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Belém navega contra a natureza dos seus rios urbanos

Por falta de esgotamento sanitário, canais são fontes de transtornos, alagamentos e doenças

Valéria Nascimento

De que forma a paisagem natural de Belém com seus canais, igapós, ilhas e rios influenciam a vida de quem vive na cidade? Nesta edição do projeto Liberal Mobiliza, do Grupo Liberal, com apoio da Guamá Tratamento de Resíduos, você saberá um pouco mais sobre os rios urbanos de Belém.

Se por um lado esses cursos d’água representam memórias e são fonte de lazer e alimentos, também são sinônimos de transtornos traduzidos em inundações e alagamentos recorrentes na capital paraense. A oceanógrafa e diretora executiva do projeto Ame o Tucunduba, Micaela Valentim, recorda que muitas histórias da humanidade começaram próximas ao rio e grandes cidades do mundo foram formadas perto de rios, lagos e oceanos.

Micaela pontua que, afora a característica morfológica (aparência externa da matéria) do estado do Pará, os rios constituem identidades, vivências e, para muitos povos, são sagrados. Mas, o que torna, de fato, um rio urbano?

“De maneira simplificada, os rios urbanos são os que passam por processos de modificações urbanas, com a retificação de seus cursos, a impermeabilização de suas margens. Esses processos aconteceram em grandes cidades do mundo e, em Belém, resultaram na degradação desses ecossistemas; a consequência disso é que hoje eles são conhecidos como canais ou esgotos’’, explica Micaela.

ALAGAMENTOS

Doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos, unidade da Universidade de São Paulo (EECS/USP), José Almir Rodrigues Pereira informa que Belém tem 14 bacias hidrográficas e a movimentação desses cursos d’água impacta diretamente a vida de milhares de pessoas, sobretudo de quem reside em condições insalubres às margens deles, nas periferias da cidade.

“Essas pessoas são as mais impactadas pelas problemáticas do alagamento e doenças associadas a esses eventos; por isso, repensar a forma como estamos tratando os nossos rios urbanos é discutir também uma questão de saúde pública e de bem-estar do cidadão de Belém’’, observa Micaela.

Belém é uma cidade entregue às águas, e o pesquisador José Almir salienta que poucas cidades têm essa característica, no entanto, ele também destaca que a capital paraense não consegue fazer bom proveito disso, em razão do baixíssimo percentual dos serviços de esgoto, como rede coletora, estação de bombeamento, estação de tratamento e destino final. 

O especialista José Almir observa que, em Belém, só entre 6% e 8% dos domicílios utilizam a rede pública de esgoto. A população de Belém também faz uso de fossa séptica como uma alternativa para o esgotamento sanitário. Contudo, a cidade está longe de atingir o nível recomendado, no qual o esgoto produzido pela população deve ser coletado pela rede e tratado, e grande quantidade do esgoto coletado é lançada nos rios e igarapés sem tratamento adequado.

DRENAGEM

“São problemas graves e antigos’’, pontua José Almir, reiterando a urgência de o poder público elaborar os planos de drenagem e de esgotamento sanitário. “Não temos no Plano Diretor do município esse planejamento, e sem planejar o que é necessário, não se prevê recurso nem prioridade para a questão’’.

Sem priorizar o que é necessário, o que poderia ser atributo se transforma em problema em Belém, pois os cursos d’água tanto poderiam ser explorados como atrativos turísticos, como hidrovias funcionais dentro da cidade. “Do Ver-o-Peso a Outeiro, Mosqueiro e vice-versa, há potencial para o transporte de pessoas, cargas e até de veículos’’, saliente José Almir.

Jovens pesquisadores defendem recursos hídricos de Belém

Se por um lado a capital paraense se ressente da cobertura sanitária adequada, por outro, na maior acepção da frase “Faça você mesmo” cresce em vários pontos da cidade um movimento ecológico sustentável em defesa das águas que recortam a cidade. Um desses projetos é a Ame o Tucunduba, rio que virou um imenso canal e atravessa os populosos bairros do Guamá e da Terra Firme.

Diretora do projeto, a oceanógrafa Micaela Valentim conta que a iniciativa, hoje, formalizada em uma organização social e ambiental surgiu de forma independente no ano de 2016, por ação espontânea de jovens mulheres, moradoras da Região Metropolitana de Belém, incomodadas com a realidade urbana.

“A gente reconhece que os canais da cidade na verdade são rios e se comportam como rios, têm a dinâmica dos rios, mas passaram por várias interferências e hoje são canais. Nossas atividades têm a proposta de democratizar as informações e a gente vai amadurecendo esse processo. Atualmente, nós queremos provocar uma mudança na relação entre águas, pessoas e cidades a partir da educação ambiental’’, contou a jovem oceanógrafa.

O projeto Ame o Tucunduba trabalha pelos direitos socioambientais e quer ser referência em práticas sustentáveis e de mobilização social que incidam nas políticas públicas para uma nova gestão da água e da governança ambiental em Belém.

“Em quatro anos de atividades, já participamos com os nossos projetos de mais de 13 eventos nacionais e internacionais, e alcançamos 43 mil pessoas com a nossa presença digital. Realizamos 15 edições com intervenções urbanas às margens do Tucunduba, no bairro da Terra Firme, entre 2016 e 2018, o que resultou na implementação de uma horta comunitária em um espaço que antes era utilizado para o descarte de lixo. Infelizmente, a gente teve de parar as nossas ações na horta por causa das obras de macrodrenagem do Tucunduba’’.

Entre as iniciativas da Ame o Tucunduba, destaque para o curso de educação ambiental gratuito Fala Tucunduba, e a Expedição Tucunduba que já levou mais de 300 pessoas para conhecer da nascente à foz do Rio Tucunduba, projeto inclusive premiado pela embaixada da Alemanha no concurso meio ambiente. Este ano, Micaela Valentim, amigas e amigos vão iniciar um novo projeto e quem tiver interessado em saber mais pode acompanhar nas redes sociais @ameotucunduba, e o site: http://ameotucunduba.org/.

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