Crise na segurança impulsiona ultradireita no Chile
A criminalidade associada por muitos à imigração deu o tom da campanha
Os chilenos vão às urnas neste domingo, 16, na primeira eleição obrigatória para presidente desde 2012 - cerca de 15 milhões estão aptos a votar. Pesquisas indicam que um dos três nomes da direita deve enfrentar a governista Jeannette Jara em um provável segundo turno. A onda conservadora é impulsionada pelas crises migratória e de segurança.
A criminalidade associada por muitos à imigração deu o tom da campanha. O foco dos candidatos nesse tema se baseou principalmente na percepção da sociedade de um aumento da violência.
A pesquisa Atlas Intel, divulgada em outubro, aponta que 53,1% dos entrevistados consideram a insegurança e o narcotráfico como os principais problemas do Chile.
Já o relatório da Fundação Paz Cidadã, de setembro, mostra que 24,3% dos chilenos apresentam alto temor à insegurança. Desde 2022, esse índice está acima de 20,5%.
Percepção
Doutora em Estudos Latino-Americanos pela Universidade do Chile, Alejandra Bottinelli explica que há no país uma associação temerosa entre criminalidade e imigração. "É verdade que em certos tipos de delitos vemos uma maior participação de imigrantes, mas atribuir o crescimento da criminalidade a toda população imigrante, ilegal ou não, é uma visão distorcida. A maioria é trabalhadora e honesta", disse. Estima-se que 337 mil imigrantes vivam irregularmente no país.
Embora o Chile seja considerado um dos países mais seguros da América do Sul, atrás apenas de Argentina e Uruguai, segundo o Global Peace Index, alguns tipos de crime têm aumentado nos últimos anos.
Um relatório elaborado pelo Ministério Público chileno aponta que desde 2016 existe um crescimento nas taxas de homicídios para cada 100 mil habitantes.
Medo
Há nove anos, esse índice era de 4,2. Em 2024, chegou a 6. Um aumento de 42,8%. O documento mostra que a maioria deles é praticada por chilenos e 1 em cada 5, por estrangeiros, principalmente venezuelanos e colombianos.
Além dos sequestros, que aumentaram 27,8% entre 2022 e 2024 e apresentam um "crescimento contínuo", segundo o Ministério Público, outro crime que assusta a população é o roubo de celulares. Dados da Polícia de Investigações do Chile (PDI) apontam que 2 mil aparelhos são roubados por dia, cerca de 500 mil ao ano.
Bottinelli explica que os dois candidatos mais radicais da direita, Johanes Kaiser, do Partido Nacional Libertário, e José Antonio Kast, do Partido Republicano, recorreram ao medo como instrumento para angariar votos. "Quando discursam, os dois acabam representando a raiva dos eleitores que se sentem abandonados politicamente", afirma, lembrando que o mesmo já ocorreu em outros países da região.
Segundo analistas consultados pelo Estadão, outras razões que explicam o impulso da direita são a má avaliação do governo de Gabriel Boric e a desvinculação entre os atuais conservadores e a ditadura de Augusto Pinochet, ocorrida durante os dois mandatos de Sebastián Piñera, ex-presidente morto no ano passado em um acidente de helicóptero.
Na briga entre as distintas alas da direita está também Evelyn Matthei, da União Democrática Independente, de centro-direita. Dados do Painel Cidadão, a última pesquisa anterior às eleições, apontam que Jara, do Partido Comunista, tem 26% da preferência, seguida por Kast (21%), Kaiser e Matthei (com 14%). A disputa tem ainda o independente Franco Parisi (com 10%).
Em um provável segundo turno, previsto para 14 de dezembro, a situação que se desenha é diferente. Jara seria derrotada por qualquer um dos três candidatos da direita. Kast a venceria por 46% a 32% e Matthei por 45% a 30%. A candidata de Boric perderia por uma diferença menor com Kaiser (45% a 41%). "A direita vai se unir, não importa quem vença (no primeiro turno), e haverá transferência de votos", disse o cientista político Carlos Montecinos.
No encerramento da campanha, Kast, que perdeu apoio nas últimas pesquisas, apelou para a polarização. "Esta é a eleição entre o caos e a ordem. O desgoverno e o governo. A destruição e a prosperidade", disse. Na disputa paralela, o libertário Kaiser aparece como a maior ameaça a ele. Nas últimas semanas, o candidato ganhou fôlego e pode surpreender.
Direita, volver
Montecinos ressalta que uma combinação de fatores justifica o protagonismo dos conservadores nesta eleição. Nos últimos anos, a pauta dos direitos humanos perdeu espaço no debate público para o crescimento econômico, os gastos fiscais e a segurança. "Essas questões já eram típicas da direita e têm prioridade hoje. Durante uma corrida eleitoral, é sempre mais fácil partir daí para criticar um governo que não tem uma narrativa própria e mobiliza os eleitores, como o atual", disse Montecinos.
Um estudo da Fundação Nodo XXI, do fim de outubro, mostra que os chilenos desejam transformações rápidas e profundas. Mas as prioridades são bem diferentes daquelas de 2019, quando protestos massivos ocorreram no país.
Enquanto há seis anos a população cobrava mais igualdade, melhores salários e aposentadorias, em 2025, as demandas são por ordem pública, controle migratório e segurança. O que teria provocado esse movimento em direção ao conservadorismo? Segundo a pesquisa, teria sido a "fadiga social" após dois processos constituintes sem sucesso somada à sensação de insegurança.
Defensor da pena de morte e da ditadura de Pinochet, Kaiser se autoproclama libertário e apresenta semelhanças com o presidente argentino, Javier Milei. Ele surgiu na política em 2021, quando foi eleito deputado pelo Partido Republicano, fundado por Kast.
Mas as divergências ideológicas entre os dois e as polêmicas criadas pelo parlamentar fizeram com que Kaiser fundasse seu próprio partido, em 2024. Nas últimas semanas, ele tirou votos tanto de Kast quanto de Matthei.
"Entre os candidatos da direita, ele é o que me passa mais confiança", disse Ruben Barrios, de 44 anos, ao revelar seu voto. Coordenador administrativo de uma empresa de mineração, ele contou que votava na centro-direita, mas este ano resolveu apoiar o libertário.
Comunista
Ex-ministra de Gabriel Boric, da Frente Ampla, Jara entrou na disputa após vencer as primárias da esquerda, em junho. Além da dificuldade de desvincular sua imagem do Partido Comunista e da desconfiança em relação às suas propostas, ela também enfrenta a alta rejeição à atual gestão que, segundo a pesquisa Cadem, é de 62%.
Para o historiador Rodrigo Mayorga, da Universidade Católica do Chile, essa é uma das explicações para o fortalecimento da direita chilena nos últimos anos. Segundo ele, Boric cometeu erros que desgastaram seu governo e adotou um discurso muito mais pragmático em comparação ao que o levou ao poder.
Voto obrigatório
Desde o plebiscito constitucional de 2022, o voto voltou a ser obrigatório no Chile e, pela primeira vez desde 2012, será implementado em uma eleição para presidente.
Quem não comparecer às urnas terá de pagar uma multa que pode chegar a 104.313 pesos (cerca de R$ 534).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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