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Cfem contribui com a saúde financeira de municípios paraenses

Estudo mostra a importância da compensação para as cidades mineradoras, mas alerta sobre o uso de recursos para pagamento de pessoal

Elisa Vaz
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Criada pela Constituição de 1988, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) é o principal tributo sobre a extração mineral distribuído para as prefeituras, cobrado sobre as vendas líquidas das empresas e que tem o objetivo de compensar autoridades locais pelo impacto da mineração no local. Entre 2007 e 2020, R$ 8,5 bilhões foram transferidos aos municípios paraenses, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), que gerencia a Cfem. Estudo desenvolvido por pesquisadores da Climate Policy Initiative (CPI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) mostra a importância desses recursos para a saúde financeira dos municípios, mas também alerta para a aplicação de parte do dinheiro em pagamento de dívidas ou no quadro de pessoal, embora a ANM estabeleça que os valores originados da compensação não podem ter essa destinação. 

A maior parte da arrecadação de royalties no Estado provém da extração de minério de ferro, seguida por cobre e bauxita. A mineração destes produtos é bastante concentrada geograficamente, com as cidades de Parauapebas e Canaã dos Carajás recebendo 80% da compensação destinada a municípios paraenses no período – os dois municípios possuem operações focadas na extração de minério de ferro e cobre, respectivamente. Outras prefeituras com volumes significativos de royalties são Marabá, sendo cobre o principal produto; Itaituba e Novo Progresso, com ouro; e Paragominas e Oriximiná, que extraem bauxita. Curionópolis e Terra Santa estão entre as cidades que mais receberam royalties per capita. Estes nove municípios estão concentrados em três grupos geográficos.

O número de municípios com receitas de royalties aumentou, mas, conforme aponta o levantamento da PUC, a maioria das prefeituras que começaram a receber os recursos recentemente recolhe menos de R$ 50 por habitante, enquanto as cidades com atividades mineradoras mais consolidadas podem receber até mais de R$ 500 por habitante. “Isto mostra que a distribuição de royalties no Pará continua concentrada nos mesmos municípios que historicamente mais ganharam recursos da Cfem”, mostra.

Ao analisar as receitas provenientes da Cfem em todos os municípios paraenses, o estudo ainda identificou que o aumento de R$ 1 no recebimento de royalties está associado a uma alta equivalente nas despesas municipais. Metade do aumento nos royalties da mineração seria direcionada para cobrir despesas correntes, principalmente salários e pensões, e a outra metade, investimentos. Sendo assim, verifica-se a ausência de um crescimento maior nos gastos, o que sugere que o esforço fiscal diminui quando os royalties aumentam. Isso, segundo a entidade, contraria o regulamento da Cfem, que diz que a atividade econômica local deveria crescer junto com a arrecadação de royalties.

Mineração deve deixar legado para gerações futuras

Pesquisador, o analista sênior de infraestrutura no CPI/PUC-Rio, Rafael Araújo, explica que o objetivo desses recursos é que sejam investidos nas cidades para gerar melhorias nas áreas necessárias, como saúde e educação, até para cumprir a ideia de compensar os municípios pelos efeitos da atividade de mineração. Além disso, há a ideia de que se tenha uma distribuição mais justa do recurso ao longo do tempo, entre gerações. “Na mineração, esses recursos vão se esgotar, então é de interesse social que as futuras gerações possam se beneficiar de alguma forma da exploração desse recurso. Existem esses dois focos: compensar a população local ajudando os municípios que estão sendo afetados pela mineração e fazer uma distribuição mais justa entre as pessoas”, avalia.

No entanto, Rafael diz que mesmo com o alto valor recebido pelo Pará por meio da Cfem, ainda é possível observar um certo desequilíbrio entre o aumento da compensação e o desenvolvimento humano, medido pela qualidade da saúde, da gestão, emprego formal, renda, abandono, educação infantil, porcentagem de mulheres que fazem pré-natal, mortalidade infantil, violência e outros indicadores. Segundo ele, o resultado não é surpreendente e outros estudos apontam para a mesma problemática em outros locais, a exemplo da Índia, Nigéria e no próprio Brasil, com o petróleo.

O pesquisador atribui a situação à existência de instituições fracas para fazer fiscalização e, antes disso, definir as “regras do jogo” quanto à destinação da Cfem. “A compensação é distribuída aos municípios, mas há regras, os recursos não deveriam ser alocados em gastos correntes. Gostaríamos que as regras do jogo fossem bem divididas. Constatamos, olhando para dados do orçamento, que a área mais impactada e que mais aumenta é a de salários e pensões. Chega o dinheiro na Prefeitura e ele é alocado diretamente para esse gasto corrente, não é saudável”, declara.

Rafael Araújo diz que funciona da seguinte forma: se a prefeitura fosse investir R$ 1 em habitação e recebe R$ 1 pela Cfem, o que pode acontecer é que ela pega R$ 1 da habitação e aplica em outra área, e depois investe R$ 1 recebido pela Cfem na área de habitação. Assim, ela cumpre legalmente a ideia de investir o dinheiro da compensação em áreas importantes para a sociedade. Só que, em vez de ter R$ 2 investidos na habitação, como deveria ocorrer, fica apenas a metade disso, que já estava prevista. Rafael diz que fica no “zero a zero”. “Estes resultados mostram que as Prefeituras encontram maneiras de ajustar o orçamento para privilegiar os gastos em salários e pensões”, diz o estudo.

