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‘Bicos’ ocupam quase 40% da população

Trabalhadores autônomos e informais dizem que flexibilidade e maiores ganhos são principais atrativos desse mercado

Fabrício Queiroz

A informalidade ainda é responsável por um grande contingente dos trabalhadores ocupados no Brasil. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) mostra que o país fechou o trimestre de setembro a novembro de 2022 com 38,8 milhões de trabalhadores informais. O número é 0,8% menor quando comparada com o trimestre anterior, mas o contingente ainda é expressivo e representa 38,9% da força de trabalho brasileira, que conta atualmente com 99,7 milhões de pessoas.

Apesar da retração no segmento, as ocupações informais, os chamados bicos, ainda são alternativas visadas por muitos trabalhadores para sair do desemprego. Para outros, a informalidade não é vista como uma saída, mas sim como uma escolha, já que determinadas ocupações ofereceriam mais vantagens do que ter a carteira de trabalho assinada. É a avaliação que faz o entregador Marllon Rodrigo, 35 anos, que já foi militar, repositor, pedreiro, eletricista, segurança e auxiliar de cozinha industrial, mas há cerca de quatro meses deixou de buscar por um emprego formal para atuar no ramo de delivery.

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Para ele, os benefícios vão além dos financeiros e envolvem, por exemplo, o fato dele ter perdido 12 kg com a atividade, além de que ele mesmo é responsável por estabelecer os horários de trabalho, período de descanso e dia de folga. “Eu não faço questão de um emprego porque as condições que a empresa que colaboro me dá são melhores do que as que eu encontro no mercado de trabalho formal”, ressalta.

Essa é a mesma visão do mototaxista Eduardo Damasceno, 26 anos, que já trabalhou como entregador de delivery e há um ano realiza corridas por meio de aplicativos de mobilidade. “Para ser entregador você trabalha basicamente o mesmo tempo e recebe bem menos. Eu escolhi essa ocupação porque eu não gosto de estar aprisionado a ninguém. Não quero estar em um local trabalhando 30 dias para receber depois um salário mínimo. Essa foi uma solução que eu encontrei para um problema”, relata o trabalhador, que enumera alguns benefícios. “É um trabalho que não me sobrecarrega, não me estressa e eu não ganho pouco”.

A prestação de serviços por meio de plataformas também foi uma escolha consciente da motorista de aplicativo Paula Maia, 39 anos. Ela é formada como gestora de RH e já atuou em diferentes empresas com carteira assinada, mas desde 2017 optou por atuar neste segmento em evidência. “Eu me formei, atuei, mas não me identifiquei. Como eu amo dirigir, eu resolvi unir o útil ao agradável. Eu prefiro não ter vinculo nenhum porque aqui eu tenho meu horário flexível, faço a minha meta e não dependo de ninguém, só de mim mesma e era o que eu procurava”, comenta Paula, que mesmo satisfeita com o trabalho atual começou a empreender no ramo de venda de confecções.

“Aqui no aplicativo eu tenho um bom retorno. A empresa ainda está no início, então eu tenho ainda dificuldade de levar adiante, mas eu estou tentando porque aqui eu já tenho uma boa experiência”, diz ela que atualmente passa meio expediente dirigindo e outra metade tocando a empresa própria. “Não penso em sair. Eu estou bem tranquila, eu gosto de dirigir, gosto de lidar com as pessoas, é um trabalho que eu gosto muito”, reitera.

Em suma, a maior liberdade e os ganhos financeiros maiores estão entre os principais fatores favoráveis do trabalho informal. Porém, Andréa Chaves, que é doutora em desenvolvimento socioambiental, professora da Faculdade de Ciências Sociais da UFPA e pesquisadora da área de sociologia do trabalho, questiona essas vantagens imediatas. Para ela, a fortalecimento recente da informalidade tem relação com o fortalecimento de uma cultura laboral em que se busca a contínua desregulamentação.

“Até os anos 1970, o trabalho vinculado à ideia da regulação pelo Estado com direitos trabalhistas instituídos, onde o símbolo maior é a carteira de trabalho. Contudo, esse modo de produção taylorista fordista vai se transformando na direção da flexibilização das relações de trabalho. Hoje, o que a gente vê e chama de liberdade é a flexibilização das relações. Eu posso tomar a decisão de escolher o melhor horário para trabalhar, porém o meu trabalho é destituído da regulamentação que me dá garantias”, explica a docente.

Na análise de Andréa Chaves, o processo de desindustrialização dos países no cenário de crescimento da economia chinesa também contribuiu para o avanço da informalidade. Mas a pesquisadora enfatiza que mesmo em um cenário anterior, esse mercado sempre teve espaço no modo de produção capitalista, sendo que atualmente estaria se intensificando.

“O avanço tecnológico implementa o que a gente chama de fase de um capitalismo de plataforma, em que a prestação de serviços, como, por exemplo, a mobilidade urbana passa a ser atendida por um nicho de trabalhadores desempregados, em que eles podem melhorar a renda, complementando com alguma outra tarefa; ou no momento do desemprego se usam da associação a essas plataformas sem ter nenhuma proteção trabalhista. Isso fragiliza o trabalho rumo ao que se chama de precarização”, salienta Andréa. Para a professora, os rumos que as relações trabalhistas tomarão nesse contexto de desregulamentação versus tentativa de assegurar direitos será o grande dilema do século XXI.

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