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"A prefeitura nos tirou covardemente do Complexo do Seis": O Liberal entrevista Mestre Geléia

O mestre de capoeira, considerado um pioneiro do esporte em Ananindeua, vive um drama pessoal para sobreviver e diz que prefeitura de Ananindeua expulsou sua escola que funcionava há 20 anos no complexo exportivo da Cidade Nova VI.

Igor Wilson
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Carlos Valdir Lima Travassos. Se você ler esse nome, certamente não irá lhe dizer muita coisa. Mas se dissermos‘Mestre Geléia’, uma geração inteira em Ananindeua irá lembrar. Um dos pioneiros e responsáveis pela expansão da capoeira no município, Mestre Geléia começou no esporte com cinco anos. De lá para cá, mais de 40 anos se passaram, sempre dedicados a esta arte marcial criada por africanos que foram escravizados no Brasil. Fez do Complexo da Cidade Nova 6 uma fonte de ensino, mas hoje reclama que a prefeitura os expulsaram do local. Sente tristeza pela falta de reconhecimento, não para com ele, mas para com a capoeira, para com os alunos, entre os quais crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e que viam no esporte um refúgio. Atualmente, Mestre Geléia sobrevive de doações, passou por quatro cirurgias, ficou durante um tempo na cadeira de rodas e tenta ter direito a um auxílio de R$ 600 para poder viver. Mesmo com as dificuldades de saúde e financeira, ainda tem forças para reivindicar à prefeitura um espaço para os praticantes treinarem. Para muitos, Geléia é uma lenda de Ananindeua. Mas para ele, apenas alguém que ama a capoeira e que luta para sobreviver. Confira a seguir a entrevista concedida a O Liberal Ananindeua:

Mestre, seu nome sempre foi muito conhecido em Ananindeua, as vezes até mesmo como uma lenda. O sr tem noção disso? Como o sr encara isso?

Algumas pessoas me tem como lenda. Já chegaram e falaram pra mim que ‘ah, o senhor é uma lenda’. Mas eu espero ser uma lenda viva (risos). Já eu não me vejo assim, como uma lenda. Ainda tenho que aprender muito, com a capoeira, com as pessoas que me cercam. Mas eu acabo gostando dessa questão da admiração das pessoas comigo. Quem não gosta de passar num lugar e ouvir o pessoal falando de você com respeito e admiração!?

Como foi o início da sua história na capoeira?

Quem me ensinou foi nada mais, nada menos, que o mestre Carlinhos, que é meu mestre, meu tio e meu compadre. Eu pratico desde o meus cinco anos de idade. Foi ele que me apresentou a capoeira. Então, hoje eu estou com uns quarenta e tantos anos só de capoeira e a considero um dos maiores presentes que Deus me deu, fora a minha família e meus filhos. Então, se hoje eu sou o mestre Geleia, dedico isso ao meu mestre e tento sempre passar os valores que ele me ensinou, humildade, respeito, amor.

O Sr tem o nome ligado à capoeira, mas pouca gente sabe que também foi um dos pioneiros no MMA em Ananindeua. Como surgiu o convite pra primeira luta? Qual lembrança o sr tem desse dia?

O convite pra eu lutar veio de um amigo que se chama Montanha. Porque na época eu estava passando por um ‘perrengue’ de dinheiro. Ele sabia disso e quis me ajudar. Ele já tinha lutado na época do vale tudo, sabia que aquilo entraria no auge. Ele não queria mais lutar, mas sabendo da minha necessidade me colocou no evento no lugar dele, que acho que foi em Marituba. Lembro que quando ele me apresentou aos organizadores, alguns comentaram que eu era gordo, zombaram, disseram que eu não ia garantir. Eu tinha uns 19 anos. Lutei com três pessoas na mesma noite e fui campeão nesse dia. Só tinha a capoeira mesmo.

Existe algum apoio ou incentivo do poder público para com a capoeira?

Infelizmente nunca foi reconhecida pelas autoridades. Desde a época de meu mestre, até hoje, os capoeirenses fazem um trabalho muito bom para a comunidade e as pessoas que tem poder, como prefeito, vereadores, secretários, não veem desta forma. Pelo contrário. Hoje nós estamos treinando no meu quintal, pois a prefeitura nos retirou do Complexo da Cidade 6, onde treinávamos crianças, adolescentes e adultos há mais de vinte anos. Disseram que foi por falta de vigilante, mas não é verdade. Mas com ou sem apoio deles, nunca abandonei ela e não pretendo abandonar minha amiga.

O sr considera que conseguiu formar grandes discípulos?

Não vou dizer assim que formei. Discípulo quem formou mesmo foi mestre Carlinhos, que é o meu mestre e de todos que seguiram. Eu me julgo mais um aluno que fui repassando. Aí teve alguns alunos que ficaram comigo, Ramon e Ramiro Travassos, professor Bizon, mestre Camarão e assim vai. Todos esses eu acredito que são alunos do Mestre Carlinhos. Ele que é merecedor de tudo.

O sr teve um problema de saúde e precisou ficar na cadeira de rodas durante um tempo. Como tem sido a recuperação?

Eu fiquei na cadeira de rodas porque eu adquiri um monte de problemas relacionados a diabetes. Doença nos ossos, uma chegueira. Já fiz quatro cirurgias, já estou melhor, vou ter que fazer mais duas. Há duas semanas larguei a cadeira de rodas e já estou andando com bengala, devagar. Hoje vivo de doações, estou tentando conseguir o auxílio de 600 reais, fiz todos os procedimentos. Fazem três anos que estou sem poder trabalhar. Vivo da ajuda dos alunos, dos amigos que arranjam uma cesta básica e me doam. Estou correndo atrás desse auxílio, esses 600 reais vão me ajudar muito.

Por fim, como um ilustre morador de Ananindeua, nos conte uma coisa que odeia na cidade, e outra que gosta muito.

Eu me sinto triste por Ananindeua. Passei a vida toda aprendendo e ensinando capoeira no Complexo da Cidade Nova, e hoje o doutor Daniel conseguiu tirar a capoeira de lá, a academia de capoeira mais antiga daqui de Ananindeua. Conseguiram tirar a capoeira de uma forma brusca, covarde, aproveitando a pandemia. Não conseguimos mais voltar. Pode perguntar pra qualquer capoeirista que com certeza vão dizer que ali tem a grande história da capoeira de Ananindeua. Eu espero que quando as pessoas leem essa entrevista, valorizem isso. Agora, alegria mesmo? É ver que tem novos capoeiristas surgindo e fazendo coisas boas.

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