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Defensora pública classifica postura da BBF de “completa ilegalidade”

E Ministério Público Federal diz que a Terra Indígena Turé Mariquita "está estrangulada" por plantações da empresa

Dilson Pimentel

A defensora pública do Estado do Pará Andréia Barreto, coordenadora do Núcleo das Defensorias Agrárias, classifica como “completa ilegalidade” a postura da empresa de monocultivo de palma Brasil BioFuels (BBF), chefiada por Milton Steagall, que é acusada de violar direitos de indígenas e quilombolas no nordeste do Pará. E umas das práticas é criar obstáculos físicos para impedir o acesso dessas populações aos territórios dessas comunidades.

A defensora, que também é associada da ADPEP e coordenadora da Comissão Temática de Mobilidade Urbana, Moradia e Questões Fundiárias da ANADEP, diz que há destruição de estradas, as quais constituem bem de uso comum, com violação do direito de ir e vir das comunidades. “Além disso, a empresa também usa uma espécie de barreira humana ao colocar a guarda patrimonial nessas estradas, o que tem agravado o conflito com as comunidades quilombolas”, afirmou. Ela acrescentou que a Defensoria Pública do Pará ajuizou ação contra a BBF, e o processo, em que essas situações são apontadas, tramita na Vara Agrária de Castanhal.

Em relação a essas populações tradicionais, a defensora disse que a principal denúncia é a violação do direito ao território tradicional. Segundo ela, a empresa controla áreas de terras que constituem território quilombola, com processos de regularização fundiária que tramitam no Incra e Iterpa, inclusive envolvendo terras públicas. “Todavia, há morosidade nesses processos, o que tem agravado o conflito”, afirmou. Há, também, acrescentou a defensora pública, “um reiterado processo de criminalização” das entidades que representam essas comunidades, o que acirra o conflito.

 

Atividades da BBF afetam diretamente as comunidades

Para Andréia Barreto, as atividades da BBF afetam diretamente as comunidades, desde a circulação de seus funcionários até o controle de espaços de uso comum. “As comunidades quilombolas têm suas áreas de morada, mas também o de circulação. As comunidades também denunciam interferências ambientais, que impactam a água que consomem”, afirmou. No caso da BBF, os indígenas denunciam ainda que a empresa tenta criminalizar as lutas dessas pessoas. “Usar o processo criminal em uma situação de claro conflito agrário implica em agravar o conflito, à medida que não abre espaço para tratar do real problema, que é o aspecto fundiário”, disse.

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MPF: "Terra Indígena Turé Mariquita está estrangulada por plantações da empresa"

Para o Ministério Público Federal (MPF), a Terra Indígena Turé Mariquita está estrangulada por plantações da empresa, sem uma zona de amortecimento que deveria existir de pelo menos dez quilômetros de distância entre os cultivos e a área indígena. E isso é a origem dos conflitos atuais, segundo o procurador da República Felipe Moura Palha. “Não houve licenciamento ambiental da atividade da BBF e o povo Tembé sofre graves impactos ambientais que não foram avaliados em um estudo de impacto ambiental”, afirma.

Para o MPF, deveria ter sido feito um Estudo de Impacto Ambiental e um Estudo de Impactos aos Indígenas específicos para equacionar essas questões e garantir compensação e redução dos impactos para as comunidades. O MPF, aliás, já apontou risco de violência em conflito entre BBF e comunidades indígenas e quilombolas no Pará. No começo deste mês, Felipe de Moura Palha disse que “a falha do estado do Pará no licenciamento da atividade econômica está na gênese dos conflitos” entre a empresa BBF e as comunidades indígenas e quilombolas no Pará. “Nunca houve consulta prévia, livre e informada, e não existe diálogo de boa-fé sem isso, nem sem os estudos de impactos”, afirmou.

