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Marajó: um desafio socioeconômico de proporções amazônicas

População de mais de meio milhão de pessoas vive nova expectativa de investimentos públicos e privados para desenvolver, com emprego e sustentabilidade, uma região de quase 50 mil km² marcada ainda pela pobreza e desigualdade

O Liberal

Casas de madeira coloridas, pequenas embarcações, imagens de praias exuberantes, búfalos, florestas e campos abertos e prontos para investimentos do setor produtivo. A imagem que remete ao arquipélago do Marajó, na Amazônia Legal Brasileira, está reproduzida à uma distância de cerca de 11,5 mil quilômetros. A rica Dubai, capital dos Emirados Árabes Unidos, recebe nesta semana um pedacinho do Marajó, uma das regiões que representam bem o desafio de desenvolver a Amazônia, gerando emprego e renda para a população, sem abrir mão da necessária e constante busca pela sustentabilidade.

Durante a Expo Dubai, evento que reúne investidores do mundo todo e onde países em desenvolvimento apresentam oportunidades de negócios para atração de novas iniciativas, o Brasil resolveu apostar justamente no Marajó. Uma parte do Pavilhão Brasil ganhou uma área destinada exclusivamente para o arquipélago, reforçando a expectativa de garantir aporte de recursos internacionais, com geração de novos negócios para a região. O Marajó, famoso por suas lendas e “encantarias”, é agora "abraçado" oficialmente em um evento internacional pelo país. Mais do que encantar com as imagens, sons e sabores (até um coquetel com a culinária típica da região foi oferecido aos empresários estrangeiros), o governo federal aposta alto para que a ação gere mais que boas fotos e apertos de mãos: o que se busca é apoio ao programa “Abrace o Marajó”, através de novos empreendimentos internacionais que possam gerar emprego, renda e, de fato, começar a mudar um cenário marcado pela miséria e pobreza há décadas.

O arquipélago do Marajó, localizado na porção norte da Amazônia legal brasileira, é uma síntese do desafio de superar a pobreza da população que vive na região. Por diferentes recortes, é fácil constatar o quanto os 16 municípios marajoaras carecem de fato de um abraço, sobretudo de investimentos privados e especialmente públicos, em logística, infraestrutura e condições para gerar seu próprio desenvolvimento.

PIB per capita do Marajó é três vezes menor que o nacional

Um dos indicadores utilizados na macroeconomia para classificar a riqueza ou pobreza de uma região é o PIB per capita. Ainda que possa ser questionado, por não representar fielmente o retrato de uma região e suas desigualdades sociais, o dado consolidado do Produto Interno Bruto (PIB) é ainda um importante indicador macroeconômico bastante utilizado. 

 

(Tarso Sarraf / O Liberal)

 

De forma resumida, o PIB representa a riqueza, ou seja, a soma dos bens, investimentos públicos e privados e serviços produzidos por determinada localidade geográfica num período consolidado. 

Na mesma linha de raciocínio, o PIB per capita (ou por pessoa) aponta a soma total do PIB dividida pela população, sendo um indicador que permite um retrato mais qualificado do quanto uma região pode ser economicamente "rica" ou pobre".

“No Brasil e fora tem muita gente que não entende ainda. ‘Que discriminação é essa que não pode ser Marajó?’, ‘É para continuar um território esquecido abandonado?'" - Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MFDH).

De acordo com dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, o PIB per capita médio brasileiro ficou em R$ 31,8 mil. Já a média da Amazônia Legal Brasileira, composta por nove estados, soma um PIB de R$ 623,1 milhões, resultando em um PIB per capita de R$ 21,7 mil naquele ano.

(Tarso Sarraf / O Liberal)

Quando o recorte é feito para o arquipélago do Marajó, somando os 16 municípios que compõem a região, os números caem drasticamente. A região possui PIB per capita de apenas R$ 8,3 mil por ano, que no ano representa cerca de R$ 700 reais por mês para cada cidadão do Marajó.

Para demonstrar ainda mais a situação, basta observar ainda os mesmos dados do PIB de 2018, do IBGE. Entre as 27 Unidades da Federação do país, o Pará ocupava apenas a 20ª colocação em relação ao PIB per capita. Se a região do Marajó fosse um Estado, estaria em último lugar, bem abaixo do Maranhão, na 27ª colocação, com PIB per capita de R$13,9 mil.

