Privatização dos Correios ainda provoca dúvidas
Funcionários não têm certeza sobre interesse privado em locais mais distantes
O anúncio de que a privatização dos Correios ganhou força no atual Governo, feito pelo presidente Jair Bolsonaro, trouxe reações favoráveis e contrárias, mas também muitas dúvidas, principalmente por parte dos funcionários e alguns usuários da estatal. Pós-Doutor em Desenvolvimento Econômico, o professor André Cutrim Carvalho, da UFPA, afirma que, pela lógica do mercado, tendo concorrência, os serviços prestados seriam melhores e mais eficientes.
Ainda segundo ele, isso também gera uma expectativa de lucro muito alta para os envolvidos, o que aumenta o nível de confiança para os investidores que desejam atuar no setor. "Mas até que ponto isso representaria um benefício real para a população?", questiona o professor, que diz desconhecer, na história das privatizações do Brasil, uma desestatização que tenha gerado muito mais qualidade na oferta dos serviços para a população, sobretudo a mais carente. "E vou além: a realidade das Unidades Federativas da região Norte, por exemplo, é completamente diferente do Sul e Sudeste, portanto, será que haveria mercado com instalação de agências de atendimento ao público nos rincões mais distantes deste país, especialmente se não forem lucrativas?", continua.
Ele ressalta que os motivos pelos quais o Governo Bolsonaro busca a privatização dos correios são: ineficiência da empresa estatal, destacada pela baixa qualidade dos serviços a serem prestados, além da existência de déficit financeiro; redução da capacidade estatal em fazer os investimentos necessários para a manutenção e ampliação dos serviços, além da ausência de atualização tecnológica; e necessidade de gerar receitas para amortecer a elevada dívida da estatal. "Desta forma, para o Governo, o maior beneficiado seria a própria União, o propalado mercado e, em tese, os usuários. Me apego ao termo “em tese”, pois as experiências recentes de privatizações pelo país foram péssimas, sobretudo para o principal interessado: o povo", avalia.
Além dos questionamento em relação aos serviços, o professor explica que nada impede que os funcionários sejam demitidos dos correios em caso de uma eventual privatização, uma vez que não há estabilidade funcional como determina, a priori, o artigo 41 da Constituição de 88. "Nesta situação, o servidor passa a prestar serviço para uma empresa de cunho privado, por mais que esteja amparado pela CLT. Esse clima de insegurança no trabalho, entretanto, acaba levando o funcionário demitido a buscar na justiça os seus direitos".
Por outro lado, por se tratar de um segmento muito importante, André Cutrim entende que ele representaria um retorno econômico significativamente elevado para a União. "Contudo, de 2017 até o presente momento, a Gestão dos Correios têm atuado no sentido de melhorar a prestação de serviços, reduzindo gastos e otimizando recursos em prol de uma governança mais responsável", declarou. "De qualquer modo, é uma área que carece de concorrência", ressalta.
Após prejuízos registrados entre 2013 e 2016, a estatal registrou lucro de R$ 161 milhões em 2018 e de R$ 667,3 milhões em 2017. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tem 356 anos de existência e é subordinada hoje ao Ministério das Comunicações, Ciência, Tecnologia e Inovação.
Os trabalhadores da estatal demonstram preocupação com a possibilidade de privatização. "A gente entende que o que o governo tem é uma dívida com o mercado financeiro e quer pagar, entregando um dos maiores bens que o país tem. O correio é uma das maiores empresas de logísticas no mundo", declarou Israel Pereira Rodrigues Junior, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Estado do Pará (Sincort/PA). Para ele, uma daz primeiras consequências com a privatização seria o encerramento de serviços em cidades menores e mais distantes. "Quem vem, vem com uma visão: lucrar o máximo com o mínimo de trabalho possível. O correio hoje paga para trabalhar em certas cidades, e faz isso pelo caráter social".
Nesse sentido, Israel acredita que as regiões Norte e Nordeste seriam as mais afetadas, porque têm grandes áreas com poucas densidades demográficas. "Muita mentira se conta, que ele tem monopólio de encomenda. Não, os Correios têm monopólio de cartas, cartas simples. Qualquer empresa nacional e multinacional que quiser disputar o mercado, pode ficar à vontade".
