Em Marabá, projeto aborda segurança com comunidades vizinhas à ferrovia
Jovens do bairro Quilômetro 7 foram convidados a viajar no trem de passageiros para conhecer os riscos e cuidados necessários para uma convivência segura com os trilhos
Para falar de segurança no trânsito para a população marabaense é necessário considerar algumas peculiaridades que permeiam o cotidiano na cidade. Isto porque Marabá está entre os quatro municípios do território paraense por onde passa a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a relação de intimidade das comunidades vizinhas com a ferrovia atravessa gerações.
Pensando nessa proximidade, o projeto “Olha o trem”, desenvolvido pela operadora da EFC, convida moradores de comunidades vizinhas à ferrovia para uma experiência imersiva e que, para muitos, é uma novidade. Nessa iniciativa, os participantes experimentam a sensação de serem passageiros do trem e recebem informações importantes sobre a convivência com a ferrovia.
A reportagem de O Liberal acompanhou um grupo de 25 alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Inácio de Souza Moita, situada no Quilômetro 7, um dos bairros mais próximos da EFC. A maior parte dos estudantes convive desde a primeira infância com o som das locomotivas e o apito do trem, uma coexistência que influencia de forma direta na maneira como as comunidades se desenvolvem. Nidoval Cardoso é maquinista e se considera experiente em situações inusitadas e até arriscadas durante o desempenho do trabalho nas locomotivas.
“O que a gente vê muito é criança colocando pedras nos trilhos, pedaços de madeira, obstáculos diversos ou até apedrejando o trem. E isso pode prejudicar a nossa operação e até a nós que estamos trabalhando também. Até a própria criança, já que uma dessas pedras pode voltar e bater em quem jogou”, explica o maquinista. “Tem muitos riscos, mas o principal é o risco à saúde e integridade da comunidade ao se expor ao trem, acessar a linha férrea, crianças que brincam próximo a ferrovia. Alguns trens que nós operamos pesam cerca de 34 mil toneladas. É muito pesado! Então esse peso todo a uma velocidade de 80 quilômetros por hora, uma vez acionado o freio em caso de emergência, ainda leva cerca de três quilômetros para o trem parar completamente”.
A ideia de trabalhar a segurança ferroviária com jovens das comunidades influenciadas pela Estrada de Ferro Carajás tem como objetivo fazer desses meninos e meninas multiplicadores de informações sobre o convívio com o trem. Para isso, o grupo fez um percurso de aproximadamente duas horas no trem, até São Pedro da Água Branca (MA). O caminho foi cheio de atividades recreativas e lúdicas, com jogos de memória e perguntas e repostas, recheados de informações de segurança. “A gente puxa muito para esse lado, especialmente, com as crianças, com os alunos que são de escolas muito próximas à linha [férrea]. Para que eles tenham um relacionamento seguro na ferrovia já desde cedo. Então, faz essa abordagem porque é um tema importante não só para o trem de passageiros, mas também para a comunidade. Não brincar próximo a linha, atravessar de forma segura, questões que são do dia-a-dia deles, mas que para nós também são muito sensíveis”, justifica Alex Rosário, analista operacional do trem de passageiros, explicando que o trem tem um vagão social, adaptado para receber os públicos do projeto.
Em Marabá, há vários bairros vizinhos à Estrada de Ferro Carajás (Jhone Freires)Entre os estudantes, o clima era de expectativa e diversão. Para muitos, essa foi a primeira vez dentro de um veículo que eles veem pela janela de casa tantas vezes por dia. “Eu moro perto da passarela da ferrovia. Quando eu voltava com minha mãe do trabalho dela, a gente passava pela passarela e sempre via o trem cargueiro ou o trem de passageiros. Minha mãe falava 'ó, Luiza, vamos ver o trem de passageiros que um dia pode ser a gente'. A gente nunca teve a oportunidade de viajar de trem, mas minha mãe sempre quis”, conta emocionada Carla Luiza Gomes de Souza, aluna do 9º ano. “No dia que eu fui chamada para vir fazer essa viagem pela escola, eu perguntei se eu podia vir, e ela disse que sim, que se ela não poderia realizar esse sonho agora, eu ia poder. Quando chamaram meu nome, eu nem acreditei. Foi uma viagem que vai ficar marcada na minha vida”.
Já o aluno do 8º ano Rafael Neves dos Santos conta que chegou a viajar pela ferrovia, mas quando ainda era um bebê e não tem lembranças dessa experiência. Agora, ele espera viajar mais vezes pelo trem que antes só via de longe. “Lá da minha rua, dá para ver o trem passando. Até mesmo da escola, dá para escutar o trem e ver ele pela janela. E eu acho incrível ver como ele passa com cargas enormes”, relata o estudante que afirma que já teve pessoas próximas a família vítimas de acidentes na linha férrea. “Desde pequeno, eu nunca tive esse hábito de brincar [perto do trem] porque a minha mãe sabia do perigo, ela já tinha me alertado. Inclusive, duas amigas da minha mãe já sofreram acidentes. Uma perdeu a perna e a outra não conseguiu sobreviver. Então eu já tinha consciência de que o trem é perigoso”.
Sobre a EFC
A Estrada de Ferro Carajás foi inaugurada em fevereiro de 1985 e, com 892 quilômetros de extensão, liga a mina de Carajás, em Parauapebas (PA), ao porto de Ponta da Madeira, em São Luís (PA). O trem de passageiros entrou em operação em 1986 e, atualmente, tem capacidade de transporte de uma média de 1.200 passageiros diariamente. A concessão de operação é da mineradora Vale. Em algumas regiões, as passagens de trem custam até 40% mais baratas em relação às rodoviárias. Além da EFC, apenas a Estrada de Ferro Vitória a Minas mantém trens de transporte regular de passageiros.