Ex-diretor do Paysandu denuncia ‘famílias’ que dominam política e finanças do clube
O empresário e ex-diretor Fred Carvalho entrou com ação no Ministério Público, acusando o ex-presidente Maurício Ettinger de gestão temerária, além disso, ele denuncia o uso de 'cabritos' por parte de famílias tradicionais no clube para manipular resultados de eleições
O Paysandu vai caminhando para o 2025 na lanterna da Série B, em meio a crises dentro e fora de campo e à forte insatisfação da torcida com a gestão de Roger Aguilera. O dirigente e seu grupo político, que controlam o clube há anos, enfrentam agora denúncias de improbidade e gestão temerária apresentadas ao Ministério Público pelo empresário Fred Carvalho, ex-diretor de futebol bicolor. Segundo ele, “famílias” comandam a política interna, perpetuando lideranças ligadas ao antigo grupo Novos Rumos, o que teria gerado graves irregularidades financeiras e falta de transparência, sobretudo durante a gestão do ex-presidente Maurício Ettinger (2021-2024).
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A principal acusação trata da não prestação de contas das verbas de patrocínio recebidas entre 2021 e 2024. “Não consta no site do Paysandu Sport Club ou no site da FPF-PA as atas das Assembleias Gerais de Prestações de Contas dos anos de 2021 a 2024 (anos da gestão do noticiado). No site do Paysandu Sport Club, no portal transparência, não constam as atas das Assembleias Gerais de Prestações de Contas dos anos de 2021 a 2024”, diz o trecho do documento encaminhado ao MP, ao qual a reportagem teve acesso.
As denúncias se fundamentam no artigo 18-C, VII, da Lei Pelé, e no artigo 67, VII, da Nova Lei Geral do Esporte, que reforçam a exigência de transparência na gestão dos clubes. O artigo 18-C, VII, já previa a obrigação de publicação das demonstrações contábeis e financeiras auditadas por empresa independente, medida mantida e ampliada pelo artigo 67, VII, da Nova Lei Geral do Esporte. Agora, além da auditoria obrigatória, as entidades devem disponibilizar esses documentos em meio eletrônico de acesso público, garantindo maior controle social e dificultando práticas de má gestão no futebol e em outras modalidades.
Verbas e contas
No caso bicolor, o denunciante afirma que o Paysandu recebia verbas públicas oficiais em contas particulares vinculadas ao ex-diretor financeiro Abelardo Serra. Dois valores chamam a atenção: o primeiro de R$ 26.600, no dia 5 de janeiro de 2023, repassado pela Alubar Global como forma de patrocínio, e outro de R$ 20.976,69, oriundo do Programa Sócio Bicolor, também para a conta de Abelardo, no dia 9. Diante disso, a denúncia diz que o ex-diretor “recebeu valores do clube em sua conta devido a um bloqueio judicial. Ocorre que não consta nas prestações de contas os valores que o diretor financeiro recebeu em sua conta”. No total, segundo levantamento do denunciante, cerca de R$ 800 mil foram depositados na conta do ex-diretor, sendo repassados ao clube aproximadamente R$ 500 mil.
A suposta irregularidade teria causado ao clube prejuízos, culminando no TransferBan da Fifa, por conta da compra do jogador Keffel junto ao Torreense, de Portugal, em julho de 2024. O atleta foi adquirido por 155 mil euros (cerca de R$ 990 mil), mas o clube efetuou o pagamento parcial de 75 mil euros (aproximadamente R$ 439 mil). O restante foi pago como patrocínio pelo Governo do Pará. Em novembro de 2023, durante a apresentação do CT Raul Aguilera, o então presidente declarou que o clube teria orçamento elevado em 2024.
“Teremos um orçamento de mais de R$ 70 milhões para o ano que vem. Esse acréscimo ocorre por uma série de fatores que vão ajudar o Paysandu em 2024, como o acesso à Série B, o incremento das cotas de patrocínio e transmissão de jogos e a reformulação do plano de sócio-torcedor. Apesar disso, esse dinheiro será prioritariamente destinado à formação do elenco e cumprimento da folha salarial. Qualquer injeção de verba nas obras do CT só deverá ser feita em caso de superavit”, explicou na época. No ano seguinte, apenas com patrocínios, o clube arrecadou cerca de R$ 15 milhões nos primeiros meses.
Diante dos fatos, o ex-diretor de futebol diz que acionou o MP temendo que o clube sofra um colapso. “Como que o clube arrecada R$ 75 milhões em 2024 e, em 2025, R$ 80 milhões, e está nessa situação? Aí eu começo a ligar para as pessoas de Belém e saber o que de fato estava acontecendo na política do clube. E aí falaram que a família Couceiro estava na questão política, o Maurício Ettinger na questão financeira e a família Aguilera no futebol. Com esses contatos que fiz, as pessoas começaram a enviar um monte de documentos e eu fui fazendo auditoria”, detalha. A partir daí, o empresário afirma ter levantado a relação entre o clube e a grande família que se formou em seus bastidores.
