Apenas 42% das mulheres adotam sobrenome do marido no Pará
Antes obrigatória, a troca de sobrenome tem deixado de ser uma tendência
O percentual de mulheres que adotaram o sobrenome do marido no casamento caiu para 42% no Pará em 2022, segundo a Associação dos Notários e Registradores do Pará (Anoreg-PA), contra os 48% registrados no ano passado. Até o advento do Estatuto da Mulher Casada, em 1962, o acréscimo do sobrenome do marido era obrigatório para a mulher e, de lá para cá, tem deixado, cada vez mais, de ser uma tendência. Vinte anos atrás, o percentual de mulheres que adotavam o sobrenome do marido no casamento representava 83%, mas entrou em queda a partir de então: na primeira década desta mudança, até 2010, a média de mulheres que optavam por essa escolha passou a representar 75%; já na segunda, de 2011 a 2020, passou para 63%.
Relações profissionais pesaram
Médica ginecologista e obstetra, Gabriela Borborema, de 32 anos, foi uma das que deixaram o tradicionalismo de lado. Ela optou por manter o sobrenome de família ao se casar, e um dos motivos foi o reconhecimento perante a sociedade, já que havia construído todas as relações profissionais e pessoais com essa denominação. Gabriela sentiu que não seria mais identificada como ela própria e, mesmo que incluísse o sobrenome do marido no seu, acabaria não usando tanto por questões de relacionamento social e profissional.
“Me casei com 30 para 31 anos, todos já me conheciam pelo meu sobrenome, que é da minha mãe. Eu ia trocar, tirar o nome da minha mãe, que é o que convencionalmente tiram, e colocar o do meu esposo, mas todo o meu trabalho profissional foi em cima do meu nome, nem ia utilizar o dele, então seria só por questões patriarcais e burocráticas, para mim não fez sentido. É uma decisão que tomei sozinha, tinha em mente ao longo dos anos e só foi se fortalecendo cada vez mais, não queria essa dor de cabeça para mim e resolvi não trocar. Conversei com meu esposo, ele é superaberto e superrespeitoso, me apoiou desde o início. Claro que ele gostaria que eu adicionasse o nome dele, mas, como para mim era importante, ele me apoiou e não tem nenhum problema em relação a isso”, conta a médica.
Praticidade
A praticidade de não precisar mudar o nome também motivou Gabriela. Isso porque o processo pode ser complexo: a alteração ocorre em todos os documentos pessoais, como RG, CNH, título de eleitor, passaporte, cadastro bancário, registros imobiliários e no local de trabalho. Além de dizer que não tinha disponibilidade para fazer todo o trâmite burocrático, a ginecologista ainda teve um exemplo em casa – os pais foram casados e depois se separaram, e a mãe de Gabriela precisou fazer o processo duas vezes, para incluir o nome de casada e depois para voltar ao de solteira. “Óbvio que a gente casa para não se separar, mas as coisas acontecem e eu ia ter que trocar duas vezes se tivesse que me separar por algum motivo. Por tudo isso achei melhor ficar com meu nome de solteira, que os meus pais colocaram na certidão”.
Para ela, a mudança de comportamento na sociedade pode ser símbolo de mais igualdade e equidade de gênero. A médica Gabriela Borborema considera que, no período em que era obrigatória a troca de nome, a mulher era muito mais vista como um objeto adicionado à família do esposo, e que não tinha vontade própria.
“Graças a Deus, atualmente, isso não é obrigatório, pude fazer minha escolha e tenho meus motivos. Tem mulheres que gostam de modificar o nome para construir uma família, mas eu acredito que não é porque tenho ou não o sobrenome do meu marido que serei da família dele. Casei com ele e a gente é uma família independente disso. Isso é uma evolução para nós, mulheres, e fico muito feliz que boa parte da população paraense deixou de mudar o nome”, comemora.
Já a bancária Camila Ferraz, de 25 anos, prefere ser mais tradicional – e para ela, mudar o nome adotando um complemento do marido não a faz deixar de ser quem é. Na opinião dela, que está no segundo casamento, a insegurança é uma das coisas que atrapalham muitas mulheres a darem esse passo hoje em dia, além da burocracia. “Eu mesma já casei uma vez, mudei o nome em alguns documentos, mas não divulguei, não coloquei nas redes sociais, não mudei dados bancários, porque não tinha muita certeza. O que me fez mudar pela segunda vez foi a convicção do que eu queria e do quanto iria lutar para fazer dar certo”, opina.
Camila diz que não necessariamente mudar seu nome era algo que sempre quis fazer, mas sempre quis se casar, ter família, padronizar e deixar os nomes dos descendentes iguais, e por isso o trabalho valeu a pena para ela. “Conversei sobre isso com o meu marido, e ele tem um carinho muito grande pelo sobrenome, então o deixou muito feliz. Não tem a ver com machismo, de querer ser dono, é carinho por ser próximo da mãe dele. Eu peguei o sobrenome da mãe, nem foi do pai, e achei muito válido porque ele ficou muito feliz”. Hoje só falta a CNH e o passaporte; em todos os outros documentos a bancária já usa o sobrenome do esposo.