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Marajó: desafios ao paraíso na Amazônia

O turismo e a criação de búfalos ajudam populações de um dos maiores arquipélagos do mundo a gerar riqueza e enfrentar desafios sociais históricos

Cleo Soares e Daleth Oliveira / O Liberal

Belezas naturais e paisagens paradisíacas. É assim que o arquipélago do Marajó, o conjunto da maior ilha fluviomarítima do mundo, cercado por águas de rios e do mar, é conhecido por turistas do mundo inteiro. Mas, para além das praias oceânicas, rios, boa culinária e da riqueza do artesanato marajoara, a região apresenta profundos contrastes dentro da Amazônia brasileira. A região do Marajó é uma das áreas mais pobres do Estado do Pará e do Brasil, com quase 200 mil habitantes. E a maior parte delas vive em situação de extrema pobreza, com alguns dos mais baixos desempenhos nos números do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para o País.

 

O IDH geral mais atualizado de todos os 5.570 municípios do Brasil mostra que as últimas 13 posições do ranking brasileiro estão preenchidas por municípios da Amazônia. Cinco deles são do Pará, e todos localizados especificamente na região do Marajó: Melgaço, com o menor IDH do Brasil, e ainda Portel, Anajás, Curralinho, Chaves e Bagre.

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IDH marajoara entre metas do governo federal

O Plano de Ação do Programa Abrace o Marajó prevê ações do governo federal para a região entre 2020 e 2023. Ele firmou compromissos e metas para geração de empregos e melhoria de índices sociais no arquipélago. Esse tem sido o mote de reuniões com lideranças locais em viagens à região, feitas pela ministra Damares Alves, titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

Damares coordena as ações do programa. A meta é ter um guia para o desenvolvimento contra a vulnerabilidade social no Marajó, com ações em infraestrutura, desenvolvimento produtivo (focado em produtos regionais, verticalização da produção, melhoria no ambiente de negócios e abertura de mercados) e desenvolvimento institucional para gestão e governança em políticas públicas.

Em visita a Soure entre dia 1º e 3 de julho, Damares Alves participou da distribuição de 430 cestas básicas e mil kits de higiene a escolas públicas do Marajó. Também conheceu o Instituto Caruanas do Marajó Cultura e Ecologia, entidade de educação socioambiental mantida pela pajé Zeneida Lima. Elas caminharam de mãos dadas durante toda a visita.

"Zeneida é um ícone para o Brasil, uma inspiração, e esse instituto aqui é um exemplo", disse Damares, citando a importância da educação de qualidade no trabalho junto a crianças vulneráveis no Marajó. "Um exemplo de amar a terra, respeitar a natureza, mas ao mesmo tempo ter contato com o mundo. Essa integração terra, água, cultura, dignidade humana, é demais".

image Zeneida Lima (Sidney Oliveira / O Liberal)

Em contrapartida, todas as riquezas da região são também um trunfo para atividades econômicas como o turismo, que é uma aposta primordial para fomentar a economia e desenvolver os municípios do Marajó. E apesar da retração da procura por turistas, por conta da pandemia da covid-19, o avanço da vacinação cria expectativas para que a demanda volte a aumentar.

Apesar de fazerem parte de um mesmo arquipélago, as 16 cidades marajoaras têm belezas e atrativos distintos. Por conta disso, a região turística do Marajó é dividida em duas grandes sub-regiões: a Região dos Campos do Marajó e a Região de Florestas do Marajó. A primeira possui praias oceânicas e de rios de águas turvas, áreas de campos abertos e mangues. Na segunda figuram praias de rios de águas doce, igarapés, cachoeiras e florestas. Ambas com atrativos, culturas e paisagens únicos.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

Na região das florestas, formada por Portel, Breves, Melgaço, Bagre, Anajás, Curralinho, São Sebastião da Boa Vista, Afuá, Muaná, Chaves e Gurupá, o turismo de experiência em comunidades tradicionais é bastante explorado. “Aqui, o turista consegue passar alguns dias convivendo com os modos de vida do marajoara, acompanhando a produção da farinha, o pescado, se aprofundando na cultura local”, detalha Marlison Alexandre, turismólogo de Portel que atua na Região de Florestas do Marajó.