Para o presidente do Sincort, nem mesmo nos grandes centros os serviços ficarão mais baratos, com a venda da estatal. "Não vai trazer benefícios para a sociedade. Vai trazer mais prejuízos", afirma. "Agente não tem medo de concorrência. Estão querendo ser desleal, tirar a gente do mercado para colocar alguém sem ter regulador. Dizem que vão colocar, mas tem regulador de energia, de telefonia, e do que adianta? O Correio serve a soberania desse País. Entregar o poder que a empresa tem de estar presente em praticamente 100%, é entregar a soberania", reforça.
Segundo ele, os Correios têm 106 mil funcionários no país inteiro - no Pará são cerca de 2.200 concursados. Israel diz que a estatal já vinha sofrendo sucateamento com essa previsão de ser vendida. Começou, segundo ele, com a retirada de funcionários - eram 129 mil no País e três mil no Pará - e a interrupção de investimento em tecnologia de transporte. "Nunca pegamos nenhum centavo da União. Pelo contrário, de 2014 pra cá já foi repassado do Correio para o Governo Federal mais de 6 bilhões de reais", argumenta.
Israel enfatiza também que quase todas as encomendas são entregues no prazo. "Às vezes pega 1 ou 2% que atrasa, numa região como a nossa, que chove. Todas essas questões que a gente está trabalhando para melhorar, mas nos falta a estrutura". Além disso, ele diz que ao invés de ter uma área de distribuição, como era antes, o carteiro passou a ter duas, fazendo uma por dia. "Se ele não consegue entregar, fica acumulado. A gente não concorda com esse método, mas é ordem do governo. Essa portaria precarizou os serviços, com o objetivo de botar a opinião pública contra a gente para o governo ter tranquilidade para privatizar".
Eficiência seria maior, diz Conjove
Presidente do Conselho de Jovens Empresários do Pará (Conjove), João Marcelo Santos se diz a favor da não intervenção do Governo na economia, pois a acredita que quanto menos intervenção, mais forte e economia fica e, no caso dos Corrreios, os seus principais argumentos favoráveis à privatização são: ineficiência dos serviços, custo, os escândalos de corrupção e troca de favores políticos. Ele conta que na sua empresa, por exemplo, se recorria à estatal para alguns serviços, mas eram registrados muitos problemas na entrega.
Por isso, buscaram uma empresa de logística e perceberam que, além de sair mais barato, melhorou a qualidade do serviço. "Sou completamente a favor dessa privatização, porque acabaria com esse monopólio que o Correio tem de entregas de cartas e poderia acontecer uma melhora nesses serviços para a gente e com preço mais barato. Tem casos também de corrupção dentro dos correios", declarou o empresário, relembrando que o escândalo conhecido como Mensalão teve a estatal como cenário inicial. "Quando se trata de empresa estatal, tu tens também aquela troca de favores de político, indicação de políticos para chefiar cargos. Um política voltada em troca de favores", destaca.
Ele diz que sua única preocupação é em relação aos funcionários. "Teria que ser pensado um método de não causar possíveis demissões, porque já temos um número grande de desempregados", disse. "Mas (com a privatização) tu abre o teu mercado para a própria competitividade, inclusive a chegada de novas empresas, e só quem tem a ganhar é o contribuinte".
Alguns usuários demonstram preocupação com a possível venda da estatal. "Acho que tudo que privatiza piora. Até a questão de emprego, vai ficar mais restrito e não vai baratear (os serviços)", disse Maria Elinalva Xavier, vendedora de 30 anos.
Outro que se mostrou contra a privatização foi o auxiliar de cobrança Genilson Santos, de 36 anos. "Acho que ele (presidente) está tentando privatizar muita coisa e prejudicando a população. Não acredito que vai melhorar e nem baratear. Além disso, com certeza vai mexer com os funcionários". Jessonires Costa, dona de casa de 41 anos, não está satisfeita com os serviços prestados pela estatal e reclama das greves, mas também não defende a privatização. "A gente depende muito dos correios e eu não acredito que vai melhorar. Vamos sair prejudicados", concluiu.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA