Pequenos reparos: ‘maridos de aluguel’ atendem às necessidades do lar e movimentam mercado em Belém

Setor é marcado pela tradição e a fidelidade da clientela na capital paraense

Eva Pires | Especial para O Liberal

Em meio a um dos maiores índices de informalidade do país — que chegou a 56,5% em 2023 e subiu para 56,7% no primeiro trimestre de 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, o Pará se destaca pelo espaço ocupado por atividades autônomas, muitas vezes sem registro formal. Nesse cenário, ganha força em Belém a atuação dos chamados “maridos de aluguel”, termo popular para designar profissionais conhecidos como “faz-tudo”, responsáveis por pequenos reparos e manutenções domésticas.

O trabalho, que se sustenta na confiança, versatilidade e adaptação às demandas dos clientes, está inserido no contingente de trabalhadores por conta própria, categoria que somava 25,6 milhões de pessoas no Brasil em 2023. No Pará, no entanto, houve uma queda de 8,2% nesse tipo de ocupação, revelando os impactos das mudanças econômicas sobre a atividade.

Mesmo assim, a procura por esses serviços continua aquecida. O “faz-tudo” é o profissional chamado para trocar lâmpadas, chuveiros, realizar pequenas instalações e ajustes domésticos do dia a dia.

Em 2020, a pandemia impulsionou a demanda: levantamento da plataforma habitissimo mostrou que os pedidos por serviços de marido de aluguel cresceram 66% no último trimestre de 2021 em relação ao mesmo período do ano anterior.

Em Belém, apesar da existência de empresas especializadas que oferecem pacotes de “marido de aluguel”, a atividade predomina no setor autônomo e informal, sendo divulgada sobretudo pelo boca a boca e, cada vez mais, por plataformas digitais de contratação de serviços. Nesse cenário, o diferencial é a relação de confiança construída entre cliente e profissional.

Profissionais da área compartilham singularidades do mercado em Belém

image João Siqueira, marido de aluguel em Belém (Foto: Cristino Martins | O Liberal)

João Siqueira atua há mais de 30 anos no ramo de reparo de eletrodomésticos, especialmente máquinas de lavar e secadoras. A profissão surgiu para ele quase por acaso, a partir da curiosidade e da convivência com familiares. “Me motivou a curiosidade, né? Eu queria ter uma profissão. Trabalhei muito tempo como auxiliar de mecânica, e isso foi me influenciando. Quando precisei carregar a maleta de ferramentas do meu sogro, comecei a aprender com ele. Depois, fui estudando, pesquisando, tirando dúvidas com colegas de assistência técnica, e cada vez fui melhorando meu conhecimento”, conta.

Ao longo das décadas, João percebeu como os equipamentos mudaram e, com eles, a forma de trabalhar. Hoje, diz que precisa se atualizar constantemente. “A gente procura estudar pela internet também. E, quando vai adquirir peças no depósito, os fornecedores avisam: ‘Olha, Siqueira, esse equipamento mudou, dá uma olhada nesse manual’. Então é preciso acompanhar o ritmo do produto, senão fica para trás”, explica.

A clientela de João é majoritariamente de baixa a média renda, que recorre aos seus serviços para manutenção ou revisão de máquinas de lavar. Segundo ele, o foco maior atualmente é na prevenção, com limpezas periódicas. Ainda assim, os altos preços das peças muitas vezes inviabilizam os reparos. “Se eu vejo que passou de R$ 1.000, R$ 1.200, não vale a pena consertar. Eu digo para o cliente: é melhor dar entrada numa máquina nova do que gastar nesse equipamento”, afirma.

Apesar de todas as dificuldades, João destaca que o que mantém a clientela é a transparência. “Você trabalha honestamente, passa segurança para o cliente, e isso é muito importante. Minha clientela é mais por indicação. Eu prefiro ter dez clientes certos do que cem incertos. A prioridade é sempre dar garantia do serviço feito”, resume.

Se João se especializou nos eletrodomésticos, Clebson Fernando Silva seguiu o caminho da versatilidade. Também com mais de 30 anos de experiência, ele começou como ajudante de pintor, depois foi mestre de obras, aprendeu marcenaria com o avô e hoje atua como marido de aluguel em diversas frentes. “Eu sei fazer parte hidráulica, elétrica, pintura, laqueamento, móveis, papel de parede. Tenho uma clientela boa, que me chama para todo tipo de serviço. Eu coloco tomada, instalo ventilador de teto, monto móveis, e a fidelização vem desse leque amplo de habilidades”, relata.

Para Clebson, o mercado de Belém é competitivo, mas sofre com a informalidade e com a atuação de profissionais pouco qualificados, o que acaba abrindo espaço para quem é mais experiente. “Tem muito profissional que trabalha bem, mas também tem aqueles que começam como ajudante e logo se acham prontos. Aí deixam a desejar na qualidade do serviço, o cliente não gosta e acaba procurando alguém mais confiável. Eu já ajeitei muito serviço malfeito por aí”, diz.

A confiança, aliás, é um ponto central da profissão. No entanto, nem sempre as relações comerciais são tranquilas. Clebson conta que já enfrentou prejuízos com clientes que não pagaram o combinado. “Peguei um serviço de R$ 5.000, recebi só R$ 1.000 e até hoje não vi o resto. Isso acontece. Mas também tem clientes que pagam direitinho, que indicam para outros, e aí o boca a boca funciona”, afirma.

Mesmo sem depender de anúncios em redes sociais, Clebson garante uma agenda cheia graças às indicações e aos contatos feitos em serviços maiores, como uma reforma recente no Departamento de Trânsito do Estado do Pará (Detran PA). “Eu revesti toda a parede da recepção. Os funcionários viram meu trabalho, pegaram meu contato e começaram a indicar para outras pessoas. É assim que vou construindo essa clientela sólida”, completa.

Assim como João, Clebson vê na autonomia uma das principais vantagens da profissão. “A vantagem é que a gente trabalha para si mesmo e, quando pega um serviço bom, consegue tirar um dinheiro bom. A desvantagem é que existem clientes que querem enganar, não cumprem o acordo. Mas eu não fico sem serviço porque tenho muitos clientes antigos, e isso faz toda a diferença”, conclui.

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