Origem
Fred Carvalho chegou ao Paysandu no fim de 2007, quando o clube encerrou a Série C na 62ª posição, em um torneio com 64 times. No ano seguinte, Luiz Omar Pinheiro assumiu a presidência, ao lado de Antônio Louro e Fred no departamento de futebol. A partir dali, segundo ele, as “famílias” se afastaram diante da crise. Fred, então com apenas 24 anos, criou mecanismos de revelação de atletas, incluindo o time Negra Carajás. Nos anos seguintes, o Paysandu fez vendas de jogadores como Moisés, Genílson e Rafael Oliveira, que permitiram a reestruturação até o acesso à Série B, em 2012.
Com o retorno à Série B, as famílias voltaram ao cenário, afirma Fred. “Nessa época, como os que hoje estão aí eram jovens, tipo Roger Aguilera, Tony Couceiro, eles resolveram colocar o Vandick”, lembra. O mesmo grupo elegeu em seguida Alberto Maia, Sérgio Serra, Tony Couceiro, Ricardo Gluck Paul e Maurício Ettinger. Entre as gestões, destaca-se a de Alberto Maia, quando nasceu a marca Lobo, até hoje alvo de questionamentos. “Hoje é uma das maiores caixas-pretas do clube. Ninguém sabe quanto arrecada, quanto deixa de arrecadar, royalties.”
A perpetuação dos dirigentes ligados às famílias, conforme a denúncia, ocorre por meio dos chamados “cabritos” — títulos de sócio-proprietário concentrados em poucas mãos e usados para definir eleições. No caso da família Couceiro, seriam mais de mil. “Nas eleições de 2020, quando o candidato deles era o Ettinger, o Antônio Couceiro pagou mais de R$ 260 mil em compra e regularização de títulos. Ele compra e distribui. Os funcionários da Quadra Engenharia têm, funcionários das Lojas Lobo”, afirma.
Naquele ano, Maurício Ettinger venceu Luiz Omar Pinheiro por cerca de 50 votos. “Em 2020 e 2022, eles ganharam relativamente fácil. A partir daí, compram mais títulos e a eleição do Aguilera já tem uma diferença de centenas de votos”, garante. Para comparar, em 2020 o programa Sócio Bicolor recebeu entradas volumosas da Quadra Engenharia, de propriedade da família Couceiro. Foram pelo menos quatro registros: em 16 de julho, R$ 82.545; em 14 de agosto, R$ 42.992; em 4 de setembro, R$ 97.000; e em 28 de setembro, R$ 41.780 — totalizando R$ 264.317. “Nesse mesmo ano, as receitas de novos torcedores e regularizações de outras pessoas foram de R$ 31.410,00”, compara.
CT
Outro ponto levantado pelo denunciante é o patrocínio dado pelo vereador de Belém, André Martha Filho, às categorias de base do Paysandu. A legislação brasileira impede que agentes públicos utilizem seus cargos para promoção pessoal. A Constituição, no artigo 37, proíbe a divulgação de nomes de autoridades em ações públicas; a Lei das Eleições, nos artigos 36-A e 73, veda o uso de recursos e práticas que possam configurar propaganda eleitoral; e a Lei de Improbidade prevê punições quando há abuso de função ou desvio de finalidade, reforçando os limites à autopromoção política.
“Como que uma pessoa que declara bens de R$ 150 mil em suas receitas pessoais vai ser patrocinador da base de um clube que arrecadou nos últimos dois anos mais de R$ 150 milhões?”, questiona Fred. “Com a família Couceiro tendo todos esses títulos, a família Aguilera com o futebol e Ettinger conduzindo as finanças, eles montaram um plano de poder de 30 anos”, completa. Embora não seja listado como braço de comando no clube, o vereador André Martha Filho é ligado ao Paysandu pelo pai, o engenheiro André Martha, responsável pelas obras no CT. O terreno onde o clube constrói o centro de treinamento foi doado pela família Aguilera, no bairro Águas Lindas, em Ananindeua.
“Eles falaram que já investiram R$ 8 milhões no CT do Paysandu. Como você investe R$ 8 milhões no CT, sendo que só tem três campos? O CT do Vila Nova custou R$ 15 milhões”, compara. Em 2025, o clube ainda foi penalizado pela Justiça do Trabalho a pagar mais de R$ 1,5 milhão em razão de atrasos salariais ocorridos em 2024, cobrança baseada em um TAC assinado com o Ministério Público do Trabalho em 2008.
Por fim, o denunciante acredita que as manobras fiscais conduzidas pela cúpula bicolor são passíveis de crime, com base no próprio estatuto do clube. A Nova Lei Geral do Esporte endureceu as regras de responsabilização: clubes que descumprirem a legislação podem perder benefícios fiscais, ser multados e até proibidos de disputar competições oficiais, enquanto dirigentes ficam sujeitos a punições pessoais, como afastamento do cargo, inelegibilidade para funções de gestão esportiva por até dez anos, responsabilização civil por prejuízos financeiros e, em casos mais graves, processos criminais por fraude ou desvio de recursos.
Direito de resposta
A reportagem entrou em contato com todas as pessoas citadas nas denúncias. O empresário Antônio Couceiro disse que não vai se manifestar. Já os empresários Roger Aguilera e Maurício Ettinger, além do vereador André Martha Filho não se manifestarem até o fechamento desta edição. O espaço continua aberto para a manifestação dos citados.
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