“Após esse período pandêmico, devemos receber mais pessoas em nossos municípios. Em hospedagem, infraestrutura, atrativos turísticos e mobilidade, temos melhorado bastante” - Michael Assis, turismólogo.

Além desse turismo de base comunitária, Marlison lembra de outra frente bastante procurada, que é a de sol e praia com águas mais claras e calmas. “A região de florestas tem igarapés, ilhas, praias e enseadas, atrações naturais para quem gosta de curtir a natureza”, destaca. E o turismo de esportes radicais nas águas também vem ganhando espaço. “Como as nossas águas são claras, tudo é bastante propício para a prática de esportes náuticos. Já fizemos um evento AquaFest, com corrida de motos aquáticas, natação, corrida de caiaques e canoas e wakeboard, entre outras”.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

Belezas dos campos marajoaras

Na região dos campos composta pelos municípios de Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari e Ponta de Pedras, o turismo de sol e praia é o mais procurado por turistas e banhistas. Porém, diz Michael Assis, turismólogo que atua nessa porção do Marajó, o potencial turístico não se limita à exploração das praias. “Ainda que nossas praias sejam belas e encantadoras, com águas de rio, com ondas, banhadas pelo oceano Atlântico, também temos turismo de experiência com a comunidade marajoara, além da culinária e cultura bubalina”.

Ele ressalta que a região tem se preparado para receber esse volume maior de visitantes. “Após esse período pandêmico, devemos receber mais pessoas em nossos municípios. Em hospedagem, infraestrutura, atrativos turísticos e mobilidade, temos melhorado bastante, por meio da iniciativa pública e privada”.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

De fato, por essa diversidade, o potencial turístico do Marajó é ilimitado, na visão do secretário estadual de Turismo do Pará, André Dias. “O Marajó tem potencial infinito para o turismo, tanto na região dos campos, com uma beleza natural, fauna e flora riquíssimas; quanto na área de florestas, que tem outro bioma, com outras possibilidades e atrativos turísticos. Uma com praias de rios, outra com praias de mar, tudo isso somado à beleza natural, exuberância de fauna e a cultura do povo marajoara, que possui conhecimentos ancestrais, artesanato riquíssimo e uma gastronomia que é extraordinária”.

Viagem à Amazônia oceânica

Álvaro Navarro é um exemplo de turista que se encantou pela região. Ele veio do Mato Grosso para conhecer Soure, e se declarou apaixonado pelas praias do Pesqueiro e da Barra Velha, famosas no município.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

“Estou amando o Marajó. A região é linda, as praias são muito sossegadas e a culinária é espetacular. Desde já estou convidando meus amigos de fora para conhecer a região”, diz Navarro.

A secretária de turismo do município, Heloísa Martins destaca a importância de Soure para o desenvolvimento da região. “Nós temos praias belíssimas e somos muito bem servidos de belezas naturais, uma cultura regional forte com o carimbó, cerâmica, búfalos, além de uma culinária riquíssima. E aqui, o búfalo brilha em tudo. O prato mais pedido é o filé de búfalo com queijo do Marajó, produzido com leite de búfala. Fora que os nossos policiais andam de búfalo na cidade. Tudo isso é atração e gera emprego e renda”, afirma.

Fomentos impulsionam artesanato

O artesanato característico do arquipélago também atrai turistas de todos os lugares. Isso porque o Marajó foi o berço de uma das civilizações mais desenvolvidas da pré-história amazônica, a sociedade marajoara, responsável por uma singular produção ceramista, de grande valor arqueológico e que é produzida até hoje, com um poderoso mercado e gerando renda para a comunidade.

Foi assim que Alessandro Pinheiro, hoje com 32 anos, saiu de uma situação de desemprego em 2013 para, seis anos depois, se tornar um dos artesãos mais produtivos do arquipélago, com participações em mais de onze feiras de negócios.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

A trajetória dele começou a mudar quando se inseriu, em 2013, em um projeto apoiado pela prefeitura de Salvaterra, município de Alessandro. Usando sua arte para fazer búfalos em cerâmica, ele conseguiu um lugar para trabalhar no espaço coletivo Casa do Artesão de Salvaterra. E em 2017, seu trabalho foi alavancado pelo apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Marajó. Lá, a entidade atua com vários parceiros e tem duas agências de negócios, uma na chamada Região Oriental, com sede em Soure; e outra no Marajó Ocidental, com sede em Breves. Assim, o Sebrae consegue abraçar todos os municípios do arquipélago oferecendo capacitação técnica a empreendedores e articulando ambientes favoráveis a pequenos negócios.