O Ministério Público Federal participou, no último dia 1º de abril, de audiência promovida pelo ouvidor agrário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Mairton Carneiro, que preside a Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem, para tratar do conflito territorial entre a BBF e comunidades indígenas e quilombolas que foram cercadas por fazendas da empresa nos municípios de Tomé-Açu e Acará, no nordeste do estado.

Naquela ocasião, a promotora Ione Nakamura, da promotoria agrária, lembrou do processo histórico de expulsão das populações tradicionais de suas áreas de origem na região nordeste do Pará pelo avanço das empresas de agropecuária e reforçou que a origem do conflito está na reivindicação do direito aos territórios ancestrais, ocupado por empresas como a BBF.

“Os conflitos passaram a aumentar depois que a empresa instalou uma segurança patrimonial ostensiva que vem criando obstáculos ao tráfego dos moradores”, disse Ione Nakamura.

 

Resíduos da atividade de extração de dendê contaminam rios e igarapés que são fonte de água e alimentos para a região

A promotora também questionou o escoamento de resíduos da atividade de extração de dendê, contaminando rios e igarapés que são fonte de água e alimentos para a região. “A segurança alimentar também é ameaçada pelo domínio da monocultura de dendê na região, que leva muitos agricultores a deixarem seus cultivos alimentares tradicionais, como feijão ou mandioca, para venderem dendê para a empresa. É necessária uma política pública de segurança alimentar”, disse.

Um dos principais problemas apontados pelas autoridades presentes foi a existência de mais de 500 boletins de ocorrência registrados pela empresa contra os comunitários. “Não é nova a prática de multiplicar os registros de ocorrências policiais em meio a um conflito territorial. A empresa tem que entender que o fato de ter registrado mais de 500 ocorrências contra indígenas, quilombolas e outros moradores da região não ajuda na solução do conflito, na verdade piora a situação”, disse o procurador da República Felipe de Moura Palha.

“Criminalizar as lideranças tem piorado o conflito com as comunidades. Já houve três execuções e nós temos três lideranças pedindo proteção nos programas estatais por se sentirem ameaçados. A segurança patrimonial da empresa faz bloqueios sistemáticos nas estradas e nos pontos de passagem usados pelos comunitários, violando o direito fundamental de ir e vir dos moradores”, afirmou, também naquela ocasião, a defensora pública Andréia Barreto.

 

MPF entende que o tema é de competência da Justiça Federal, por se tratar de conflito envolvendo indígenas

Para o MPF, as comunidades são a parte vulnerável do conflito e seus direitos precisam ser protegidos pelo Poder Judiciário. É entendimento do MPF que o tema é de competência da Justiça Federal, não da Justiça Estadual, por se tratar de conflito envolvendo comunidades indígenas.

Na última quinta-feira (21), e revoltados com os danos sociais e ambientais causados pela BBF, indígenas invadiram a sede da empresa, no Acará, no nordeste paraense, e ônibus e equipamentos foram incendiados. As comunidades indígenas alegam que a BBF invadiu seus territórios, causando problemas sociais e ambientais.

Na oportunidade, Paratê Tembé declarou: “O que aconteceu chegou ao extremo do conflito entre seguranças da BBF e comunidades indígenas e quilombolas. A empresa insiste em perseguir lideranças indígenas e quilombolas. E, hoje, chegou ao extremo. Povo se reuniu e foi recebido à bala. E, revoltado, revidou. A situação tá muito tensa. A gente não sabe o que pode acontecer”.

Ainda segundo ele, quando as comunidades passam em frente ao polo da BBF os seguranças ameaçam atirar. "Eles já foram avisados que a comunidade indígena quer paz, não quer essa guerra. Mas os seguranças não estão nem aí. Eles procuraram o problema e acharam. O pessoal está muito revoltado. A revolta é muito grande. E a tentativa de criminalizar o movimento também é muito grande. A situação saiu do controle. A gente precisa que o Ministério Público e a Polícia Federal se façam presentes, para tentar solucionar esse problema", acrescentou, deixando claro, porém, que não participou desses atos de quinta-feira.

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