Também por conta do impacto da economia, os índices sociais do arquipélago estão entre os mais baixos do país. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (Pnud), em 2010 - baseado no último Censo realizado no país - dos 50 piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) do Brasil, oito estão no Marajó, sendo que Melgaço (0,41) ficou em última posição no ranking nacional.

Aliás, todos os 16 municípios possuem IDHM abaixo da média nacional, que é de 0,72. O mais baixo é Melgaço (0,41), seguido por Chaves (0,453). O mais alto, entre os municípios marajoaras, é Soure, com 0,61, ainda abaxo da média nacional e da própria média estadual, que é de 0,64. Não por acaso, Soure é o município - em conjunto com Salvaterra - que atrai boa parte dos turistas que visitam a região e possui melhor infraestrutura de logística de transporte.

Os indicadores de saúde também apontam a grave desigualdade do Marajó com o restante do país - e números ruins mesmo em relação à Amazônia, que possui graves indicadores sociais. A mortalidade infantil na região é de 15,4 por mil nascidos vivos, enquanto que no país esse índice médio fica em 12,8. Em relação a leitos por mil habitantes, dados do Ministério da Saúde revelam que a região possui índice inferior a um a cada mil habitantes (0,8), enquanto a média nacional é de 2 por mil habitantes. Por fim, números do Sistema Único de Saúde (SUS) reforçam a desigualdade: de acordo com dados de 2019, a despesa total de saúde por habitante no país foi de R$ 816,9 em média. No Marajó, esse valor cai para R$ 386,6.

Na educação, um levantamento do Ministério da Educação é alarmante: apenas Salvaterra (9%) possui índice de analfabetismo menor que a média nacional, que é de 9,4%. Todos os demais municípios possuem índice de analfabetismo maior, com destaque negativo para Melgaço, com 38,5% de taxa de analfabetismo entre a população.

Programa reúne iniciativas para superar desafios

Em recente entrevista ao Grupo Liberal, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MFDH), Damares Alves, reforçou o empenho que a pasta do governo federal tem dado ao programa “Abrace o Marajó”, que reúne cerca de 140 ações de diferentes áreas para combater a pobreza na região e atrair investimentos para geração de empregos. “No Brasil e fora tem muita gente que não entende ainda. Eu falo dele no País inteiro. A gente está apresentando o programa em outros países. As pessoas perguntam ‘Por que o Marajó?’, ‘Por que vocês escolheram o Marajó?’ A minha resposta é ‘Por que não o Marajó?’, ‘Que discriminação é essa que não pode ser Marajó?’, ‘É para continuar um território esquecido abandonado?’. Mas a gente teve alguns elementos que levaram o governo do presidente Bolsonaro a escolher o território como um experimento de uma nova gestão de políticas públicas”, disse.

(Willian Meira)

Segundo a ministra, esse é o esforço atual ao apresentar o programa em grandes eventos internacionais, como a Expo Dubai. “Nós queremos provar que temos políticas públicas coordenadas e com gestão transparente, com governança. E lá temos o menor IDH do Brasil, representado pela cidade de Melgaço. Escolhemos um território esquecido e muita gente dizia assim: mas é muito difícil fazer qualquer coisa lá”, afirmou. Para ela, esse tipo de comentário está atrelado à realidade de uma logística difícil para o desenvolvimento da região e que, justamente por isso, precisa ser enfrentado. É nessa linha de raciocínio que o programa acabou incluindo projetos de infraestrutura, como uma malha rodoviária para interligar o arquipélago ao continente. “Esse foi o ponto que mais nos desafiou. Porque se der certo num lugar tão difícil, vai dar certo em qualquer lugar do Brasil. Por isso foi o território escolhido”, revela Damares.

Marajó para o mundo

Na Expo Marajó, um portfólio com oito projetos a serem executados na região serão fomentados na exposição com o objetivo de atrair investimentos. A estimativa é de que, juntos, possam receber cerca de R$ 15 milhões em recursos – que seriam voltados para a organização e fortalecimento da cadeia produtiva de açaí, da criação de búfalos, no apoio a criação de animais pelos povos e comunidades tradicionais e na produção de alimentos, na geração de energia verde (eólica), no combate à desnutrição infantil e no cultivo de peixes.

