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'Se analisarmos as últimas eleições são contínuos os erros', diz jurista

Para Ives Gandra, os erros nos resultados aconteceram porque a metodologia usada pelas empresas é atrasada

O Liberal

Em meio a críticas aos institutos de pesquisa eleitoral, já se fala na abertura de investigação parlamentar, matérias legislativas que punam as empresas e inspeção pelo próprio Ministério Público Federal (MPF). O jurista Ives Gandra, professor e magistrado brasileiro, diz que os institutos podem, de fato, ser investigados, afinal, as Assembleias Legislativas e a Câmara dos Deputados, bem como o Ministério Público, têm o direito de fazer qualquer investigação quando consideram ser de interesse público.

Dentro das competências do MP, segundo Gandra, previstas nos artigos 127 a 132 da Constituição Federal, uma das funções dos "guardiões da lei" é investigar, porque representam a sociedade e, assim que encontrarem qualquer coisa suspeita contra o interesse público, podem entrar em juízo. Para o jurista, no entanto, que reconhece a "seriedade daqueles que estão à frente desses institutos", é muito difícil encontrar uma irregularidade. O motivo para os erros nas pesquisas de intenção de voto é o atraso da metodologia, na sua opinião.

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"Cada vez está sendo mais complexo definir o que são pesquisas válidas. Se nós analisarmos as últimas eleições, de 2018 ou de 2014, são contínuos erros. Cada vez as previsões são piores em relação aos resultados. A impressão que eu tenho é de que a técnica de apurar a vontade do eleitor é incorreta da parte deles. Eles pegam 2 mil e poucos cidadãos de um eleitorado de 158 milhões de brasileiros e, a partir desse nível de pesquisa, fazem projeções que são cada vez mais erradas, e com isso dizem qual é a opinião do Brasil", contesta.

Metodologia precisa mudar, afirma Gandra

Para Gandra, há a necessidade de uma mudança de metodologia para aumentar esse universo de entrevistados de acordo com o crescimento da polarização política e do número de partidos. "Quando eram poucos partidos e quando não se tinha tanta consciência do povo, era mais fácil. Hoje, o conhecimento de política é muito maior. Todo o povo sabe perfeitamente o que está acontecendo. E eu acho que eles continuam utilizando uma metodologia de 20 ou 30 anos atrás, quando era muito mais fácil detectar a vontade do eleitor. Então, eu creio muito mais em metodologia ultrapassada do que propriamente suspeita de direcionamento das pesquisas", opina o jurista.

Por outro lado, caso essas investigações sejam levadas adiante, e alguma fraude ou irregularidade seja comprovada, Ives Gandra acha que será positivo, porque esse é um comportamento "inaceitável", e os institutos teriam que ser afastados e punidos pela Justiça Eleitoral. "Se houve dolo, evidentemente não podemos ficar com institutos que conduzem o eleitor. A meu ver, eles seriam proibidos de exercer qualquer função e, se houve algum direcionamento que venha prejudicar a eleição, haverá punição de acordo com o Código Eleitoral."

Mas, na possibilidade de abertura de inquérito, a imputação de crime não seria simples, de acordo com especialistas, e, no campo do ilícito eleitoral, a hipótese é considerada "remota". Independentemente da investigação, neste segundo turno os institutos de pesquisas devem ser mais cuidadosos e cautelosos, segundo o jurista, talvez usando um universo maior de entrevistados.

Hipóteses para erro das pesquisas vão de metodologia a questões estatística

Pesquisadores ouvidos pelo Estadão dizem que não há explicação única para as divergências entre as pesquisas de intenção de voto divulgadas até a véspera do primeiro turno das eleições de 2022 e os resultados saídos das urnas no domingo (2). As hipóteses apresentadas incluem questões estatísticas, as metodologias dos levantamentos e mudanças no comportamento dos eleitores. Há ainda possibilidades no campo da ciência política que explicariam mudanças de última hora na decisão de voto.

O Ipec explicou a situação através de uma nota, dizendo que "as pesquisas eleitorais medem a intenção de voto no momento em que são feitas". "Quando feitas continuamente ao longo do processo eleitoral, são capazes de apontar tendências, mas não são prognósticos capazes de prever o número exato de votos que cada candidato terá."

Assim como nas eleições de 2018, as divergências em 2022 foram maiores em relação às intenções de voto do eleitor de direita, em especial dos bolsonaristas. Em boa parte dos Estados e para os diferentes cargos, somam-se exemplos nos quais os levantamentos não conseguiram prever a vitória ou a liderança de políticos desse campo.

Composição demográfica

Na estatística, um dos problemas considerados é a definição da amostra. Esse é o grupo de pessoas que serão entrevistadas. A precisão da pesquisa passa por uma amostra que reflita, da forma mais fiel possível, a composição demográfica do eleitorado brasileiro. Entram aí variáveis como sexo, renda, religião, idade. A ideia é reproduzir um modelo semelhante à sociedade a ser submetida à pesquisa de opinião.

O problema neste caso é a desatualização do Censo. Tradicionalmente feito a cada dez anos, o recenseamento demográfico mais recente é de 2010. O de 2020 foi adiado, por causa de cortes orçamentários e da pandemia de covid-19. Está em campo o Censo 2022, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já anunciou atrasos na coleta das informações

Segundo Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), a desatualização do Censo faz diferença na definição das amostras das pesquisas. Isso porque o Censo é o melhor e mais fiel retrato da composição demográfica do País.

Em 12 anos, desde o Censo 2010, a sociedade brasileira "mudou muito", ressaltou Olinto. Isso inclui vários aspectos importantes para pesquisar as intenções do eleitorado. Mudou, por exemplo, a proporção de evangélicos no total da população e a estratificação da população por faixas etárias. "O Brasil ficou mais velho."

Olinto, porém, avalia que os problemas não se resumem a questões estatísticas. O fato de a votação de Lula ter sido próxima ao previsto nas margens de erro sinaliza que o problema estaria mais localizado na aferição das intenções de voto dos eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. Nesse caso, as explicações estariam mais ligadas ao comportamento do eleitor, explicado pela ciência política.

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