Carga tributária avança: Paraenses já pagaram R$ 19,9 bilhões em impostos até início de maio
Tributação pesada pressiona setores econômicos, impacta o consumidor e revela um sistema ainda distante da eficiência fiscal esperada com a reforma tributária.
Os paraenses já pagaram R$ 21,7 bilhões em impostos apenas entre 1º de janeiro e 7 de maio de 2025, um crescimento de 8,75% em relação ao mesmo intervalo de tempo de 2024, quando o Pará havia pago R$ 19,9 bilhões em tributos. Em nível nacional, a contribuição foi de R$ 1,42 trilhão no mesmo período. Os números, divulgados pelo Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), reflete uma alta carga tributária que afeta desde o setor produtivo até o consumidor final, colocando em pauta a efetividade da recente reforma tributária e a necessidade de maior transparência e eficiência na gestão dos recursos públicos.
Esses dados revelam não apenas o peso do sistema tributário no bolso do cidadão, mas também a eficácia crescente do aparato arrecadador do Estado. A arrecadação paraense representa 1,44% do total da arrecadação do Brasil até o momento neste ano.
Enquanto a arrecadação cresce, representantes de diferentes setores do Pará questionam o impacto da carga tributária sobre o consumo, a desigualdade social e a competitividade do setor produtivo. A nova reforma é vista com ceticismo por uns e esperança por outros, mas ainda deixa dúvidas sobre os reais efeitos.
A visão do tributarista: Reforma não reduz carga, só reorganiza
Para o advogado tributarista Márcio Maués, a arrecadação crescente não é acompanhada por uma entrega proporcional de serviços públicos à população, o que evidencia um desequilíbrio estrutural. “Com os valores dos tributos que o cidadão recolhe, deveríamos ter serviços e obras públicas de países de primeiro mundo”, critica.
Maués aponta que o sistema tributário brasileiro ainda concentra a incidência no consumo, penalizando proporcionalmente mais os cidadãos de baixa renda.
“Quando diferentes classes sociais consomem o mesmo produto, a renda das famílias mais pobres é impactada de forma mais severa. Certamente quem ganha mais sentirá menos o peso do tributo”, avalia. Para ele, é essencial que o sistema seja reformulado com base em justiça social e eficiência.
A recente reforma tributária, embora apresente avanços pontuais — como a substituição de tributos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o Imposto Seletivo —, não trouxe alívio efetivo na carga fiscal, segundo o tributarista.
“A reforma tornará a arrecadação mais eficiente, mas não reduzirá a carga tributária”, afirma. Na visão de Maués, as mudanças não simplificam o processo de arrecadação de forma significativa, tampouco representam um benefício claro para uma classe específica. “É prematuro dizer que a reforma favorecerá determinada camada da sociedade”, diz.
VEJA MAIS
Além disso, ele reforça que tributos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) seguem sendo um dos principais vilões do orçamento das famílias brasileiras, e que a burocracia ainda é um entrave para o desenvolvimento econômico do país.
“Para um sistema tributário mais justo, é necessário reduzir a carga tributária e desburocratizar o serviço público. Só assim o contribuinte poderá desenvolver sua atividade econômica sem o peso excessivo do Estado”, conclui.
A visão do economista: Reforma é avanço técnico, mas ainda há riscos de injustiça fiscal
De acordo com o economista Nélio Bordalo Filho, conselheiro do CORECON PA/AP (Conselho Regional de Economia dos Estados do Pará e Amapá), o crescimento da arrecadação de tributos está diretamente ligado à recuperação parcial de setores econômicos, ao aumento da massa salarial e, principalmente, à maior eficiência na cobrança dos tributos, impulsionada por sistemas automatizados e ações mais incisivas contra a sonegação.
Além disso, medidas recentes como a inclusão dos super-ricos na base de contribuintes e o reajuste de alíquotas de tributos como a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido) e o IR sobre Juros sobre Capital Próprio também contribuíram para o cenário de arrecadação elevada.
