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Adesão do Pará à Independência mantém reflexos até hoje

Província do Grão-Pará aderiu à Independência do Brasil um ano depois em 15 de agosto de 1823

Vito Gemaque

Um dos fatos mais importantes da história do Pará foi a adesão à Independência brasileira no dia 15 de agosto de 1823, quando a elite política local foi obrigada pelo poder bélico do, com apoio de potências estrangeiras, a integrar o recém-criado Império Brasileiro, de Dom Pedro I. Esse fato histórico envolto em contradições resultaria depois na Revolução da Cabanagem (1835 – 1840).

De acordo com o professor e pesquisador da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretor do museu do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), Aldrin Figueiredo, a demora em aderir à independência de Dom Pedro não foi um fato exclusivo do Pará, mas uma realidade das elites locais do Norte e Nordeste que tinham muitos portugueses e relações estreitas com a coroa do outro lado do oceano.

“A demora à adesão da Independência do Brasil ocorreu em várias províncias em todo o território. As províncias do Norte não imediatamente aderiram a Independência do Brasil, inclusive por forças políticas ligadas a metrópoles que estavam nessas províncias. A presença portuguesa era muito forte na Bahia, no Maranhão, Pernambuco e no Pará. Havia toda uma elite vinculada aos negócios e comércios com Portugal e as relações políticas com Portugal”, explica.

O distanciamento do Rio de Janeiro, que era o centro do Brasil na época, para Belém era um dos fatores de insatisfação das elites e do povo. A disputa política interna do Brasil na década de 1820 ocorria entre os portugueses e os brasileiros, para ter o controle econômico e político das províncias tem relação direta com os processos da adesão.

Aldrin explica que quase um ano após do grito do Ipiranga, o Grão-Pará permanecia alheio à Independência do Brasil. O novo imperador, Pedro I, mandou ao Pará um militar inglês de 23 anos, John Pascoe Grenfell, com a missão de anexar essa província rebelde ao novo Império do Brasil. No porto de Belém narrou que trazia uma esquadra de 23 navios e que a adesão havia que acontecer por bem ou por mal. Grenfell omitiu que a maior parte dos navios ficara pelo caminho em combates na Bahia, Pernambuco e Maranhão.

As elites paraenses, em sua maioria, desiludidas com a velha política da metrópole acabaram por apoiar o novo imperador. O povo, no entanto, a soldadesca de baixa patente, pequenos trabalhadores lutaram contra a adesão forçada. O motim aconteceu. Grenfell foi inclemente. Cinco líderes das tropas paraenses foram presos e mortos sem direito a julgamento.

Naquele momento o arcipreste da catedral da Sé de Belém, cônego João Batista Gonçalves Campos (que seria depois considerado o mentor intelectual da Cabanagem mais de uma década depois) foi levado ao largo do Palácio do Governo e posicionado diante de um canhão para que confessasse sua participação como “cabeça” da revolta. Uma petição pública da Junta de Governo o salvou da morte. O bispo Dom Romualdo Coelho lembrava que explodir sua cabeça seria dar um mal exemplo às classes “inferiores”, especialmente os escravos africanos estavam sedentos por liberdade.

“Vários populares, negros e indígenas viram nessa Independência o desejo de liberdade ao cativeiro, da escravidão, da luta por direitos, contra os brancos, contra os portugueses. Essa ideia de liberdade e autonomia moveu esse povo em relação a Independência às causas desse novo país, mas como isso não se cumpriu, com a centralização política depois, a Cabanagem é uma resposta a tudo isso”, detalha o professor.

A punição ao movimento não terminou com as cinco execuções dos soldados. Mais de cem soldados foram conduzidos à cadeia, além de aproximadamente 300 civis suspeitos de envolvimento. Na noite de 19 de outubro, muitos presos tentaram arrombar a cadeia, e foi necessário assentar a artilharia em frente à prisão. Em consequência disso, 256 homens foram transferidos para os porões do brigue Palhaço, o menor tipo de navio de guerra na época. Em poucas horas, quase todos morreram asfixiados. Dos quatro homens que saíram vivos do porão do Brigue, apenas um caboclo conhecido por João Tapuia sobreviveu. A dor e o ressentimento dos paraenses com o episódio ficou conhecido como a tragédia do Brigue Palhaço.

“A importância da Adesão tem haver com a unidade da nação. Depois da Adesão do Pará era completa a unidade do Império Brasileiro. O País tem essa dimensão geográfica, cultural e política depois de completado esse processo. Essa região amazônica esteve à beira de se transformar em outro país. Por mais que tenha sido uma adesão forçada, violenta, com muitas mortes, o resultado dela, para os historiadores do passado, acabaram tomando para si, como uma necessidade para a formação social e política das dimensões de um país como o Brasil”, argumenta.

A adesão foi sem dúvida um dos momentos mais importantes da história paraense. Ela está diretamente ligada ao nascimento do Pará contemporâneo. Esse processo foi tão violento e inconcluso se liga a outro movimento histórico que é a Cabanagem. A revolução cabana foi uma insurgência das classes médias de Belém, pretos, indígenas e mestiços (cabanos) contra o poder da elite local ainda dominada pelos portugueses e que escravizava o povo. A Cabanagem é um grito de liberdade do povo para aquilo que a Independência não trouxe.

“A Cabanagem é um grande movimento social que resulta de uma série de descontentamentos por conta da história de colonização da própria região, do domínio português sobre comunidades indígenas e quilombolas, de exploração massiva dessa população que vivia na Amazônia”, afirma. “Essa massa indígena, negra e cabocla adere a esse processo em 1835. É um episódio que de certo modo conclui a Adesão, ou melhor a anexação do Pará ao Brasil. Ela só se conclui depois de forma violenta, com cerca de 30 mil pessoas mortas durante a Cabanagem, entre 1835 e 1840”, complementa.

Na análise do historiador, até os dias de hoje um dos problemas daquele período se mantém: o distanciamento do centro de poder brasileiro. Para Aldrin, a própria insistência em retirar a COP30 de Belém é um sintoma deste tipo de tratamento do centro do País com o Pará e os outros Estados da Amazônia. “A COP está sendo um momento para se pensar isso. Um lugar onde se discute os destinos das políticas sobre o meio ambiente do planeta e a Amazônia, mas muita gente acredita que não precisa ser na Amazônia. Daí todo esse debate sobre a situação!”, atesta.