Desastres naturais no Pará geram prejuízo de R$ 1,9 bilhão e atingem 67 municípios em 2025
Cresce número de cidades e pessoas afetadas por eventos extremos no estado; Ourém simboliza a vulnerabilidade da Amazônia urbana e rural diante das mudanças climáticas.
A rotina de milhares de famílias paraenses foi interrompida entre janeiro e abril de 2025. Em um intervalo de pouco mais de três meses, o estado enfrentou uma série de desastres naturais provocados por chuvas intensas, inundações, vendavais e deslizamentos. Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 67 municípios foram impactados por fenômenos extremos que afetaram mais de 450,8 mil pessoas e deixaram um rastro de R$ 1,9 bilhão em prejuízos.
A maior parte das perdas ocorreu no setor habitacional, com R$ 1,4 bilhão em danos a residências. O setor público também sofreu um rombo de R$ 457,3 milhões, enquanto os danos privados somaram R$ 27,5 milhões. As cifras colocam o Pará entre os estados com os piores índices de impacto humano e econômico por eventos naturais neste início de ano.
Embora os números sejam alarmantes, fontes ouvidas pelo Grupo Liberal apontam que o drama vivido por essas populações vai além das chuvas — está enraizado em décadas de negligência estrutural, ausência de planejamento urbano e desigualdade territorial.
Comparativo histórico revela escalada de riscos
Nos últimos três anos, o comportamento dos desastres no Pará tem oscilado em volume financeiro e distribuição geográfica, mas com tendência clara de agravamento. Em 2023, foram 55 municípios afetados, com 329 mil pessoas atingidas e prejuízo de R$ 581 milhões. No ano seguinte, o número de atingidos caiu para 174,7 mil e os municípios afetados foram apenas 41, mas os danos superaram os R$ 3,4 bilhões.
Já em 2025, os dados mostram a maior dispersão geográfica e número de pessoas atingidas, o que acende o alerta: os desastres estão se tornando mais frequentes, intensos e abrangentes. “O que estamos vendo é o resultado direto das mudanças climáticas associadas à precariedade das nossas cidades em lidar com eventos extremos”, resume Gianluca Alves, assessor jurídico da Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará (Famep).
29 municípios em situação de emergência
Segundo a Famep, até abril, 29 municípios paraenses decretaram situação de emergência ou estado de calamidade. Entre eles estão cidades como Aveiro, Belterra, Capanema, Monte Alegre, Parauapebas e Tucuruí.
“A diversidade de municípios afetados mostra que não há uma região específica mais vulnerável, e sim um padrão estrutural comum: má infraestrutura, ocupações irregulares, falta de saneamento e drenagem urbana”, explica Gianluca.
Ele aponta que as regiões sudeste, sudoeste, nordeste paraense e áreas do arquipélago do Marajó têm sido especialmente afetadas por estarem em áreas de relevo baixo ou às margens de rios, propícias a inundações.
Ourém: o retrato da vulnerabilidade
A cidade de Ourém, no nordeste do estado, viveu uma das situações mais críticas. Com pouco mais de 18 mil habitantes, o município foi atingido por chuvas intensas que ultrapassaram a média histórica no início do ano. O resultado foi devastador: estradas vicinais ficaram intransitáveis, pontes ruíram, casas foram destruídas, e a zona rural ficou isolada.
“O município foi atingido por chuvas extremamente acima da média. Tivemos alagamentos, erosão do solo, deslizamentos e prejuízos em praticamente todos os setores”, relata Nalva Reis, coordenadora da Defesa Civil municipal.
No dia 11 de abril, a prefeitura decretou situação de emergência. Segundo Nalva, 12 pessoas ficaram desabrigadas e dezenas foram desalojadas.
“Removemos famílias de áreas de risco, usamos máquinas e ambulâncias, com apoio de bombeiros civis e das secretarias de Meio Ambiente e Assistência Social. Mas a estrutura é precária e o apoio psicológico às vítimas ainda é insuficiente”, diz.
A Defesa Civil estadual enviou técnicos e iniciou o processo de homologação para kits emergenciais. A expectativa agora é o reconhecimento federal da situação, o que permitiria ao município acessar recursos do Fundo Nacional de Calamidades.
Falta de preparo e apoio atrasado
Um dos maiores entraves enfrentados pelas prefeituras paraenses é a dificuldade em acessar recursos federais e estaduais. A burocracia, segundo a Famep, torna a liberação de verba lenta e ineficiente.
“Muitas cidades não têm pessoal técnico para preencher os documentos exigidos. Quando o recurso chega, já passou o pico do desastre”, critica Gianluca Alves.
Além disso, a maioria dos municípios ainda não dispõe de planos municipais de gestão de riscos, nem de equipes capacitadas para atuar na prevenção ou na resposta rápida a desastres. “Municípios como Belém e Santarém conseguem reagir melhor, mas os pequenos enfrentam problemas sérios, como falta de equipamentos e de pessoal especializado”, afirma.
Saneamento e habitação precários agravam a crise
Entre os fatores que mais contribuem para a vulnerabilidade das cidades está a ausência de infraestrutura básica, como drenagem pluvial, redes de esgoto e moradias seguras.
“Em muitos casos, as cidades são cortadas por igarapés ou situadas abaixo do nível dos rios. Sem drenagem, qualquer chuva forte vira um desastre”, explica Gianluca.
O problema também afeta diretamente a saúde pública. Segundo a coordenadora Nalva Reis, as enchentes aumentam os casos de doenças endêmicas, como dengue, leptospirose e viroses intestinais. “A sobrecarga no sistema de saúde é imediata. Falta medicamento, acesso e atendimento básico. As equipes locais fazem o possível, mas o cenário é muito além da nossa capacidade”, conta.
Resiliência ainda distante: o que falta?
Para a Famep, tornar os municípios mais resilientes exige uma combinação de recursos financeiros, apoio técnico e vontade política. Algumas das propostas defendidas pela federação incluem:
- Destinação direta de recursos para obras de contenção de encostas e drenagem urbana;
- Treinamento de defesas civis locais;
- Apoio técnico da UFPA e do Serviço Geológico do Brasil para mapeamento de áreas de risco;
- Simplificação dos editais e exigências para acesso ao Fundo Nacional de Calamidades;
- Linhas de crédito emergencial para reconstrução;
- Inclusão de comunidades ribeirinhas e indígenas nos planos de prevenção.
Apesar de alguns avanços, a inclusão de ações de mitigação nos planos diretores municipais ainda é lenta. “A prevenção compete com outras áreas urgentes como saúde e educação. E o planejamento urbano ainda é frágil na maior parte dos municípios”, finaliza Gianluca.
O Grupo Liberal aguarda do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e do governo estadual esclarecimentos sobre as ações que estão sendo adotadas para reduzir os danos aos municípios paraenses.