Cerâmica de Icoaraci registra alta nas vendas com crescimento do turismo em Belém
Com mais visitantes em Belém ao longo de 2025, artesãos do Paracuri relatam crescimento nas vendas, maior visibilidade da cultura local e desafios para manter o ofício entre as novas gerações
A produção de cerâmica em Icoaraci, distrito de Belém reconhecido nacionalmente pelo artesanato, atravessa em 2025 um período de maior visibilidade, impulsionado pelo aumento do fluxo turístico na capital paraense. Artesãos que atuam há décadas no bairro do Paracuri relatam crescimento na procura pelas peças, especialmente no segundo semestre do ano, quando Belém passou a receber visitantes de diferentes partes do Brasil e do mundo por conta da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). O cenário ampliou as vendas, mas também evidenciou desafios históricos do setor, como a necessidade de maior divulgação, apoio institucional e renovação da mão de obra.
Filha de artesãos, Silvia Vanessa Leal, conhecida profissionalmente como Silvia Leal, tem 39 anos e trabalha com cerâmica desde jovem, embora o contato com o ofício esteja presente desde a infância. “Eu estou na cerâmica desde sempre, porque eu sou filha de artesãos. Eles transmitiram isso pra gente desde pequenos”, conta. Silvia diz que o aprendizado começou de forma lúdica, acompanhando os pais nas olarias do bairro. “Meu pai inventava brincadeiras, fazia pequenos bichinhos de cerâmica pra gente brincar, e isso foi nos aproximando do trabalho como família”, relembra.
O interesse profissional se consolidou na adolescência, quando Silvia passou a compreender o valor histórico das peças produzidas pela família. “Antes eu via as peças só como objetos. Depois que fui pesquisar a história delas, passei a entender que aquilo era cultura, conhecimento e também uma forma de gerar renda”, afirma. A partir desse momento, ela buscou aprimoramento técnico, aprendendo desenho, grafismo e escultura, sempre com apoio dos pais.
Sobre o impacto do aumento do turismo em 2025, Silvia avalia que o período foi diferente dos anos anteriores. “A COP trouxe um turista muito variado, de vários lugares do mundo. Foi uma experiência impressionante pra gente como artesão”, diz. Ela destaca que as vendas cresceram tanto na feira do Paracuri quanto em outros pontos da cidade. “Tivemos boas vendas e muita gente levando nossa cultura para outros estados e países”, disse.
Entre os produtos mais procurados estão as peças com referências históricas e simbólicas, além de itens menores, como ímãs de geladeira. “Aqui na feira saem muito as réplicas, por conta da história que elas carregam. Mas também vendemos muita miudeza, peças pequenas, que os turistas gostam de levar”, explica. Segundo a artesã, o público comprador é majoritariamente formado por turistas, embora haja encomendas destinadas a outras cidades e estados. “A gente manda pro Brasil todo. Pela associação, as peças seguem com nota fiscal e tudo certinho”, afirma.
Os preços variam conforme o tamanho e o nível de detalhamento das peças. “Uma peça pequena, mas muito trabalhada, pode ser mais cara que uma peça grande e simples”, observa. Na feira, é possível encontrar produtos a partir de R$ 5, enquanto conjuntos maiores, como jogos completos de feijoada, chegam a ultrapassar R$ 500.
Mestre da cerâmica
Pai de Silvia, o ceramista Silvio Omar Pires Leal, de 70 anos, atua no artesanato há 52 anos e é reconhecido como mestre da cerâmica. Ele explica que o título está ligado ao domínio completo do processo produtivo. “O mestre conhece desde o tirar do barro até o forno, o desenho e a pintura. Ele entende de tudo”, resume. Diferente da filha, Silvio não vem de uma família de artesãos. O aprendizado começou após um convite inesperado. “Eu trabalhava na rua quando um mestre me chamou pra aprender com ele. Quando vi as peças, aquilo abriu minha mente”, recorda.
Para Silvio Leal, o mercado mudou significativamente nos últimos anos, especialmente após a inclusão da Feira do Paracuri no roteiro turístico oficial. “Depois que a feira entrou no turismo, ela passou a ser mais visitada. Tem dias com mais movimento, outros com menos, mas hoje ela é uma referência”, avalia. Ele diz que o fortalecimento da feira impulsionou também outros setores do bairro, como bares e restaurantes.
Apesar do bom momento, o mestre ceramista alerta para a dificuldade de formar novos artesãos. “A gente não está conseguindo trazer os jovens. Falta mostrar que o artesanato gera renda e que não é só trabalho pesado, é cultura”, afirma. Ele defende a aproximação do artesanato com escolas e projetos educativos. “A cultura precisa ser apresentada desde cedo, senão corre o risco de desaparecer”, alertou.
Referências marajoaras e tapajônicas
A cerâmica produzida em Icoaraci tem forte relação com referências marajoaras e tapajônicas, mas desenvolveu identidade própria ao longo do tempo. “A pintura marajoara é só vermelho, preto e branco. Aqui a gente criou outros grafismos, colocou fauna, flora e novas técnicas”, explica Silvio. O mestre da cerâmica conta que a matéria-prima local também diferencia a produção. “Esse barro daqui você não consegue trabalhar em outro estado. É o barro icoraense”, diz.
Valor simbólico
Do ponto de vista do consumidor, o valor simbólico é decisivo. A autônoma Elzemi Mendonça, moradora de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém (RMB), esteve na feira para comprar um presente de Natal para a irmã, que vive em São Luís. “Ela é apaixonada pelos desenhos marajoaras. Eu quis dar um presente que valorizasse a nossa cultura”, afirma. Elzemi escolheu um conjunto de feijoada em cerâmica. “Além de bonito, é algo que vai ser usado e vai ter significado”, completa.
Mesmo com o aumento nas vendas em 2025, artesãos destacam que o fortalecimento da cerâmica de Icoaraci depende de políticas permanentes de valorização, divulgação e formação. “A gente não vende só uma peça, a gente vende a nossa história e a nossa cultura”, resume Silvia Leal. Para ela e o pai, garantir a continuidade do ofício é preservar um patrimônio vivo da Amazônia.
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