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Camelô ocupa prédio público em Belém para sobreviver

Mulher de 47 anos vive com as filhas em um prédio abandonado em Belém, após ser despejada de terreno particular

Natália Mello / O Liberal

Aos 47 anos, Rosa precisou de coragem – motivada pelo desespero de ficar sem ter um teto para morar com as duas filhas –, para ocupar um espaço público abandonado em Belém, após ser despejada do prédio onde, segundo ela, passou os últimos 13 anos pagando um valor alto de aluguel. Mas a camelô conta que essa não é a primeira vez que vive em um espaço público sem utilização. A insegurança quanto à moradia é vivenciada por ela desde os 17 anos de idade.

Ainda adolescente, Rosa foi trabalhar em uma barraca no Ver-o-Peso e, já sem o apoio dos pais, revela: morava “em qualquer canto”. Hoje, mãe de Vitória, de 13 anos, e Alzira, de 10, luta para não viver nas ruas com as filhas. “Eu tenho oito filhos, uma de 32 até morreu recentemente, de coronavírus. Difícil, porque como não podia criar, eu entregava para alguém criar, né? Mas essas duas que estão comigo para tudo. Já morei na Rua 15 de Novembro, lá eu também invadi. Quando mandaram a carta para eu ir embora, eu fui para a Cidade Velha, mas lá comecei a perder os meus fregueses”, conta.

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A narrativa sobre a trajetória de Rosa perpassa sempre pelo trabalho exercido pelos camelôs, de onde tira o sustento da família. Ela conta que passou toda a vida guardando e reparando os carrinhos dos trabalhadores e vendendo água, refrigerante, água de coco, até que, há alguns anos, teve um prejuízo grande após sofrer um furto. “Roubaram um carrinho que eu guardava e com camelô não se pode brincar, aí perdi 20 mil reais porque tive que pagar o carrinho. De lá da Cidade Velha, um dia fui andando e lembro bem de ir no barbeiro e dizer que precisava alugar um prédio, porque não sabia mais para onde ir”, explica.

A autônoma narra o percurso: da Cidade Velha, com Vitória ainda pequena, entrou no salão do barbeiro e de lá seguiu para a Igreja das Mercês, onde decidiu entrar e fazer uma prece. “Falei: ‘Deus, se o senhor tiver muita pena de mim, me aluga um prédio, porque não é justo isso que eu estou passando’. Quando passei na volta de novo com o barbeiro ele disse que ligou para um conhecido e disse que uma conhecida estava precisando alugar um lugar para morar. E foi lá que eu morei 13 anos, só que o barbeiro me enganou. Ele ficava com metade do meu dinheiro. Agora que fui expulsa de lá, tive que encontrar outro lugar para viver”, afirma.

A decisão de invadir um imóvel foi gradativa, mas precisou ser assertiva. O local, antes da sua ocupação, era ambiente de transeuntes e usuários de drogas. Segundo Rosa, a própria polícia disse que, se ela realmente fosse ocupar o espaço, que cuidasse do prédio, abandonado há cerca de cinco anos. “Eles me perguntaram: ‘a senhora que vai tomar de conta? Se a senhora quer tomar conta, tome de conta’, e disseram que graças a Deus ocupei, porque acabou aquela camaradagem que ficava lá, toda semana recebendo denúncia de assalto, de ponta a ponta na rua, todo mundo reclamava”, relata.

Há alguns dias no local, ela abriga ainda outras duas pessoas, inclusive dois dos que habitavam e circulavam no espaço antes dela chegar. Sem ter dinheiro para comprar ou alugar uma casa, ela conta que fica triste ao ver um prédio “jogado fora”, principalmente por saber que não tem dinheiro para construir. Mas garante o cuidado que o espaço deveria receber do poder público.

“Pelo menos quando for para me tirar vai ‘tá’ metade consertado. Peço muito que não me tirem daqui. Eu não tenho casa já faz muito tempo. Tenho 47 anos, ‘tô’ cansada. Parece que quero ficar com o prédio e não quero, só quero trabalhar e criar minhas filhas. Bora ver o que vai acontecer, mas tenho fé em Deus que vou ficar, e vou limpando enquanto não chega ninguém aqui, vou limpando, tirando lixo, e vou cuidando do prédio, que nem eu fiz com o outro que morei”, diz.

Sobre o futuro, tão incerto para Rosa, ela projeta: quer ter uma casa ou até mesmo um espaço para que possa trabalhar como camelô e cuidando dos materiais dos colegas de ofício. “Cada carrinho que eu guardo ganho três reais, e vou juntando. Mas bora ver o que vai acontecer com esse prédio aqui, quero passar pelo menos Natal e Ano Novo. Eu ‘tô’ cansada, tenho 47 anos já. Olha como ‘tá’ minha voz, ‘tô’ há cinco dias sem dormir. Hoje a gente não sabe nem se a gente vai comer. Se chegar alguém ‘pra’ comprar cigarro, água, água de coco, a gente come, senão a gente não come”, finaliza.

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