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Crise econômica intensifica negociações entre entidades patronais e trabalhadores

O Governo Federal ainda não retomou o programa de redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho, considerado fundamental, pelos patrões, para a manutenção dos empregos

Keila Ferreira

De um lado, empresários apontando queda no faturamento e dificuldades financeiras em razão das restrições de funcionamento e fraco movimento nas vendas; do outro, representantes sindicais que condenam as mudanças nas leis trabalhistas promovidas nos últimos anos, sem que houvesse aumento de emprego. É nesse cenário que negociações de data base ou de termos aditivos em acordos coletivos têm desenrolado, neste ano de pandemia e crise econômica.

O Governo Federal ainda não retomou o programa que permite redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho, considerado fundamental por entidades patronais para a manutenção dos empregos. Por essa razão, existem tentativas de acordos com trabalhadores para a implementação de algumas medidas como forma de garantir a sobrevivência das empresas e, consequentemente, dos trabalhos gerados por elas. Algumas categorias também já iniciam as discussões relacionadas à correção salarial e revisão dos termos dos seus contratos coletivos de trabalho.

No caso do comércio lojista de Belém, a data base é só em setembro e o sindicato laboral, geralmente, envia uma proposta em julho. Porém, depois de um período com estabelecimentos fechados em razão do lockdown, restrições no horário de funcionamento e queda nas vendas, empresários e trabalhadores têm se reunido para discutir ajustes no acordo coletivo. Recentemente, por exemplo, houve entendimento para permitir a convocação de funcionários no feriado da sexta-feira Santa.

Segundo o presidente do Sindicato do Comércio Lojista de Belém (Sindilojas), Joy Colares, há quatro temas principais que os empresários do ramo tentam negociar com os trabalhadores, atualmente: uso do banco de horas negativo; forma de remuneração dos feriados que já estão incluídos na convenção coletiva, como o dia 21 de abril e 3 de junho; abertura no feriado do dia 1º de maio; e possibilidade de redução da jornada de trabalho, com respectiva redução do salário, suspensão dos contratos de trabalho, com remuneração compensatória, e antecipação de férias.

No caso dos pagamentos dos feriados, a proposta dos empresários é que os horários trabalhados sejam abatidos, em dobro, do banco de horas negativo (horas pagas, mas não trabalhadas, principalmente em razão do fechamento do comércio ou redução no horário de atendimento). “Porque está havendo um prejuízo econômico para as empresas. Elas não estão podendo descontar do banco de horas, estão pagando os salários e para aproveitar esse feriado, vão ter que despender ainda mais o dinheiro”, declarou Joy.

No que se refere à suspensão de contrato, a proposta é que seja pago ao trabalhador, pelas empresas, uma compensação equivalente a cerca de 30% do valor do salário e, durante esse período, o funcionário faça uma capacitação profissional, por meio do Sindiloja. “Como está havendo uma demora do Governo Federal em reeditar essas medidas, nós estamos tentando compensar isso com um termo aditivo. Mas isso depende de uma aceitação do sindicato laboral e a gente tem informações que a diretoria está tendo muita resistência por parte da base”, declarou Joy Colares.

Ele diz que as lojas estão sem caixas e acredita que a entidade que representa os trabalhadores ainda não percebeu a gravidade da situação. “Não é uma luta capital/trabalho. Se a empresa fechar, o emprego vai junto. Então, está havendo essa reluta do sindicato em concordar com nossas propostas, mas é uma questão de sobrevivência nesse momento, das empresas e dos empregos”.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Lojista no Município de Belém (Sintclobe), Jesus Santana diz que a entidade tem conversado sobre muitas propostas com a diretoria do Sindilojas.

“A questão toda é que os empresários conversam uma situação com o Joy, e nós, que convivemos com o trabalhador diretamente, vemos outra realidade. Nesse feriado que teve agora do dia 02, que teve acordo, muitos empresários descontaram do banco de horas negativo do trabalhador e não foi esse o acordo que nós fizemos. Acabam violando aquilo que a gente negocia e fica difícil negociar outros feriados que já estão na convenção”, declarou, afirmando que o sindicato recebeu denúncias também de lojas que ultrapassaram o horário de fechamento. “A gente entende o momento, de postergação econômica, que o setor do comércio lojista, em todo o Brasil, está entubado, está respirando por aparelho e vai demorar para sair desse estágio que se encontra, mas o trabalhador acaba sendo sacrificado nessa condição que os empresários colocam”.