“Acreditamos que fomentar o empreendedorismo é uma das principais vias para desenvolver a economia do Marajó e, consequentemente, melhorar a vida do marajoara. Atuamos na região há muitos anos, em diversos segmentos, como turismo, artesanato, fomento às compras públicas de pequenos negócios, na cadeia da bubalinocultura e no varejo, entre outros”, destaca o diretor-superintendente do Sebrae no Pará, Rubens Magno.

Ele celebra também a conquista do Certificado de Indicação Geográfica do Queijo do Marajó, resultado de um trabalho do governo estadual, Sebrae e instituições parceiras, iniciado em 2012. “Quando há intervenção no empreendedorismo, isso rebate em todas as áreas da sociedade. É bem mais que ajudar o marajoara a empreender ou entender a atividade que já realiza como um negócio e desenvolvê-la. É pensar em rede. Por isso o Sebrae nunca está sozinho, mas com vários parceiros”, ressalta Rubens.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

Para Alessandro, sua própria história é a prova de que dá certo. “Em 2017 entrei no Sebrae, abri minha empresa como MEI [sigla para a categoria brasileira de microempreendedor individual], participei de várias consultorias. Como resultado, um ano depois, em 2018, já tinha participado de mais de onze eventos no Pará e outros estados, como São Paulo e Brasília. Mas minha vida mudou logo depois da primeira feira, porque só com as vendas dela eu comprei minha moto e isso facilitou muito meu transporte para ações de trabalho. Antes eu fazia de bicicleta”, conta ele. 

Em 2019, Alessandro comprou um terreno para construir sua própria oficina. Assim, já gera um emprego direto e ainda fortalece a cadeia produtiva de Abaetetuba, no Nordeste do Pará, de onde compra as embalagens da fibra de miriti para vender suas cerâmicas.

No Marajó, o Sebrae atua ainda com compras públicas, de vendas de produtos e oferta de serviços de empreendedores de pequenos negócios para as prefeituras, com destaque para itens da merenda escolar. No Projeto Sebrae pelo Turismo, ainda fomenta negócios que fazem parte da cadeia econômica do artesanato e do turismo, em vários segmentos, como meios de hospedagem, transporte e restaurantes, entre outros projetos. Só no ano passado, essas ações capacitaram mais de 200 famílias ribeirinhas na região.

Ouro preto e ouro branco: do búfalo ao queijo

O Marajó é uma das mais importantes regiões de produção extrativista, frutífera e pesqueira do Pará e da Amazônia, com destaque para a sua grande produção pecuária bovina e bubalina e seus derivados, o leite, o queijo e o couro. Essa atividade, instalada ainda no período colonial do Brasil, se mantém até hoje como uma das mais importantes para a economia do arquipélago. É algo que foi coroado, em março deste ano, pela conquista da certificação de Indicação Geográfica (IG), reconhecida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), para o queijo do Marajó, fabricado com o leite de búfalas.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

 

“O queijo do Marajó, merecidamente, vem se destacando cada vez mais no cenário nacional, segundo observou o secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), Lucas Vieira, citando que além do IG, somente nos dois últimos anos, o produto obteve duas conquistas: o chamado Selo Arte e a indicação geográfica. Com o reconhecimento do Selo Arte, o queijo marajoara é identificado como um produto artesanal tradicional brasileiro – o que permite comercialização em todo o País.

través dessas certificações o queijo do Marajó passa a ter o reconhecimento oficial de não existe outro no mundo. “É uma grande ferramenta para o queijo ganhar expressividade em novos mercados em nível nacional, criando novos canais de vendas, valorizando o produto no mercado nacional”, ressalta Vieira. Essa indicação beneficia a cadeia produtiva do queijo do Marajó, situada nos municípios de Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Soure. 

Para Heloísa Martins, a conquista fez com que o trabalho dos produtores fosse valorizado, e contribui para o turismo na região. “Foi muito importante porque o IG do Queijo nos deu identidade. Com isso, somos valorizados. Agora o verdadeiro queijo só pode ser fabricado nos nossos municípios, fomentando a economia local e o turismo, criando a ‘Rota do Queijo’, que inicia em Cachoeira do Arari e termina em Salvaterra. Nós ganhamos não apenas a identidade, mas também o desenvolvimento da região do Marajó”, avalia.

