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Exportação de açaí cresce quase 15.000% em dez anos

Conquista de novos mercados e “moda” internacional faz produto típico da Amazônia explodir mundo afora. Produção tem aumentado, mas ritmo da oferta é menor do que a procura e entressafra potencializa escassez

Natalia Mello e Daleth Oliveira

Nos últimos anos, o açaí tornou-se conhecido mundialmente por suas propriedades energéticas, sendo um “embaixador da Amazônia”, reconhecido como um produto típico da região. Estão em andamento pesquisas que estudam os benefícios do seu consumo, assim como a versatilidade de sua aplicação, inclusive na indústria de fármacos e cosméticos. A alta procura internacional pelo produto ocorre ao mesmo tempo em que o consumo tradicional pelos moradores da Amazônia também só aumenta. 

“Vivemos a safra, de agosto a início de dezembro, com o período chuvoso. Quando começa a entressafra, iniciam alguns problemas de abastecimento. A exportação não fica sem açaí porque as indústrias têm câmaras gigantes, por exemplo. Na entressafra, a produção fica parada, mas a venda via exportação continua, pois tem estoque em câmaras.

Por esse motivo, as indústrias produzem em quatro meses o que será vendido ao longo do ano. Por isso, no mercado regional, é muito mais caro e tem falta do produto, porque a produção mesmo diminui”, aponta.

Consumo de açaí ajuda a manter floresta em pé 

De acordo com Reinaldo Mesquita, do Sindfrutas, o aumento de mercado para o açaí acabou também por abrir novas perspectivas aos ribeirinhos, que estão na base da cadeia. Segundo ele, há cerca de quinze anos o produtor local muitas vezes optava por cortar a árvore de açaí para extrair o palmito, com valor de mercado na época maior – e com menos esforço – que a colheita e venda do açaí. 

“O ribeirinho vinha para a cidade e percebia que o esforço e retorno com a venda do palmito era mais rentável. Preferiam então cortar a árvore e isso é também uma forma de desmatamento. Hoje, no entanto, é mais rentável ter a árvore em pé e colher e vender o fruto. Atualmente, é possível observar as ilhas na nossa região com árvores de açaí e o ribeirinho melhorou sua estrutura, não deixa mais a sua casa, a sua ilha. A vida das comunidades ribeirinhas melhorou, e isso tudo foi pelo crescimento do mercado de açaí, tanto interno, quanto externo”, avalia Reinaldo. 

A coordenadora do Centro Internacional de Negócios (CIN), da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Cassandra Lobato, destaca a importância do desenvolvimento da cadeia como um todo para o Estado, iniciada com a exportação apenas com o suco da fruta. “O processo de agregar valor ao produto é algo que sempre temos como alvo. Para abrir mercado iniciamos enviando somente o insumo do açaí. Mas, com o passar dos anos, o Pará deixa de ser exportador de commodities e, agora, com o purê também sendo exportado, não levamos mais somente o suco para ser beneficiado fora, mandamos o produto pronto para consumir”, afirmou.

Cassandra afirma que o objetivo de completar essa cadeia tem um efeito dominó também no desenvolvimento econômico local, mas que para isso é necessário um esforço em qualificar a mão de obra. “Para nós é maravilhoso, significa completar essa cadeia. E uma empresa que vá trabalhar com a embalagem, por exemplo, não só agrega valor ao produto lá fora, mas traz um desenvolvimento para a indústria de maneira completa, porque, com o produto final, movimenta a economia aqui, contratamos mais profissionais de marketing, gerentes de exportação”, analisa.

Iniciativas buscam reduzir problema de entressafra

De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, o maior entrave para a exportação e o abastecimento do mercado interno de açaí é a entressafra. A questão é econômica e envolve diversos segmentos da cadeia produtiva, gera emprego e renda aos cofres do Estado. 

O produtor afirma que o diálogo é o caminho. “O que nós podemos fazer como produtores para ajudar os batedores? E o que os batedores podem fazer pelos produtores?Porque quando o preço tá caro, tá ruim pra eles, mas tá bom pra gente. Quando tá barato, é bom pra eles, mas ruim pra gente. Então as duas partes poderiam conversar. Porque se é bom pra mim e bom pra eles, é bom pra todo mundo. E com isso, quem ganha é o consumidor final, o grande beneficiado”, afirma.

Além da entressafra e exportação, o produtor destaca ainda que vem observando queda na produção na área de sua propriedade. Segundo ele, mesmo no pior período do ano, ele conseguia produzir por dia o que hoje, é produzido em uma semana. “Já tem três anos que observo a diminuição da minha produção. Mudanças climáticas, chuva, sol e desmatamento. Isso afeta nós que trabalhamos com açaí nativo, sem uso de adubo. Tenho percebido a diminuição de cachos do açaí. Anos atrás, nesse mesmo período, eu tirava 12 sacas por dia, quantidade que tiro em uma semana neste ano”, contou o produtor. 

Para ele, a produção de outros municípios do interior do Estado também caiu, pois estão atendendo mais a demanda da exportação do que anos anteriores. “Os municípios mais distantes, que antes abasteciam a capital paraense, não estão mais abastecendo porque as fábricas de processamento e que exportam estão comprando. Então só o açaí da região das ilhas próximas a Belém não supre o mercado local”, comentou.

Trabalhador no porto da Palha, no bairro da Condor, Carlos Santos, mais conhecido como “Bacu”, concordou que a oferta dos caroços vindos das ilhas mais próximas de Belém caiu este ano como nunca. Ele trabalha há mais de 10 anos como marreteiro, nome popular da profissão de quem revende o açaí do atravessador ao batedor de açaí ou para as fábricas. “Tá caro o açaí. Tá em falta. O gelado falhou e do natural, não tem muito. Todo ano tem esse problema, mas esse ano está maior”, afirma Carlos, citando o “gelado”, nome da polpa que vem de outros Estados vizinhos, como o Amapá.

O produtor Rubens Almeida, que trabalha com açaí de Barcarena, município próximo de Belém, cita uma possível “crise” do açaí, com a alta demanda para os mercados internos e externo. “Essa crise já vem de uns anos pra cá devido o nosso produto, quando chega na capital, ser disputado pelos compradores, além de estarmos num período de menor produção mesmo, pela entressafra”, afirma. 

O engenheiro agrônomo da Embrapa, João Tomé de Farias Neto, explicou que as mudanças climáticas, entre outros fatores, podem ter diminuído a produtividade dos açaizeiros destes produtores. Segundo ele, as alterações tem influência do clima, do desmatamento, a necessidade de maior cuidado com o solo e manejo do fruto, que podem impactar na produtividade. 

Para ele, não adianta ver a exportação como vilã e sim investir em novas técnicas de cultivo. “A exportação não desabastece o mercado local, pois as indústrias compram apenas na safra, quando o preço está baixo, para processar e comercializar na entressafra. Ou seja, o que elas exportam agora, foi comprado meses atrás. O que acabaria com esse problema, seria o investimento em cultivo em terra firme. Aumentar ainda mais essa produtividade no estado, por conta da demanda crescente, solucionaria a crise”, explicou.

Liberal Amazon Antigo