Habilidades humanas triunfam na era da inteligência artificial
Empatia, criatividade e pensamento crítico são diferenciais em um mundo cada vez mais automatizado

O avanço acelerado da inteligência artificial (IA) está mexendo com o imaginário — e a rotina — de milhões de profissionais ao redor do mundo. Softwares que escrevem textos, criam imagens, analisam dados e até fazem diagnósticos médicos já estão entre nós. Mas, diante da eficiência da tecnologia, uma pergunta inquieta muita gente: será que meu trabalho vai ser substituído por uma máquina?
A resposta, ao menos por enquanto, não é nem “sim” nem “não”. Em vez de um futuro em que robôs dominam todos os setores, o que se desenha é um cenário mais complexo: uma reorganização do mercado, onde saem na frente os profissionais que dominam o que a IA ainda não consegue simular, como criatividade, empatia, ética, pensamento crítico e comunicação interpessoal.
Divulgado em janeiro deste ano, um estudo da consultoria norte-americana Vault aponta que, nos próximos anos, as habilidades tipicamente humanas serão cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho. Segundo o levantamento, carreiras nas áreas de saúde, educação, direito, ciência, comunicação, manutenção técnica e hospitalidade tendem a se manter em alta, mesmo com o avanço da inteligência artificial.
“Estamos vivendo uma transição de era, não o fim do trabalho humano. A IA deve ser entendida como ferramenta, não como substituta”, analisa o professor e pesquisador Denis Paes Barreto, especialista em tecnologia e inteligência artificial.
Para ele, o desafio está menos em competir com as máquinas e mais em aprender a dialogar com elas. “A IA poderá tirar o emprego de quem não souber usá-la. O diferencial não será apenas dominar a tecnologia, mas saber criticar, adaptar e melhorar o que ela oferece. Isso exige repertório, pensamento crítico e capacidade de leitura do mundo”, afirma. “Se eu tivesse que dar um conselho para quem quer se manter relevante, seria simples: leia muito”, recomenda Paes Barreto.
Sem medo de perder espaço
Com 22 anos de experiência clínica e 15 na docência, a psicóloga Mariana Mendonça vê a tecnologia como aliada, mas alerta para os riscos do uso sem preparo. “O medo não é de perder espaço, e sim de que a tecnologia seja mal utilizada, sem o devido conhecimento”, alerta.
Ela acredita que a valorização da saúde mental é um caminho sem volta e reforça que a profissão seguirá em alta. “Vivemos em uma sociedade emocionalmente adoecida. Não vai faltar trabalho para a gente nas próximas décadas. Afinal, quem cuida, quem escuta e quem acolhe somos nós”, defende.
A profissional também critica o autodiagnóstico dos pacientes por meio da inteligência artificial, que atrasa o tratamento e gera falsas compreensões. Ainda assim, defende a formação contínua para o uso responsável da tecnologia: “Acredito que nada substitui o fator humano no trato entre as pessoas. Além disso, a IA pode ser um suporte interessante na nossa prática, desde que usada adequadamente”, salienta.
Essa confiança na força das competências humanas também é compartilhada por Anna Padinha, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos - Pará (ABRH-PA). “No RH, já usamos ferramentas com inteligência artificial que ajudam a selecionar currículos com mais agilidade. Mas quem decide ainda é o ser humano. A entrevista, a análise do perfil, a compatibilidade de valores e cultura. Tudo isso exige escuta ativa e julgamento crítico”, explica.
Para a gestora de RH, a IA pode até otimizar tarefas técnicas e repetitivas, mas não substitui a sensibilidade. “Softwares não interpretam silêncios. Não identificam emoções com a mesma precisão de um olhar atento. As relações interpessoais continuam sendo o diferencial”, ressalta.
Quando a tecnologia é aliada
Em vez de rivalizar com os profissionais, a IA pode ser usada para aumentar a eficiência e a qualidade do trabalho. Na educação, ajuda professores a identificar dificuldades específicas dos alunos e a adaptar o conteúdo. Na saúde, auxilia médicos com diagnósticos mais precisos. No direito, oferece suporte na análise de jurisprudência.
Em todos os casos, a tecnologia só é eficaz quando orientada por pessoas bem preparadas. “O segredo está em saber usar a tecnologia como aliada. Quem entender isso terá vantagem no mercado”, reforça Anna.
A diretora da ABRH-PA também chama atenção para a importância da requalificação continuada. “O profissional que quiser se manter relevante precisa estudar sempre. Não é só aprender sobre IA, mas desenvolver habilidades humanas: criatividade, ética, empatia, capacidade de resolver problemas”, orienta.
O que está (mesmo) em risco
Embora a reportagem foque nas profissões resistentes à tecnologia, o avanço da automação já provocou mudanças significativas no mercado de trabalho. Ocupações repetitivas e com pouca exigência de julgamento foram as primeiras a sentir o impacto.
“Operadores de telemarketing, cobradores de ônibus, atendentes de pedágio e caixas de supermercado são funções que já estão sendo substituídas em muitas cidades. Isso é uma tendência natural quando há processos padronizáveis”, observa Anna Padinha.
Oportunidades com a COP 30
Para Everson Costa, técnico e pesquisador do Dieese Pará, a chegada da inteligência artificial e as transformações tecnológicas não devem ser vistas apenas como uma ameaça, mas como uma oportunidade estratégica para o desenvolvimento do estado, desde que haja planejamento e articulação entre governos, setor produtivo e sociedade civil.
Costa ressalta que o Pará tem vocações fortes, como a mineração, o turismo, a bioeconomia e o extrativismo sustentável — áreas que podem ser fortalecidas com a transformação digital e ecológica. “A cadeia do açaí, por exemplo, é um setor com enorme valor, mas que ainda carece de organização e reconhecimento formal, abrindo espaço para novas ocupações e renda”, indica.
Para ele, a tecnologia deve ser democratizada para promover inclusão produtiva e valorização do trabalho, especialmente para os jovens. “Com compromisso e planejamento, o Pará pode liderar um modelo de desenvolvimento justo e sustentável, aproveitando a visibilidade da COP para transformar potencial em políticas concretas de trabalho e renda”, conclui.
Dicas para não ficar para trás
- Aposte em habilidades humanas: Criatividade, empatia, pensamento crítico e comunicação são competências difíceis de serem replicadas por máquinas.
- Invista em formação continuada: Cursos técnicos, tecnológicos e de pós-graduação são caminhos para atualização.
- Aprenda a usar tecnologia: Em vez de temer a IA, aprenda a integrá-la à sua rotina de trabalho.
- Fortaleça suas soft skills: Liderança, trabalho em equipe e adaptabilidade são diferenciais cada vez mais valorizados.
Profissões à prova da IA
Estudo da Vault e especialistas ouvidos por O Liberal apontam as ocupações com menor risco de substituição por inteligência artificial e automação:
- Psicólogos e profissionais de saúde mental;
- Médicos, fisioterapeutas e enfermeiros;
- Professores e educadores;
- Advogados, juízes e operadores do Direito;
- Designers, roteiristas e publicitários;
- Cientistas e pesquisadores;
- Eletricistas, mecânicos e técnicos de manutenção;
- Chefs de cozinha, organizadores de eventos e gerentes de hotel;
- Especialistas em segurança cibernética.
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