Gabriela Gouvêa, presidente da Associação dos Produtores de Leite e Queijo do Marajó, diz que a região está vivenciando um momento histórico com potencial de alavancar o seu desenvolvimento. “Já tivemos vários marcos da produção do queijo do Marajó, desde a introdução do búfalo na região, lá na década de 1930, depois com a legalização do queijo do Marajó como um produto artesanal no Pará. E agora, o reconhecimento da Indicação Geográfica é um instrumento legal que nos assegura o saber fazer”. 

"Na bubalinocultura, temos a maior pecuária do Brasil em búfalos, em quantidade e qualidade" - Ribamar Marques, coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Búfalos com Inovação para o Estado do Pará (Promebull).

O queijo é tradição de família de Gabriela, filha de Carlos Augusto, mais conhecido como Tonga, dono da Fazenda Mironga, uma das mais antigas da região. Ele já é o quinto da geração familiar a seguir na cadeia do queijo, e tem planos para o futuro. “Nós defendemos que o turismo pedagógico, cultural, seja grande na nossa região. Pretendemos implementar um centro de estudo da bubalinocultura e, quem sabe no futuro, termos a primeira faculdade de búfalo do mundo. Porque esta região tem um potencial muito grande com desenvolvimento da produção de búfalo”, ressalta. Para Gabriela, essa é uma forma de empregar a população local e evitar que a mão de obra fuja para outras regiões.

Para assegurar a qualidade da cadeia produtiva do queijo, os produtores atuam em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A atuação da entidade tem foco em tecnologias para o melhoramento genético dos animais, aliado às boas práticas em sanidade e alimentação.

Segundo a Embrapa, o Pará possui o maior rebanho bubalino do país, com cerca de 520 mil cabeças, o que representa quase 40% do rebanho nacional. Dessa contingência, apenas cerca de 5 mil animais do Marajó são dedicados à produção de leite, com produtividade média de 5 quilos ao dia por animal. Quase 100% dessa produção é destinada aos queijos.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

O pesquisador Ribamar Marques, coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Búfalos com Inovação para o Estado do Pará (Promebull), explica que, para aumentar essa produtividade, a Embrapa executa o programa que se tornou política pública, em 2019, por meio de parceria com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) e a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa).

“O melhoramento genético aumenta a produção de leite e, consequentemente, aumenta a produção de queijo do Marajó, o que significa emprego e renda na região. O Pará tem o maior 4º rebanho do Brasil, mas não tem a quarta melhor qualidade. Quando falamos do rebanho bubalino, a situação é outra. Na bubalinocultura, temos a maior pecuária do Brasil em búfalos, em quantidade e qualidade. Logo, se vê a importância de investir no melhoramento da cadeia produtiva do búfalo”, explica Marques.

Queijo: uma tradição do sabor marajoara

O queijo é atração da culinária local. No café, no lanche, almoço e jantar, ele sempre está presente. Segundo Maria do Socorro, comerciante há mais de 26 anos no centro comercial de Soure, ele é o mais pedido em sua banca. “O queijo do Marajó é o maior atrativo. Geralmente os turistas pedem o pão ou tapioquinha com o queijo marajoara. É com isso que sustento a família”.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

Quem aprovou a especiaria foi Rosemary Ripardo, que saiu de Icoaraci, distrito de Belém, para conhecer os encantos do Marajó. Comendo o pão com queijo de búfala, ela conta o que mais a atrai para a região. "O principal atrativo são as praias, a cultura e a culinária marajoara e as pessoas, que são muito receptivas e comunicativas”.

O advogado capixaba Fernando Provete, veio do Espírito Santo para o Marajó com a namorada e aproveitou para conhecer de perto a produção do queijo na fazenda do senhor Tonga. “Viemos visitar a ilha do Marajó e aqui, na fazenda, estamos tendo essa experiência, conhecendo sabores e vivências marajoaras. Foi interessante conhecer a produção, do início ao fim. É totalmente diferente do que já degustei em outros lugares. Provei queijo e me apaixonei”, sorri.

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