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Repórter esportivo, Tino Marcos, é mais uma baixa na Globo

Referência no jornalismo esportivo brasileiro lembra os momentos marcantes da carreira e revela os motivos da decisão

Redação Integrada com informações do Globoesporte.com

Depois de mais de 30 anos contando os fatos marcantes da história do esporte na TV Globo, o jornalista Tino Marcos deixa a emissora. 

Aos 58 anos, Tino decidiu que não seguirá com a função e adotou como meta, "parar" assim como os jogadores de futebol: no auge da carreira. 

Após oito Copas do Mundo, seis Olimpíadas, incontáveis transmissões e reportagens, viagens pelo mundo todo, ele diz sentir que "seu dever foi cumprido". Ele permanecerá na emissora até o final deste mês.

 

 

 

Leia parte da entrevista que ele concedeu ao GloboEsporte.com

O que te levou a tomar a decisão de parar? De deixar a Globo?
TINO MARCOS: É preciso entender o modelo de trabalho que eu vinha tendo no último ano. Eu passei a ter uma combinação de fazer grandes reportagens, grandes séries, como estava fazendo a série olímpica do Jornal Nacional. Trabalhar menos dias no ano. E estava ótimo. O modelo de trabalho que eu vinha tendo era voltado para grandes produções. E esse seguimento foi diretamente atingido pela pandemia. Ficou uma condição mais voltada para esse tipo de matéria que temos feito através da internet, com poucas coisas do que eu sempre gostei de fazer... Captar, olhar as imagens, escrever, produzir. Isso se resumiu muito. Mas me preparei para isso gradativamente. Tive a cumplicidade total da direção na condução desse tipo de modelo. Eu era um faz tudo. Fazia o ao vivo do Globo Esporte, do Bom Dia Brasil, matéria pro Jornal Nacional, Globo Repórter, Fantástico, fazia as séries, eu era muito elástico e me orgulhava muito disso. Sempre gostei e orientei os mais jovens: tenta ser rápido, fazer matéria rápida quando tem que ser rápido, simples, e também a fazer matérias com fôlego, com roteiro. Com o tempo, comecei a ficar cansado desse modelo de cobertura diária.

A pandemia ajudou a acelerar essa decisão?
TINO MARCOS: Sem dúvida. É uma variável decisiva nesse processo. Tornou inviável agora a gente fazer o que vinha fazendo. Não sei quando vamos voltar a ter a plenitude. E quando vamos voltar? Não sabemos como está o mundo. Tem todo um contexto. Minha filha se formando na faculdade, minha esposa se aposentado esse ano, eu perdi os meus pais. Tinha um envolvimento muito grande com eles e fiquei sem eles. A vida... 2021 está me trazendo muitas novidades. Por agora é isso aí. Viver essa pandemia, ficar em casa o máximo que eu posso. Eu tenho o privilégio de poder ficar em casa com as coisas direitinhas. Tanta gente com tanta dificuldade por aí. Esperar mais e olhar para as coisas... O que vem por aí, o que eu posso fazer... O que eu gosto mesmo é de produzir conteúdo, contar histórias. Adoro pegar na câmera, tenho minha câmera, meu equipamento, tripé, microfone lapela, luz, drone, eu voo de drone, estou editando.

Está produzindo um conteúdo mais autoral?
TINO MARCOS: Tenho feito mais de brincadeira, de experiência, uma coisa puramente lúdica. Mas tem tudo a ver. É brincar... Sempre gostei tanto do que fiz e minha brincadeira é isso, brincar de filmar, voar de drone, editar. São os meus hobbies. É o que eu gosto de fazer. Tem tudo a ver com o nosso ofício. Vivi muito mais do que eu projetei para mim na vida. Comecei trabalhando em jornal, trabalhei no Jornal dos Sports, nunca pensei em televisão. De repente, me vejo na Globo e fico quase 35 anos na Globo. Nesses anos todos eu fiz tudo. Não tem lacuna. Fui a Pan-Americano, Sul-Americano... Tudo. A palavra mais forte de tudo é gratidão. Gratidão à vida por ter me permitido... Por eu ter podido fazer aquilo que, para mim, sempre foi uma diversão.

Se tivesse que apontar momentos marcantes da carreira...
TINO MARCOS: O número 1 é 94. Dia 17 de julho de 1994, o tetra. Aquela história da volta olímpica, eu pulei, entrevistei os caras. O Galvão disse que era a consagração do repórter. O único cara que entrou em campo e entrevistou os tetracampeões, vinte e quatro anos depois. Era um negócio assim, uma catarse. Uma apoteose. Um brasileiro vivendo aquilo ali. Então, para mim, isso vai ser sempre o número 1. (NR: Tino Marcos entrou em campo como auxiliar do repórter cinematográfico Daniel Andrade. Naquela ocasião, o repórter de campo não poderia estar no gramado. No fim do jogo, com o microfone em punho, ele entrevistou os principais jogadores da seleção brasileira com exclusividade para a TV Globo).

