem antes de postar fotos e vídeos de suas crianças nas redes sociais, pois um conteúdo que para nós seria considerado inocente, para os aliciadores são um ‘prato cheio’ para fomentar os crimes de pedofilia. É necessário que os pais consigam monitorar o tempo de tela e a idade indicativa do conteúdo. Mas isso não basta, precisamos ampliar diálogos sobre educação sexual como um todo, quebrar tabus históricos que nos afastam das consciências sociais, raciais e de gênero”, aponta a psicóloga Camila Ferreira.

Além da regulamentação das redes sociais, a psicóloga defende que um dos caminhos para prevenir e proteger as crianças e adolescentes é estreitar os laços passando tempo de qualidade ao lado delas, valorizando o aprendizado e as brincadeiras. “Este é o alicerce que vai garantir um desenvolvimento emocional e cognitivo do amanhã para todas as crianças e jovens”, assegura.

Diego Abreu indica que os pais devem aprender a utilizar ferramentas de controle parental. Muitas dessas ferramentas já estão disponíveis nos sistemas operacionais como o Android, em diversos smartphones, e iOS, dos aparelhos Apple. Nos smartphones com sistema Android há o Google Family Link, já na Apple pode-se usar o recurso de Tempo de Uso (Screen Time). 

“A função principal delas é dar aos pais mais visibilidade e poder de gestão sobre como a criança usa o aparelho. Isso envolve três pontos centrais: primeiro, restringir acesso a conteúdos que não são apropriados para determinada faixa etária; segundo, controlar o tempo de tela, estabelecendo limites diários ou horários específicos; e terceiro, monitorar atividades, como quais aplicativos foram mais usados e por quanto tempo”, afirma. Também estão disponíveis o rastreamento de localização e bloqueio de compras não autorizadas.