(Divulgação / Apex Brasil)

A iniciativa e realização é do governo federal, por meio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), numa ação parceira com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), Federação da Indústria do Estado do Pará (Fiepa) e Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Pará (Fecomércio-PA).

Durante os dias de evento, a exposição conta com momentos de apresentações culturais, dos sabores marajoaras (queijo de búfala, açaí, entre outros produtos agroecológicos), exposição fotográfica, além de debates sobre as ações que estão sendo realizadas no local pelo Programa Abrace o Marajó.

Além disso, em encontros de oportunidades, estão sendo apresentados projetos que visam melhorar a infraestrutura local, como o projeto do Anel Rodo-Hidroviário e da Ponte Marajó (Belém-Marajó Macapá-Oiapoque), que será um grande vetor de desenvolvimento regional e expansão social e econômica da região.

Rota do Desenvolvimento

Com ligação das cidades de Barcarena-Ponta das Pedras até o município de Afuá, a rodovia terá 295 quilômetros de extensão e objetiva a conexão do arquipélago com o resto do País por via terrestre. Será a principal obra de infraestrutura apresentada em Dubai.

De repente todo o mundo se voltou ao Marajó, que é uma ilha linda e maravilhosa, mas que está parada no tempo" - Liana Pires Teixeira, produtora rural de Soure.

A ideia dessa ligação rodoviária já tem sido trabalhada pelo setor produtivo paraense, mas esbarrado nos recursos necessários. O projeto agora foi incluído nas iniciativas do governo federal para a região, após apresentação da proposta pela Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa).

“Hoje, temos o menor IDH do país nesta região e isso me dá uma profunda angústia. Estamos aproveitando este momento em que o governo federal vem tendo um olhar especial ao Marajó e o governo do estado também, já que baixou um decreto dando um tratamento tributário diferenciado a quem se estabelecer na região. Então, as entidades empresariais se juntaram, no sentido de provocar o nosso desenvolvimento”, destaca o presidente da Faepa, Carlos Xavier.

(Tarso Sarraf / O Liberal)

Turismo e qualificação

Para fortalecer o turismo no arquipélago, o governo federal vai apresentar duas iniciativas que visam à qualificação das praias da região. O primeiro deles é a implantação, na Orla do Paracauari (Salvaterra), de estruturas integradas para a movimentação da bioeconomia local, turismo, negócios e lazer, agregando valor e trazendo emprego e renda. A iniciativa está orçada em R$ 10 milhões.

A estruturação e a qualificação das praias no Marajó também serão pauta das reuniões. A proposta é desenvolver modelos de praias estruturadas considerando as diretrizes do Programa Bandeira Azul, do Ministério do Turismo, que estabelece padrões de sustentabilidade socioambiental e melhorias na oferta e na qualidade dos serviços, contribuindo para o aumento da competitividade da praia enquanto produto turístico. O projeto prevê o investimento de R$ 1 milhão.

Produção valiosa

Dos diversos produtos ofertados pelo Marajó, Carlos Xavier, aponta que a maior demanda hoje é pelo queijo de búfala pela comunidade europeia. Ele destaca também a carne de búfalo, que tem uma série de atributos que fazem com quem ela seja mais valorizada do que a bovina. “Outro item é o pirarucu do Marajó, mas temos ainda áreas para irrigação do arroz, cerâmica marajoara e turismo. Na hora que nós mostrarmos essa potencialidade ao mundo, não teremos dificuldade para investimentos”, acredita a liderança.

(Tarso Sarraf / O Liberal)

A produtora rural de Soure, Liana Pires Teixeira, 64, atua na pecuária de corte e cavalos, e agradece o que chama de “encantamento” da ministra Damares Alves pelo Marajó, mas também faz críticas aos governos pelos problemas históricos vividos pela região. “De repente todo o mundo se voltou ao Marajó, que é uma ilha linda e maravilhosa, mas que está parada no tempo. Essa mudança depende de nós, produtores, e da vontade do Estado para tirar a ilha e seus municípios da idade da pedra e jogá-la no século 21, porque ninguém faz isso sem incentivo. Se você for fazer com seu próprio dinheiro, fará a passos de cagados”, afirma.

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