A conquista de 2002 também foi um negócio imenso. Eu tinha 40 anos. No dia dos meus 40 anos foram o Felipão e o Murtosa ali. Eu já era um repórter com experiência. Aí ganha, aquela coisa maravilhosa.

As Olimpíadas de 2004 foram muito marcante para mim. Sempre fui muito associado ao futebol, Seleção e eu tive a oportunidade de fugir desse estereótipo. Em 2004, o futebol não foi, o futebol não se classificou e fui para cobrir outros esportes. Foi maravilhoso. Eu adoro vela e o Robert Scheidt e o Torben ganharam o ouro. O judô... Cobri nove medalhas. E culminou com a história do Vanderlei. Para mim, foi a grande história daqueles Jogos. Foi espetacular. Essas são lembranças grandiosas. (NR: Vanderlei Cordeiro de Lima liderava a maratona em Atenas quando foi atacado pelo padre irlandês Cornelius Horan. Salvo por um espectador, ele acabou a prova em terceiro e se ajoelhou diante de Tino Marcos para comemorar o resultado).

Mudaria alguma coisa na carreira?
TINO MARCOS: Não mudaria nada. A única coisa que eu mudaria era ter me imposto uma obrigação de falar inglês melhor. De ter investido, lá atrás, na capacitação de falar melhor inglês. Sempre me ressenti disso, foi uma coisa que me fez falta. A única coisa que eu não fiz foi ser correspondente. Deve ser maravilhoso, uma experiência sensacional. Mas nunca senti firmeza no meu inglês para tal tarefa. Foi tudo muito mais do que eu sonhei. Mais do que eu projetei para mim. Gratidão total.

O que você acha que mudou de quando você começou, lá em 1985, para os dias atuais?
TINO MARCOS: Até o aparecimento das mídias digitais, do que a gente tinha como mídias tradicionais, a televisão era o único veículo, a meu ver, que estava sempre em constante mutação. Ao passo que a linguagem de revista e jornal pode até mudar alguns termos e expressões, mas a maneira de fazer é muito parecida com a de 40 anos atrás. O rádio tem um formato que se mantém. A TV é um veículo que vem historicamente se modificando. Ela é mais dinâmica na linguagem. Eu sempre tentei surfar essa onda das novidades, sempre olhando os mais jovens. Várias gerações que foram surgindo foram incorporando recursos para contar as histórias, para fazer as matérias, cada um com uma contribuição de como fazer. Aquilo vai formando um conceito feito por essas gerações. Os mais jovens vão sinalizando como se pode contar daquele jeito. Sem perder a minha identidade, a minha naturalidade de fazer as coisas, mas sempre tendo a linguagem o mais atualizada possível. No fim das contas, a mensagem que chega, o produto que chega para a pessoa ver, seja agradável, que seja bem narrada, que seja bem escrita, que seja clara. Isso vai continuar mudando. Com a chegada da produção mais disseminada de internet, todos são produtores de conteúdo, isso já traz um impacto para a linguagem da TV. Tudo vai se fundindo e isso que é o fascinante do negócio. O negócio vai ganhando a cada dia um jeito novo. É a roda que anda.

Essa decisão foi bem pensada então?
TINO MARCOS: Por exemplo, da Seleção Brasileira. Quando acabou a Copa América em 2019 eram exatos 30 anos depois da minha primeira Copa América que eu cobri. Também no Maracanã, também com vitória do Brasil. Eram 30 anos redondos. É a melhor data para eu... O meu processo foi um processo de desmame, que começou assim, com esses 30 anos de cobertura da Copa América, ganhando a Copa América também, fazendo a crônica como eu fiz da outra vez também. Esse é o momento mais legal para eu dar um ponto final bonito com a Seleção Brasileira, alegre. Não vinha cobrindo a Seleção no segundo semestre. Vem a pandemia e tudo para. Fiquei fazendo grandes reportagens, fiz a série olímpica, que ficou maravilhosa, e vai ao ar. Vamos explicar que foram gravadas antes da pandemia. Super feliz... Vai ser a cereja do bolo. E minha última grande produção no esporte, com câmera aquática, câmera aérea, uma captação maravilhosa. Depois, acabou a brincadeira com a pandemia e mudou o jogo.