CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

No Pará, Venezuelanos Warao enfrentam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho

Mesmo com incentivo das Prefeituras, a maior parte deles vive na informalidade e se sustenta por meio das coletas nas ruas

Elisa Vaz

O mercado de trabalho ainda possui barreiras quando se trata da diversidade, e quem vem de fora do país depende de políticas de estímulo à capacitação e à profissionalização para garantir um espaço no meio profissional. É o caso dos indígenas venezuelanos da etnia Warao que vivem no Pará. Eles começaram a imigrar anos atrás para fugir da carestia em seu país de origem, mas ainda não se sentem totalmente acolhidos – além de não terem moradia digna e a garantia de direitos básicos, também não encontram muitas portas de trabalho abertas.

Apenas os municípios de Belém e Ananindeua, na Região Metropolitana, que foram reconhecidos pelas “Boas Práticas na Recepção e na Promoção da Cidadania de População Indígena Refugiada e Migrante” pelo Ministério da Cidadania e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no Brasil, abrigam quase 870 indígenas imigrantes desta etnia. Boa parte deles vive em abrigos e ganha dinheiro para se manter por meio da chamada “coleta”, em que mulheres, homens e crianças vão às ruas pedir ajuda. Embora as duas Prefeituras tenham atuação efetiva junto a eles, relacionadas ao abrigamento, estudo e trabalho, ​​um longo caminho ainda precisa ser percorrido para que os venezuelanos que vivem no Pará tenham mais qualidade de vida.

VEJA MAIS

image Acnur fortalece conexão entre indígenas brasileiros e venezuelanos refugiados na Grande Belém
Na Escola de Lideranças Indígenas Warao são ministradas aulas por educadores indígenas do Pará

image Pará acolhe mais de mil indígenas refugiados e migrantes venezuelanos
O fluxo migratório de pessoas em situação de vulnerabilidade social desafia municípios paraenses, como Belém e Ananindeua, na Região Metropolitana, a dar uma resposta humanitária de acolhimento

Com 29 anos, o indígena Warao Hermes Mata chegou na Região Metropolitana há seis meses; primeiro passou por Roraima e Amazonas. Ele veio com vários familiares, inclusive a esposa e os cinco filhos. Hoje, mora em uma vila com quatro casas em Ananindeua, junto com outras pessoas – são 80, no total, que vivem de forma precária, aglomeradas dentro de casas pequenas.

De todos eles, apenas Hermes tem um trabalho formal, na Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), onde atua como uma espécie de “monitor”, acompanhando pessoas doentes a postos de saúde e fazendo companhia. Segundo ele, foi a própria Prefeitura de Ananindeua que o ajudou a garantir a vaga de emprego. Mesmo assim, no entanto, sustentar os familiares tem sido muito difícil.

Hermes tem um salário mensal de R$ 1.300, mas cada aluguel custa R$ 300. Somando as quatro casas, o total gasto apenas com moradia é de R$ 1.200. Além disso, ele tem despesa com energia elétrica, alimentação e transporte, que somam, junto com o aluguel, R$ 4 mil. Os R$ 2.700 excedentes são adquiridos por meio da coleta; boa parte dos familiares vai à rua pedir dinheiro para sobreviver.

Só que, no mês que vem, em junho, o contrato de Hermes vai chegar ao fim, por ser temporário, e ele não sabe como vai conseguir pagar as contas depois disso. “É difícil, muito difícil conseguir um trabalho aqui no Brasil, porque muitas pessoas da nossa comunidade não falam português, então não têm oportunidades. É complicado para nós”, ressalta. Hermes cursou apenas o ensino primário. Sua esposa chegou a terminar o ensino, mas ele disse que o diploma não vale no Brasil.

Lá na Venezuela, o pai de família não trabalhava formalmente, mas vendia jornais na rua para sustentar a família. O sonho de Hermes é voltar a estudar e trabalhar com o empreendedorismo, vendendo artesanato, algo cultural de seu país. A maioria dos familiares que moram na vila sabe como fazer, mas eles não estão trabalhando com isso porque não têm o material.

“Só eu tenho emprego, então é difícil pagar o aluguel. Tem casa com quatro famílias, outra com cinco. Cozinhamos na madeira. É muito pequeno para ficar aqui, mas não temos como mudar para um lugar maior. Para completar o valor das despesas saímos pela rua e vamos reunindo R$ 20 ou R$ 30 reais, completando a cada mês. Não recebemos ajuda financeira, por isso temos que sair para alimentar nossa família. Queremos fazer artesanato para viver um pouco melhor e comprar cesta básica”, conta.

Além das dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, os venezuelanos da etnia Warao também enfrentam a falta de segurança. “Entramos na comunidade de brasileiros, todos que estão morando aqui estão ameaçados, inclusive as crianças. Muitos brasileiros falam pra nós que temos que ir embora: ‘Aqui é Brasil, não é Venezuela. Você tem que ir para o seu país’, eles dizem. Mas nós, venezuelanos, somos seres humanos. Respeitamos os brasileiros, e muitos deles não estão nos respeitando. Só queremos trabalho, educação e saúde”.