Jesus Santana cita ainda a reforma trabalhista de 2017. “Ela não gerou emprego. Essa questão de colocar a culpa em pandemia, não acho que isso seja uma desculpa, até porque o país está sendo mal gerenciado pelo Governo Federal, é uma cadeia que se instrumentou para diminuir a condição básica dos trabalhadores do Brasil. Fica muito difícil a gente entrar em negociação, indo buscar informação de que os trabalhadores estão passando situação complicada com relação ao labor dos feriados que estão negociados. Era pra gente ter um capital de trabalho andando lado a lado”.

Quanto à redução de jornada e salário e suspensão de contrato, o presidente do Sintclobe diz que não discutiu isso. “Existe um pedido para (abrir) o dia 1 de maio, que é um dia de resistência. A gente respeita essa data, tem garantido esse dia de não labor e a gente está aqui para somar, desde que a coisa não seja escancarada, não fuja do controle, porque depois pra retomar é difícil pra caramba”.

O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado do Pará (SHRBS-PA), também já havia adiantado à redação integrada do Jornal O Liberal que o setor tem Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) para ser celebrada daqui a cerca de dois meses e a ideia da entidade é negociar com os sindicatos de trabalhadores para, entre outras medidas, conseguir introduzir o desconto do banco de horas negativo no acordo.

No próximo mês, será a data base de outra categoria, a dos rodoviários. “A gente já iniciou a nossa campanha salarial, tendo em vista que ano passado não houve negociação devido o início da pandemia e a gente está pedindo as nossas perdas salariais do ano passado, em relação a 2020 e 2021, mais 5% de reajuste”, explica Everton Paixão, vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários.

Considerando as perdas salariais e a inflação do período, o percentual de reajuste reivindicado pela categoria chega a 15%, tanto nos salários como no tíquete alimentação, auxílio clínica e centro de formação. “A gente sabe que o cenário hoje está difícil, devido a pandemia, devido à redução de receita, mas a gente representa a categoria e vai iniciar esse processo. Já demos entrada no Setransbel (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém). A gente ainda não tem nada, o sindicato apresentou a proposta. São várias reuniões e depois a gente informa a categoria, também de forma virtual”.

Por nota, o Setransbel informou que recebeu a proposta de convenção coletiva dos rodoviários e está formando uma Comissão de Negociação que fará a análise das cláusulas.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) assessora vários sindicatos. Para o supervisor técnico da entidade, Roberto Sena, de maneira geral, as conversas para fechamento de acordos com o argumento de manutenção de empregos pouco têm avançado. “Eu não chamo isso de negociação. Mas a nossa posição, é muito clara: primeiro a gente foi contra essas medidas de suspensão de contrato de trabalho. As demissões ocorreram, bateram recorde. Nós, do Dieese, temos um pé atrás, a princípio, contra esse tipo de acordo. A gente tem que verificar, à fundo, cada acordo feito”.

Sena acredita que alguns setores econômicos têm se aproveitado da pandemia para retirar mais direitos dos trabalhadores. “O argumento é esse: a gente não senta porque começou a pandemia, porque está quebrado. Alguns acordos foram feitos e, dependendo da categoria, chamaram o sindicato ou não. Os programas que colocaram do governo, como suspensão e redução da jornada, foram feitos à revelia de tudo, o trabalhador assinava com o empresário e não com a representação sindical, e as demissões continuaram”, avalia. 

Segundo ele, a data base da maioria das categorias é entre março e novembro. “Quem tem que botar proposta em cima da mesa são os trabalhadores. Eu não acredito em benefício de setor patronal. Lutaram para acabar com representação de trabalhadores, leis trabalhistas. De uma maneira geral, nós não acompanhamos, pelo Dieese, acordo dentro da pandemia, para estar discutindo forma de demissão, de suspensão de contrato de trabalho, formas de pagamento, e eu tenho poucas informações sobre número de sindicatos que fizeram isso, porque grande parte das coisas foram feitas sem ter anuência de sindicato. A situação foi e está sendo muito ruim para a classe trabalhadores, com exceções”.

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