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Sem definição de paralisação para segunda-feira, caminhoneiros falam sobre dificuldade do ofício

Preço dos combustíveis e custo do frete estão entre os gargalos, segundo os profissionais

Natália Mello / O Liberal

Depois de 34 anos rodando as estradas do País inteiro, o caminhoneiro carioca Cláudio Ronaldo Leal estacionou em Belém, pela primeira vez, para mais uma descarga de produtos, e disse: “Hoje, estamos na fase de ganhou, comeu. A gente está trabalhando para comer”. Ele é um dos trabalhadores impactados pelo custo do frete e pela alta constante no preço dos combustíveis – na segunda-feira, 25 de outubro, foi autorizado pela Petrobras o segundo aumento do mês da gasolina, uma alta de 7,04% depois de um incremento de 7,2% no início do mês.

O diretor do Sindicato de Transportadores de Cargas do Pará (Sindicarpa), Edilberto Ventania, afirma que não há posicionamento oficial dos caminhoneiros locais sobre a paralisação nacional programada para a próxima segunda-feira.

Sobre a greve, Cláudio Leal acredita ser necessário um acordo entre a própria classe, para que possa surtir algum efeito que venha a beneficiar a categoria. “A gente tem que ter um denominador comum, temos que ver se vamos fazer pelo combustível. A classe tem muita força, mas é muito desunida. Com isso tudo, perdi 50% do que costumava ganhar. Esse negócio do combustível está machucando o coração da gente”, desabafou o trabalhador de 56 anos.

O caminhoneiro possui um salário fixo e diz que é difícil ver só o lado de quem está na ponta da cadeia. Para ele, o “patrão” vem sendo prejudicado e, por isso, não tem como não repassar o prejuízo aos trabalhadores. “Se ele não tem como receber mais, a gente não tem como ganhar. Estamos deixando de desenvolver o Brasil por conta dessas coisas, porque aumenta combustível, aumenta tudo. Fora que muita gente discrimina a gente, aqui mesmo nesse posto (BR-316) eu fui discriminado. Minha mulher mandou eu sair dessa vida, mas é o que eu sei fazer, né? Se paralisarem, vou apoiar, parar em um posto e ficar lá. A união faz a força”, concluiu.

Gasolina

O preço médio de venda da gasolina passou de R$ 2,98 para R$ 3,19 por litro, e do diesel passou de R$ 3,06 para R$ 3,34 por litro – neste caso a alta foi de 9,15%. Outro aumento foi registrado em 28 de setembro, de 8,89%. Nos postos, o preço médio da gasolina ficou em R$ 6,36 o litro na semana passada, com o valor máximo chegando a R$ 7,46, de acordo com levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O óleo diesel, por sua vez, registrou preço médio de R$ 5,04 e máximo de R$ 6,42 o litro.

O mineiro Ademir José da Rocha passou os últimos dias dividindo o pátio do posto com Cláudio. Aos 51 anos, também é a sua primeira vez descarregando na capital paraense. O caminhoneiro não acredita na greve, porque diz ser um movimento desorganizado, entretanto, caso a paralisação ocorra, também irá aderir. “A realidade é que sem um objetivo não funciona. Se é para baixar o preço do óleo, eu concordo, está um absurdo. Se for por isso, pode até funcionar. Porque aumentou tudo, álcool, diesel, óleo, gasolina. Vamos ver no que dá. Para mim, que sou comissionário, não está tão ruim, mas perdi 30% do que ganhava. E é como o meu amigo carioca falou, ainda tem lugar que somos tratados como cachorro”, reclama.

O trabalhador, que atua com o transporte de armários, na próxima segunda-feira completa o fim do roteio de viagem, tento passado por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Piauí e Maranhão, até chegar em Belém. “As pessoas esquecem que o transporte do Brasil é todo levado sobre rodas. Acho que tínhamos que ter mais valor. Por isso, se pararem, eu paro, porque não tem como atrapalhar a programação deles. Vou apoiar o movimento. Se não apoiasse, seria desonesto com a minha própria classe”, finalizou.

