Estudo aponta aumento da violência contra mulher em dia de futebol; Pará segue tendência
No estado, tema ainda possui dados concretos, mas relatos indicam que o cenário não difere de outras capitais, diz promotora
O futebol movimenta multidões, colore as cidades e é a paixão do povo brasileiro. Mas, o que para milhares de torcedores é motivo de alegria e felicidade, para muitas mulheres pode ser o início de um doloroso desafio. Conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de registros de lesão corporal dolosa contra mulheres aumenta 20,8% em dias de partidas de futebol. Já o índice de ameaças sobe 23,7% no mesmo período analisado.
A pesquisa, divulgada em 2022, foi realizada em cinco capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre, todas com times na Série A do Campeonato Brasileiro.
No último dia 5 de setembro, em uma publicação no Instagram sobre a derrota do Paysandu para o Volta Redonda–RJ em pleno Mangueirão, pela Série B do Campeonato Brasileiro, dois comentários chamaram a atenção por fazer referência à Delegacia da Mulher.
"Localização da delegacia da mulher", dizia um deles. "A delegacia da mulher vai lotar de mucurento depois desse jogo", disse o outro.
Os comentários, escritos em tom cômico, podem ter sido feitos com diversas intenções, mas levantam a questão importante sobre a violência contra a mulher nos dias de jogo.
Recorte regional
O Pará ainda não tem um estudo focado na relação entre o futebol e a violência contra a mulher. No entanto, a promotora de Justiça Renata Cardoso, coordenadora do Núcleo de Proteção à Mulher do Ministério Público do Estado (Núcleo Mulher/MPPA), destacou que por meio de relatos em reuniões do órgão que debatem o assunto, a conclusão é de que a realidade na capital paraense não é diferente das outras abordadas no levantamento.
"Esses indícios [de relatos] sugerem que a realidade local pode guardar semelhança com a de outras capitais, mas a ausência de registros específicos e o problema histórico da subnotificação dificultam a comprovação. Muitas mulheres ainda deixam de denunciar por medo, vergonha ou pela naturalização da violência em uma cultura marcada pelo machismo, o que reforça a necessidade de ampliar estudos, aperfeiçoar os mecanismos de registro e fortalecer campanhas educativas e preventivas que deem visibilidade a esse fenômeno", apontou a promotora.
A relação entre o futebol e a violência de gênero
Ainda segundo levantamento, cerca de 80% dos casos de ameaça com autoria identificada são cometidos por alguém conhecido da vítima, assim como 77,98% dos casos de lesão corporal. A média diária de crimes dos três agressores mais frequentes mostra que, enquanto as ocorrências praticadas por companheiros ou ex-companheiros aumentam em dias de jogo de futebol, os crimes cometidos por pessoas sem vínculo com a vítima apresentam uma variação estatisticamente não significativa. Esse cenário sugere que a violência contra a mulher em dias de jogos está diretamente relacionada à violência doméstica.
"Isso revela que o problema não está no futebol em si, mas na forma como parte dos homens reage à frustração, à derrota e às tensões emocionais provocadas pelos resultados, utilizando a violência como uma forma de reafirmação de poder. O consumo de álcool e o ambiente das torcidas organizadas são fatores de risco que intensificam esse cenário", disse a promotora.
Renata Cardoso destacou que a relação entre o futebol e a violência contra as mulheres deve ser compreendida "a partir de fatores sociais e culturais profundamente enraizados em nossa sociedade". Segundo ela, "o futebol, mais do que um esporte, é um fenômeno de massa que reafirma valores de virilidade e competitividade ligados à masculinidade tradicional".
Ações de prevenções
Em Belém, a Polícia Civil faz ações fixas em dias de jogos no Mangueirão em caráter preventivo. A delegada Emanuela Amorim, titular da Diretoria de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAV), reafirmou que o órgão não possui um levantamento sobre o tema, mas pontuou que, assim como em grandes eventos, casos de agressões físicas e, principalmente, de importunação sexual são registrados.
"A gente não tem um dado estatístico que demonstre que nos dias dos jogos aumente o registro de ocorrências. Até porque nós temos equipes que comparecem aos jogos para realizar ações preventivas de conscientização. Então, essas ações já servem para prevenir esse tipo de ocorrência."
Conforme a delegada, o que chega para a delegacia especializada não chega a ser uma quantidade expressiva de casos. Emanuela ressaltou que isso pode ser resultado das ações de prevenção que são feitas nos estádios, como panfletagem, mensagens no telão e o policiamento constante.
"Acredito que, em razão dessas ações, não haja um número tão expressivo, mas nós temos, sim, protocolo de atendimento de mulheres vítimas de violência de gênero em todas as delegacias da mulher do Estado. Além do procedimento, elas podem requerer medida protetiva e são acompanhadas pelo setor psicossocial das DEAMS em todo o Estado", completou.
O futebol não é o "problema"
Apesar de a lesão corporal ser um dos índices que mais chamam a atenção, a violência contra a mulher no futebol não se restringe a isso, como apontou a promotora. Há também a violência simbólica e psicológica, que pode estar relacionada à objetificação dos corpos, desvalorização, estereótipos e discriminação. Por conta disso, Renata salienta que o futebol não é o causador exclusivo da violência contra a mulher, contudo, por meio dele, esses comportamentos podem ser mais visíveis.
"Não podemos afirmar que o futebol seja a causa direta da violência contra as mulheres, mas sim um espaço que torna mais visíveis e agudos comportamentos violentos já presentes em nossa cultura. Trata-se, em última análise, de um reflexo da desigualdade de gênero que ainda estrutura a sociedade brasileira e que precisa ser enfrentada de forma integrada e permanente", afirmou.
Com isso, a relação entre o futebol e o problema está diretamente ligada a fatores socioculturais do patriarcado. A cultura de rivalidade e machismo nesses ambientes potencializa práticas agressivas e discriminatórias contra o público feminino.
"O futebol pode ser compreendido como um catalisador: não é a origem da violência, mas um espaço onde ela se intensifica, justamente porque traz à tona aspectos culturais que ainda legitimam a desigualdade e a subordinação da mulher."
Ações de enfrentamento
Assim como a Polícia Civil, o MPPA também realiza ações e tem acompanhado de perto os estudos sobre o tema no âmbito nacional. De acordo com Renata, o órgão tem trabalhado com a Federação Paraense de Futebol (FPF) e com os clubes paraenses, incluindo Remo e Paysandu, para propor soluções para o enfrentamento, além de realizar campanhas de conscientização.
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