No entanto, Bordalo alerta que esse avanço ocorre em um sistema que continua sendo excessivamente complexo, cumulativo e, sobretudo, regressivo — ou seja, impacta de forma mais pesada os mais pobres, já que a maior parte da arrecadação ainda recai sobre o consumo.
Para o economista, a alta carga tributária brasileira, quando combinada com má gestão, corrupção e alocação ineficiente de recursos públicos, compromete a entrega de serviços básicos e acentua a desigualdade social.
“Pagamos muito e recebemos pouco em troca, especialmente se compararmos com países que arrecadam em níveis semelhantes ao Brasil”, critica.
A reforma tributária aprovada, na visão de Bordalo, representa um passo positivo ao propor a simplificação do sistema por meio da unificação de tributos em um modelo de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Ele destaca que essa mudança tende a reduzir a burocracia, melhorar a transparência e atrair investimentos, ao proporcionar maior segurança jurídica.
No entanto, ele pondera que os efeitos práticos dessa transformação ainda dependem de como serão conduzidas questões críticas como a harmonização das alíquotas entre estados e municípios, as regras de transição e a garantia de que a carga fiscal não aumentará para os mais pobres nem para setores produtivos essenciais.
“O momento é de transição. No curto prazo, empresas e governos enfrentarão desafios operacionais, mas no médio prazo, espera-se uma estrutura mais racional, justa e eficiente”, conclui o economista.
A visão da indústria da carne: Reforma ainda é nebulosa e pode penalizar parte do agro
Daniel Freire, presidente do Sindicarne/PA (Sindicato da Carne e Derivados do Estado do Pará) e vice-presidente da FIEPA (Federação das Indústrias do Estado do Pará), chama atenção para a complexidade da carga tributária sobre o setor de proteína animal e para a incerteza provocada pela falta de regulamentações claras da nova reforma.
Ele explica que, no modelo atual, a carne é reconhecida como item essencial da cesta básica, o que garante um tratamento tributário diferenciado, sobretudo no âmbito estadual, onde o ICMS representa o maior peso na formação de preços.
“A carga média praticada pelo regime diferenciado de ICMS para o setor gira entre 1,3% e 1,4%, muito abaixo dos 3,8% aplicados a produtos sem qualquer benefício”, destaca.
Freire também observa que, no plano federal, o PIS e a COFINS seguem a mesma lógica, com alíquota "zero" para grande parte dos produtos oriundos do abate, o que viabiliza o consumo da carne pelas famílias brasileiras.
No entanto, ele alerta para o custo da logística — especialmente do frete — como um ponto sensível na cadeia de formação de preços, e que ainda sofre forte tributação. A expectativa é que haja avanços nessa área com a nova estrutura, mas isso ainda depende da definição de regras claras.
Sobre a reforma tributária já aprovada, o presidente do Sindicarne/PA é categórico: falta transparência quanto aos seus efeitos práticos.
“Apesar de termos alíquotas base, a ausência de regulamentações impede a mensuração real dos impactos nas operações cotidianas”, afirma.
Ele salienta que a reforma promete neutralidade, mas é incerta quanto à redistribuição da carga entre os setores produtivos. “É muito provável que o peso aumente sobre o setor de serviços e parte da cadeia do agro, que antes não era tão alcançada pela tributação sobre o consumo. Isso pode servir para compensar possíveis reduções em outros segmentos, como o comércio”, completa.
Para Freire, é preciso cautela e monitoramento constante dos desdobramentos da reforma para garantir que a competitividade do setor e o acesso da população à carne não sejam comprometidos.
A visão do comércio varejista: Tributação pressiona lojistas e alimenta informalidade em Belém
Segundo Eduardo Yamamoto, presidente do Sindilojas (Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Belém), o crescimento de 8,75% na arrecadação estadual — que chegou a R$ 21,7 bilhões entre janeiro e 7 de maio de 2025 — revela não apenas o aumento da pressão fiscal, mas também a dificuldade crescente do setor em manter sua competitividade.