Indefinido

Edilberto Ventania vê como um avanço a decisão tomada na manhã de sexta-feira (29) pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), de aprovar, por unanimidade, o congelamento do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado pelos estados nas vendas de combustíveis, o sindicalista afirma: “Na realidade, já é um avanço, só deles fazerem isso, mas nosso intuito era diminuir, a gente queria uma cota única a nível de território nacional, mas ter redução de percentual é significativo e nós estamos dispostos a conversar.”

A medida, que iniciará no dia 1º de novembro, valerá por 90 dias. De acordo com o Ministério da Economia, o movimento tem por objetivo “colaborar com a manutenção dos preços nos valores vigentes dos combustíveis até 31 de janeiro de 2022”. Para Roberto Melo, conhecido como Bolívia, o impasse na resolução do problema está na falta da credibilidade das decisões tomadas pelo governo federal. “Hoje de manhã o presidente Jair Bolsonaro fala uma coisa, de noite está falando outra e pedindo desculpas”.

“Gostaria que parasse mesmo para o governo ver que o caminhoneiro é quem abastece o país. O governo tem que ver e dar valor para os caminhoneiros, não prometer e não cumprir. Ele tem que cumprir o que promete, e não é assim que funciona. Tem que valorizar a classe, por isso que parar seria bom. Se parar, a população vai passar fome. Sou contra o que estão fazendo com o nosso país. E eu preciso trabalhar, mesmo perdendo 30% do que ganhava, porque se não trabalhar eu não como. Mas estamos sendo lesados pelo governo, que só gosta de empresa grande, gosta mais do rico do que do pobre”, ressaltou o goiano, de 61 anos.

O trabalhador transporta grãos detalha como tem sido difícil sobreviver do ofício. “Já pensei em largar várias vezes, mas eu vivo disso. Inclusive minha mulher é caminhoneira, viaja comigo e é minha companheira. Quando o presidente entrou, pensamos que ia mudar muita coisa, ele prometeu muita coisa para o caminhoneiro, e até agora não está vindo nenhuma solução. Então estamos sofrendo por conta disso”, conclui.

Ofício desde a infância

O pernambucano Edijânio Catinin tem 31 anos e desde os 22 atua como caminhoneiro. A paixão pelo ofício sempre existiu e, por conta disso, aos 16 anos decidiu gravar na pele a imagem do tão sonhado primeiro veículo: um caminhão. “Sempre gostei de caminhão. Meus brinquedos todos eram de caminhão e pensava no quanto queria viver disso. Mas hoje, penso que ‘cheguei lá’ e não vale mais a pena não. Perdi, com essas mudanças de reajuste, uns 40% do que ganhava, em torno de R$ 1 mil”, relata.

O caminhoneiro trabalha com transporte de óleo, sal, e outros itens do gênero alimentício. Assalariado, ele complementa a renda com algumas pequenas comissões, que não têm sido suficientes para ele se manter com a esposa. “Tudo sobe e o patrão fica pressionado, porque não tem dinheiro, porque ele quer que a gente faça mais viagem. E é tudo corrido, não sobra dinheiro, a gente tem que estar cozinhando para poder ver se sobra dinheiro para levar para casa”, pontua.

Além disso, Edijânio questiona também as dificuldades com segurança, já que paga o pátio para deixar o caminhão, mas assaltos são comuns. “Ontem o rapaz que está aqui comigo, outro trabalhador, foi assaltado. Então, com tudo isso, a greve pode melhorar algumas coisas. Se a população ajudar, podemos melhorar essa situação. Se for igual 2018, que a gente ficou lutando para baixar o combustível e a população ficava brigando nos postos, aí vai ser difícil. Mas se parar o mercado, acho importante, não tem condição da gente trabalhar desse jeito, tem que parar”, concluiu.

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