Atuação municipal

Desde fevereiro de 2020, a cidade de Ananindeua vem acolhendo migrantes refugiados venezuelanos da etnia Warao. Atualmente, vivem no município 60 famílias, totalizando 269 pessoas, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos, residentes nos bairros Curuçambá, Distrito Industrial e Levilândia. No local não existe o sistema de abrigamento, e cada refugiado paga seu próprio aluguel – o intuito é dar mais autonomia.

Para fomentar a geração de emprego e renda, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedec) vai construir seis unidades demonstrativas de sistema produtivo sustentável de frango caipira na Comunidade de Sassunema, para estimular a piscicultura e a avicultura familiar. A Secretaria também tem o projeto de produção de artesanato por meio do buriti, em que os indígenas e a população ribeirinha terão a oportunidade de fabricar biojoias, cestos, vasos, fruteiras, entre outros objetos, para venda, além de articulação com iniciativas privadas para contratação de Warao.

A titular da Secretaria de Cidadania, Assistência Social e Trabalho (Semcat), Marisa Lima, diz que já existem cinco refugiados contratados pela Prefeitura, que tem investido na capacitação dessa população, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade social em que as famílias se encontram. “Alguns dependiam de auxílios e, quando acabaram, a Prefeitura começou a trabalhar com cursos profissionalizantes, como  corte e costura, plantações, questões administrativas, elaboração de currículo e, principalmente, leis trabalhistas.

“Eles precisam se adaptar a esses modelos de contrato e entender que serão servidores ou funcionários, e dentro dessas instituições terão direitos e deveres. Se ele tem uma capacitação, mas não se adapta, fecha uma porta, então nos antecipamos. Ouvimos as empresas que tiveram experiência com eles, para saber das dificuldades, e trabalhamos no que não deu certo, corrigindo desde já para que nas próximas oportunidades isso não ocorra. Muitos empresários e munícipes se incomodam de ver eles pedindo nas ruas. Embora seja cultural, eles não querem estar pedindo, o que falta é oportunidade, porque alguns são formados, têm nível superior, só vieram pela crise, e a condição em que estão não é uma opção”, afirma.

Para além do mercado formal, outros 50 indígenas Warao atuam na informalidade em Ananindeua, geralmente com o artesanato como fonte de renda. Segundo Marisa, o idioma ainda é um grande desafio, já que a maioria fala espanhol. “Foi feita uma consulta pública e eles demonstraram que vão ficar aqui. A partir daí, pensamos na escola para jovens e adultos, em que a formação é exatamente na linguagem. Será um currículo adaptado, com conteúdo já previsto no currículo do MEC [Ministério da Educação] e o contato com a língua portuguesa, para eles se comunicarem melhor e serem inseridos.

A capital paraense também tem boas práticas junto aos Warao, que somam 600 pessoas na cidade. Destas​,​ a Fundação Papa João XXIII (Funpapa) informa que 175 estão acolhidos no abrigo institucional do Tapanã, enquanto os demais, em sua maioria, estão concentrados no distrito de Outeiro, divididos entre as comunidades de Itaiteua, Prosperidade e Beira Mar. A Funpapa possui um Núcleo de Atendimento a Migrantes e Refugiados (Namir), que atua diretamente com essa temática, com o objetivo de coordenar, planejar e executar políticas voltadas a eles. Todos os acolhidos estão inseridos no CadÚnico para ter acesso a programas sociais, como o Auxílio Brasil e o programa de renda cidadã Bora Belém.

Visando atender à necessidade dos estudantes adolescentes e adultos, a Funpapa, em parceria com a Acnur, inaugurou um laboratório de informática dentro do espaço. Há também indígenas universitários, que passaram na Universidade Federal do Pará (UFPA). Além disso, o Centro de Inclusão Produtiva (CIP), coordenado pela Funpapa, estabeleceu parceria com o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) para realizar oficinas com os acolhidos com o objetivo de prepará-los para o mundo do trabalho e posteriormente, inclusão efetiva no mercado.

Presidente da Funpapa, Alfredo Costa afirma que existem dois tipos de moradia dentro do programa de abrigamento da Prefeitura: o espaço de acolhimento, em que a responsabilidade é toda da Funpapa com educação, saúde, assistência e outras áreas; e os espaços de autogestão, em que a Prefeitura apenas dá apoio, mas não coordena. “Eles são tratados com dignidade, humanidade e respeito, mas muitos deles não querem estar no abrigo porque lá tem regras. Por exemplo, as crianças não podem sair para o que eles chamam de coleta nas ruas. Mas mesmo no abrigo a ideia é que, aos poucos, eles saiam de forma ordenada, à medida que vão conseguindo emprego, até porque preferem ter vida própria”, afirma.

Na coordenação da Prefeitura, são feitos vários cursos profissionalizantes para tentar incluir os refugiados Warao no mercado de trabalho, por meio de uma parceria com empresas privadas pelo Sistema S, incluindo Senar, Senac e Senai. “Estamos conseguindo devagar, aos poucos, até porque temos um desafio da naturalidade dele, por conta do idioma. Então, primeiro, estamos trabalhando essa qualificação deles de acordo com a nossa realidade, mas sem agredir a realidade natural deles”.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Economia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM ECONOMIA

MAIS LIDAS EM ECONOMIA