Currículos e perfis profissionais feitos por IA viram tendência, mas recrutadores recomendam atenção
Especialistas alertam para perda de autenticidade e impactos na credibilidade durante processos seletivos

A busca por um currículo mais atrativo e competitivo leva muitos profissionais a recorrerem à inteligência artificial (IA) para gerar imagens realistas de si mesmos. Com poucos cliques, plataformas conseguem transformar selfies comuns em retratos corporativos com aparência profissional, eliminando a necessidade de contratar um fotógrafo ou visitar um estúdio. A tendência, em alta especialmente no LinkedIn, levanta debates sobre autenticidade, confiabilidade e os impactos desse tipo de recurso na seleção de candidatos.
Credibilidade em risco
Segundo a especialista em Gestão de Pessoas, Katiene Souza, é visível o aumento no uso de fotos criadas por IA em currículos e perfis profissionais. “É grande o número de currículos recebidos e perfis no LinkedIn com o uso de fotos criadas por IA. Em alguns perfis de candidatos diferentes, é possível encontrar o mesmo cenário, mesma roupa e pose”, relata.
A ferramenta é vista por muitos como uma forma de se destacar visualmente. Entretanto, pode surtir efeito contrário. A aparência artificial e padronizada levanta questionamentos entre recrutadores sobre a veracidade das demais informações apresentadas, como experiência e formação. “A impressão pode ser negativa, como se o perfil estivesse sendo manipulado. Isso pode gerar desconfiança e afetar a credibilidade do candidato”, avalia Souza.
Ela explica que os processos seletivos dependem da transparência e da confiança. A identificação de fotos artificiais pode fazer com que o recrutador descarte o currículo já na etapa inicial. “Como a foto gerada por IA causa grandes mudanças nas características físicas do candidato, os requisitos de confiança e aderência ao perfil da vaga deixam de ser atendidos.”
Por outro lado, a especialista reconhece que o uso da tecnologia pode ser vantajoso em outras áreas da busca por emprego. “Saber usar a IA de forma correta contribui significativamente na inserção no mercado formal. Por exemplo, na criação de currículos ou cartas de apresentação, correção de erros gramaticais e ajustes que melhorem a leitura dos documentos”, destaca. Mesmo nesses casos, ela recomenda que o candidato revise e adapte os textos gerados para refletir fielmente sua realidade.
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Além da questão da credibilidade, o uso de imagens geradas por IA pode trazer problemas práticos nos processos seletivos. Souza aponta que fotos semelhantes dificultam o trabalho dos recrutadores, que precisam analisar minuciosamente cada perfil para identificar inconsistências. Isso pode levar à perda de tempo, ampliação dos prazos de contratação, aumento de custos e impactos na produtividade das empresas.
“Cada vaga tem um perfil específico. Se as informações não condizem com a realidade do candidato, ele será eliminado de qualquer forma. O uso indevido de IA pode causar atrasos e prejuízos logísticos, como custos com entrevistas presenciais, transporte e mobilização de equipes de RH”, pontua.
Outro ponto levantado por Souza diz respeito à inclusão. Ela alerta que, em processos seletivos voltados para políticas de diversidade, o uso de IA pode distorcer características físicas relevantes, como etnia, cor da pele ou idade. Isso pode levar à exclusão de perfis que, na prática, atenderiam aos critérios estabelecidos. “A foto pode modificar traços importantes e acabar causando uma eliminação injusta”, alerta.
Equilíbrio é essencial
Diante desse cenário, a especialista defende uma atuação mais humanizada por parte dos profissionais de recrutamento. Para ela, apesar de a IA ser uma aliada na triagem de grandes volumes de candidaturas, é necessário um olhar atento para identificar casos em que a tecnologia foi usada para mascarar o verdadeiro perfil do candidato.
“É preciso equilibrar o uso da tecnologia com abordagens mais próximas e humanas. Isso ajuda a garantir que os candidatos escolhidos representem de fato os valores e requisitos das vagas, evitando distorções e perdas no processo”, conclui.
A prática de utilizar IA para melhorar a apresentação pessoal reflete o avanço das tecnologias no mercado de trabalho, mas também impõe limites e exige discernimento. Enquanto plataformas prometem facilidade e estética, o que permanece como essencial é a autenticidade — tanto na imagem quanto no conteúdo do currículo.
*(Iury Costa, estagiário de jornalismo sob supervisão de Keila Ferreira, coordenadora do Núcleo de Política e Economia)
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