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“É preciso naturalizar a nossa existência”

Há quase 30 anos, a paraense Renata Taylor luta pelos direitos das pessoas trans e é uma das vozes da população LGBTQIA+ nos espaços de poder

Izabelle Araújo

Janeiro de 2022 ficou marcado na história da cabeleireira e ativista Renata Taylor de Azevedo Andrade. No dia 29 daquele mês, quando se comemora o Dia Nacional da Visibilidade Trans, ela se viu rodeada de autoridades internacionais e representantes de agências, fundos e programas das Nações Unidas no Brasil, marcando presença como Diretora Executiva da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) dentro de um seminário internacional sobre inclusão da população trans.

Ao sobreviver em um país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo, Renata, mulher trans de 53 anos, apresenta uma história de coragem e participação em avanços coletivos pela qualidade de vida e cidadania de pessoas como ela.

O amor e acolhimento que sempre encontrou em casa – outro fator raro dentro da realidade de grande parte da comunidade – não evitaram que ela sofresse com o preconceito, especialmente durante sua transição sexual. “Eu só conheci uma travesti com 17 anos, eu não tinha referências, não tínhamos televisão nem internet. Eu me via sozinha no mundo e carrego cicatrizes por ter apanhado na rua, simplesmente por ser quem eu sou”, relembra.

O apoio familiar foi a base da sua resistência. Mais tarde, aos 27 anos, Renata conheceu pessoas que militavam pela causa LGBTQIA+ e a convidaram para ingressar no movimento. Essa missão deu outro sentido à sua vida.

“Imaginei que talvez pudesse fazer algo para que hoje as meninas travestis e transexuais não passem por aquilo que eu passei durante muito tempo” - Renata Taylor

Existência como um ato político

O contato com o movimento LGBTQIA+ lhe rendeu oportunidades de conhecer ainda mais os desafios da comunidade e ter voz como membro de diversas entidades. Hoje ela é coordenadora do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (GRETA), e também é coordenadora da região norte do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), além de já ter passado pelos Conselhos de Segurança Pública e Diversidade do Estado do Pará e vários movimentos sociais ao longo dos anos.

Segundo ela, o principal obstáculo na vida das pessoas trans ainda é o preconceito, que está nos locais de estudo, de trabalho, nos hospitais e em muitos espaços públicos. “Quando vamos nos consultar, por exemplo, as pessoas duvidam da nossa identidade, nos tratam com estranhamento, falta empatia. É preciso naturalizar a nossa existência”, ressalta.

Mesmo diante dessa realidade, ela cita com orgulho algumas conquistas que o Pará tem no campo da inclusão, como ser o segundo estado brasileiro a dar direito ao nome social, a implantação do primeiro Ambulatório Transexualizador no Estado e da Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Homofóbicos (DCCDH). O reconhecimento do nome social nas escolas e a maior facilidade para retificar a certidão de nascimento também são avanços que aumentam a dignidade da população trans.

Outro momento especial na trajetória de Renata foi sua estreia no cinema como diretora e atriz do filme Transamazônia (2019), que acompanha as vidas de duas travestis que vivem na Rodovia Transamazônica, rodeadas por dilemas sociais, lgbtfobia e pelas dificuldades de um território esquecido. No mesmo ano, o filme foi premiado na categoria “Melhor Direção”, no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade.

Em busca de liberdade e oportunidade

A ativista recorda que, devido ao perigo da violência, as travestis e transexuais eram pejorativamente conhecidas como “seres de hábitos noturnos”. “O que me mostra que a luta está valendo a pena é quando eu posso andar na rua mais tranquilamente, quando vejo pessoas trans ingressando na universidade, na Câmara Municipal, em órgãos da gestão pública, desempenhando profissões como arquitetura, direito, serviço social, e tantas outras”, explica.

Enquanto a expectativa de vida da população trans é de menos de 35 anos (equiparável à Idade Média, quando não havia penicilina nem saneamento básico), o desejo de quem vive e luta sob a ameaça da homofobia é um futuro com menos dor. “Nosso potencial é limitado por causa do preconceito, então meu sonho é viver em um país com mais oportunidades. Quero ver as meninas tendo direito de ir e vir sem medo, tendo acesso aos banheiros públicos, à universidade, a um bom trabalho, aos espaços de poder, pois nós temos a mesma capacidade de qualquer pessoa cisgênera”, conclui Renata Taylor.

 

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