A alíquota máxima da Cfem tem variado ao longo do tempo entre 3% e 4%. O destino desta compensação também tem variado, porém, a mais recente legislação estabelece que 75% da arrecadação seja destinada aos municípios, 15% aos Estados e 10% à União.

Prefeituras ficam vulneráveis

O levantamento ainda ressalta a preocupação de que as prefeituras enfrentam um cenário de vulnerabilidade fiscal ao dependerem dos royalties para pagamento de despesas correntes. Isso porque o preço dos recursos minerais flutua significativamente e a compensação depende das receitas das mineradoras, o que implica que os royalties também flutuam significativamente. Algumas cidades no Pará, segundo o documento, são altamente dependentes dos recursos da Cfem para financiar o serviço público. Dados do Tesouro Nacional mostram que esta é a situação de Canaã dos Carajás, onde os royalties representam 63% da arrecadação do município, e Parauapebas, 40%. Enquanto esse índice para Oriximiná, Curionópolis e Terra Santa é de cerca de 20%.

A reportagem entrou em contato com as prefeituras mais impactadas pela mineração no Pará. Uma das principais, a de Canaã dos Carajás, informou que, nos últimos dez anos, a cidade recebeu cerca de R$ 2,7 bilhões de Cfem, valor de repasse que cresceu principalmente a partir de 2018, com o início da operação da mina S11D, da Vale. Apenas no ano passado, a compensação foi responsável por cerca de R$ 1 bilhão na arrecadação municipal.

“O valor que recebemos dos royalties e o percentual dele em relação ao orçamento é variável. Depende de oscilações como a cotação do dólar, o preço do minério de ferro no mercado internacional e a variação da produção. Nosso orçamento não seria o mesmo sem essa receita. Ao mesmo tempo, não podemos utilizar esse recurso para pagamento de servidores e custeio da máquina, por isso temos um planejamento sério para que esse recurso seja investido em áreas que possam nos gerar outras receitas no futuro, como infraestrutura, educação e turismo”, garante a administração.

O órgão ainda afirmou que Canaã dos Carajás segue rigorosamente o que diz a lei em relação à aplicação dos royalties da mineração e vem se preocupando com o uso desses recursos para criar um ciclo de desenvolvimento que permita a diversificação econômica. “Temos, por exemplo, em andamento, um programa que prevê o investimento de mais de R$ 1 bilhão em ações estruturantes, como construção de estradas regionais, de um aeroporto e de parques que melhorem a qualidade de vida e estimulem o turismo. Além disso, a cidade aposta na atração de universidades – já temos mais de dez cursos da Unifesspa – e de indústrias para o nosso polo industrial”.

A ideia, segundo a nota da prefeitura, é transformar o município em um polo educacional na região, de inteligência e tecnologia, e que esse desenvolvimento trazido pela mineração deixe um legado para as futuras gerações. Canaã conta com um Fundo de Desenvolvimento Econômico, que recebe 5% de todos os royalties da mineração para investir no fortalecimento dos negócios locais, com juros baixos, diz a entidade. Esses investimentos já teriam gerado resultados positivos.

Atualmente, a aplicação dos recursos recebidos pela Cfem tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem no município e isso tem sido demonstrado pelos indicadores dessas áreas, diz a Prefeitura, citando que Canaã apareceu na liderança do último ranking do índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) no Pará, à frente de capitais como Aracaju, Porto Velho, Salvador, Maceió, Manaus, Macapá, além de Belém, capital do Estado.

As prefeituras de Marabá, Parauapebas e Paragominas, também procuradas pela reportagem, não deram retorno sobre os questionamentos. 

Simineral

Em resposta a uma solicitação feita pelo Grupo Liberal, o Sindicato das Indústrias Minerais do Pará (Simineral) informou que, nos últimos anos, os valores da Cfem apresentaram um crescimento, em razão dos novos projetos e também do aumento da produção das operações. A variação do dólar e os preços de algumas commodities também impactaram positivamente em alguns casos, diz a entidade. "De acordo com dados da ANM, no Brasil, em 2021, a arrecadação da Cfem totalizou R$ 10,2 bilhões, beneficiando 2.635 municípios brasileiros. Desse total, R$ 4,8 bilhões tiveram origem no Estado do Pará, representando cerca de 46,8% do total, com um crescimento de 54,65% em relação ao valor arrecadado pelo Estado no ano anterior", afirma a nota enviada.

O Simineral explica que, dentro da mineração legal, as operações cumprem contratos com valores já determinados anualmente, havendo flutuação em casos específicos, de forma mensal, por conta, por exemplo, de interferências climáticas, características dos primeiros meses do ano no Pará. 

"A atividade mineral está presente em todas as regiões do Pará. Dentre os principais municípios paraenses arrecadadores da Cfem destacam-se Parauapebas, Canaã dos Carajás, Marabá, Curionópolis, Paragominas, Itaituba, Terra Santa e Oriximiná. Em 2021, a Agência Nacional de Mineração revelou, ainda, que o Pará foi o maior arrecadador da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais do Brasil. Ao todo, foram 69 municípios do Pará e 222 empresas recolhedoras de CFEM, em 2021. Nesse contexto, Parauapebas e Canaã dos Carajás despontam no cenário brasileiro como os maiores arrecadadores, representando 42% da Cfem", destaca o Sindicato.

 

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