“Isso significa margens de lucro mais apertadas, dificuldade de repassar os custos ao consumidor e uma competição cada vez mais desigual com grandes redes e com o comércio informal”, afirma.
O cenário é agravado por outro dado alarmante: conforme Yamamoto, o Pará lidera o índice de informalidade no país, com mais de 58% dos trabalhadores fora do mercado formal, e Belém concentra boa parte dessa realidade.
Segundo o Sindilojas, muitas microempresas têm optado por não se formalizar ou, pior, fechar as portas. No primeiro semestre de 2025, diversas operações de pequeno porte encerraram suas atividades ou migraram para a informalidade, refletindo o ambiente de negócios cada vez mais hostil para o varejo local.
Yamamoto destaca que a reforma tributária, ao propor a unificação e simplificação de tributos, pode representar um alívio ao reduzir o “efeito cascata” e facilitar a recuperação de créditos tributários, melhorando o fluxo de caixa dos lojistas.
Contudo, ele alerta para os riscos de aumento da carga efetiva sobre bens e serviços, especialmente se houver alíquotas adicionais para o segmento varejista ou se estados e municípios elevarem tributos locais para compensar perdas de arrecadação.
“É fundamental que qualquer mudança venha acompanhada de diálogo amplo com o setor, regras claras de transição e salvaguardas que garantam a competitividade do varejo de Belém”, defende.
A visão da panificação: Setor teme aumento de custos e defende simplificação tributária
Para o setor de panificação e confeitaria do Pará, a carga tributária vigente representa um desafio crescente à sustentabilidade dos negócios. Conforme André Carvalho, presidente do Sindipan/PA (Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria do Pará), os tributos elevados sobre insumos e produtos acabam pressionando os custos de produção e forçando os proprietários a repassar os aumentos aos consumidores, o que encarece o pão nosso de cada dia.
“A margem de lucro das padarias fica cada vez mais estreita, dificultando a manutenção de preços competitivos frente a grandes redes e à informalidade”, alerta.
Carvalho também chama atenção para os impactos potenciais da reforma tributária sobre o setor. Embora exista uma expectativa positiva quanto à simplificação do sistema, há uma preocupação real com possíveis elevações nos tributos incidentes sobre insumos básicos.
“Mudanças mal calibradas na legislação podem tornar a produção ainda mais cara. Por outro lado, se bem estruturada, a reforma pode trazer alívio ao setor, com redução de carga e menos burocracia”, avalia.
Hoje, a gestão tributária é um obstáculo operacional para boa parte das padarias, especialmente as de pequeno porte. Falta acesso a informações claras, apoio técnico e orientação adequada sobre as obrigações fiscais. Isso acaba gerando insegurança, erros frequentes e até penalidades que comprometem o desempenho do negócio.
“A burocracia desvia o foco da produção e da qualidade do serviço prestado”, ressalta o presidente do sindicato. Para Carvalho, incentivar a formalização e promover competitividade por meio de regras mais justas e acessíveis são caminhos fundamentais para garantir a sobrevivência e o crescimento das padarias e confeitarias no Pará.
Tributação de alguns itens populares no Brasil
Segundo o impostômetro, a carga tributária atinge de forma desigual diferentes segmentos de produtos. No agronegócio, os principais itens tributados são:
- Camarão: 37,94%
- Chester, peru e pernil: 35,78%
- Frango: 31,22%
- Carne bovina: 30,02%
Entre os alimentos industrializados, a tributação também pesa:
- Bombons: 38,44%
- Chocolate: 38,25%
- Leite em pó: 36,50%
- Manteiga e geleia: 36,26%
- Biscoito, bacalhau e iogurte: 34,58%
- Café em pó não solúvel: 20,97%
Nas bebidas, o peso fiscal é ainda mais evidente:
- Cerveja: 39,07%
- Refrigerante: 36,56%
- Suco pronto: 36,50%
- Água mineral e água de coco: 22,04%