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O que falta para o setor da reciclagem de entulho deslanchar no Brasil?

Levi Torres

Certa vez, numa reunião com um fornecedor estrangeiro de equipamentos móveis de britagem, surgiu uma dúvida sobre o valor das máquinas.  A dificuldade desse fornecedor era vender um britador móvel com um preço muito superior ao de fornecedores nacionais.

A dúvida era exatamente o preço do equipamento. A máquina chega ao Brasil completa com tecnologia que supera os equipamentos nacionais mais sofisticados. É tecnologia do início ao fim que não consegue concorrer no mercado doméstico justamente pelo valor extremamente alto das máquinas.

Nesse ponto me veio a dúvida: por que é tão caro? A resposta é óbvia, é por ser importado. Mas por que não se produz no Brasil esses equipamentos? Porque não há demanda. E por que não há demanda? Porque o mercado já se consolidou com as máquinas nacionais.

O artigo é sobre o setor da reciclagem e resíduos no Brasil, mais precisamente sobre os obstáculos que impedem o segmento avançar ou se desenvolver. Meu questionamento sobre o preço de equipamentos mais requintados e completos é o início da descoberta de inúmeros empecilhos que travam a gestão dos resíduos da construção no país.

Nos cursos da Abrecon os alunos me questionam quanto a viabilidade do negócio em suas cidades, porém, toda resposta é relativa. Uma, por esse mercado ter uma dependência visceral com leis e decretos, e outra pela capacidade de o empreendedor conseguir transformar a realidade em sua região.

Mas o que falta para o setor deslanchar e se consolidar como fornecedor da construção e os empreendedores dessa área pararem de reclamar de vez por não receber entulho e não conseguir vender agregado reciclado? Se a prefeitura, estado e a união se comprometerem com a questão, está aí a solução para os nossos problemas.

A maioria dos municípios brasileiros não tem plano de resíduos sólidos, leis que regulamentem a gestão dos resíduos da construção e sequer conhecem o que é CTR (Controle de Transporte de Resíduos). Como que um empreendimento vai ter sucesso numa cidade se os administradores públicos não dão condições para a atividade?

Se fosse uma padaria, o negócio em si não teria tanta dependência do poder local, mas a reciclagem de resíduos da construção é uma atividade que cresce e se desenvolve por si, sem ter leis que a acompanhe. O britador móvel a qual eu me refiro é praticamente uma Ferrari, só que numa estrada de terra cheia de buraco.

O próprio Relatório Setorial Abrecon 2015 indicou uma falta de sintonia no mercado expondo uma realidade cruel e um futuro incerto para mais de trezentas plantas de reciclagem de resíduos da construção. O caso dos britadores importados é o exemplo providencial disso. O equipamento é dotado de muita tecnologia, porém, seu preço inviabiliza sua operação em solo nacional.

Outro exemplo que emperra o mercado de resíduos da construção é a resolução CONAMA nº 307, que há dezesseis anos não sofre uma reforma profunda em sua redação. Antes que alguém me critique, as alterações foram apenas quanto a classificação de resíduos e a compatibilização da redação e dos prazos com a Política Nacional de Resíduos Sólidos nº  12.305/2010. Atualmente o texto da resolução CONAMA nº 307 é a justificativa para estados e municípios criarem soluções improvisadas, como novas classificações de resíduos e até ratificar o licenciamento ambiental para o descarte irregular de entulho em voçoroca, que são erosões profundas causadas por águas subterrâneas ou desmoronamento.

Acompanho com preocupação a realidade de municípios pequenos onde as usinas fecham por inanição, sem estímulo do pode público e, em muitos casos, até por vontade do prefeito. Em cidades pequenas a situação é mais grave por a política muitas vezes depender de uma pessoa.

A reciclagem de resíduos sólidos depende de políticas públicas de incentivo e dela é imanente o seu desenvolvimento, assim como seus benefícios, como geração de emprego e renda, redução do custo de destinação dos resíduos em aterros sanitários e limpeza e varrição de ruas.

E se tivéssemos como prioridade nos municípios a educação, saúde e saneamento básico? Será que alguém faria conta para estancar os gastos milionários com a gestão dos resíduos?

Estou certo que o problema não está apenas na lacuna do poder público, mas também num certo momento em usinas sem compromisso com a causa, fornecedores de equipamentos sem a mínima noção do que é reciclagem de entulho e profissionais alheios ao movimento ambientalista. O que só atrapalha e enfraquece a ideia da sustentabilidade na construção.

Somos reféns de um poder público ausente e negligente.

Levi Torres é coordenador da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon)

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