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Trabalho escravo no Pará: mais de 13 mil pessoas foram resgatadas nos últimos 29 anos

A situação persiste em várias regiões do Estado, com vítimas marcadas pela pobreza, baixa escolaridade e invisibilidade social

Paula Almeida / Especial para O Liberal

Entre 1995 e 2024, 13.479 pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão no Pará, segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Os números, provenientes de sistemas oficiais, como o Sistema de Acompanhamento do Trabalho Escravo (SISACTE) e o banco de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, revelam a permanência de um problema que atravessa gerações e impacta de forma negativa na sociedade.


Ao longo desses quase 30 anos, a média anual de resgates no Estado foi de 449,3 pessoas. O observatório assinalou que o cenário reflete, acima de tudo, as desigualdades territoriais, o déficit de oportunidades de trabalho digno e as vulnerabilidades sociais enfrentadas pela população, especialmente nas áreas rurais e interioranas do Pará.

“Tanto os locais de naturalidade quanto os de residência dos trabalhadores resgatados são geralmente marcados por desigualdades de desenvolvimento humano, baixa renda e falta de qualificação”, aponta o relatório do Observatório. “Essas regiões carecem de políticas de prevenção, geração de emprego e educação”.

Resgates recentes e municípios com mais casos

Somente em 2024, foram registrados 20 resgates de trabalhadores nessa situação. Os municípios onde as ocorrências aconteceram foram Dom Eliseu (8 casos), São Félix do Xingu (7), Placas (3) e Itaituba (2). Já no acumulado dos últimos cinco anos (2019-2024), 387 pessoas foram resgatadas.

Segundo o delegado regional de polícia judiciária Fernando Schwengber, da Polícia Federal, um dos principais entraves no combate ao crime é a dificuldade de localização das vítimas. “Os trabalhadores geralmente estão em lugares de difícil acesso e vivem em condição de fragilidade extrema. Isso dificulta que eles escapem, denunciem ou até consigam comunicar a alguém que possa acionar os órgãos competentes”, explicou.

A falta de denúncias consistentes e a carência de efetivo e recursos materiais para realizar fiscalizações também são obstáculos enfrentados pelas forças de segurança. “Muitas vezes recebemos denúncias com poucas informações, o que atrasa ou até inviabiliza as operações de resgate”, acrescentou Schwengber.

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Quem são as vítimas do trabalho escravo no Pará?

De acordo com os dados do Observatório, entre 2002 e 2024, 3.585 vítimas resgatadas eram naturais do Pará, enquanto mais de seis mil apenas residiam, mas nasceram em outras regiões do país. A maioria dessas vítimas foi composta por homens jovens, entre 18 e 24 anos, faixa etária com maior incidência no período analisado. Em 2024, no entanto, o grupo mais resgatado foi o de trabalhadores entre 40 e 44 anos.

Com relação a raça/cor dos trabalhadores, no período entre 2002 a 2024, 61,5%  dos naturais do Pará se declararam pardos, 15,2% brancos e 12,1% amarelos. Já entre os não naturais residentes, 55,2% eram pardos, 18,4% amarelos e 16,3% brancos.

A baixa escolaridade das vítimas é outro fator constante: 33,7% dos naturais do Estado eram analfabetos e 39,4% não haviam concluído o 5º ano do ensino fundamental. Entre os residentes, os índices são similares: 38,1% analfabetos e 38,8% com ensino fundamental incompleto até o 5º ano.

Esses dados evidenciam que pessoas com pouca ou nenhuma formação educacional são os principais alvos de aliciadores, que prometem emprego e condições melhores de vida, mas acabam levando os trabalhadores para ambientes degradantes, sem direitos básicos ou liberdade.

Setores mais envolvidos com o crime

Historicamente, o setor agropecuário lidera os registros de trabalho escravo no Pará. De 1995 a 2024, 64,8% das vítimas estavam envolvidas na criação de gado, o que corresponde a 8.732 casos. A produção florestal aparece em segundo lugar (8,49%), com 1.144 resgates, seguida pelo cultivo de cana-de-açúcar, responsável por 1.064 vítimas (7,89%).

Já em 2024, o cenário sofreu uma leve alteração, o setor de produção florestal liderou com 40% dos casos, seguido pela pecuária bovina (30%). A construção civil, incluindo obras de arte especiais e obras de engenharia civil não especificadas, aparece com 15% dos casos cada.

A Polícia Federal também aponta o garimpo ilegal como um dos principais setores associados ao crime. “A pecuária, a agricultura e o garimpo são os três principais setores que concentram trabalho escravo no Estado”, destacou o delegado Schwengber.

Onde ocorrem mais denúncias?

O Disque 100, canal do Governo Federal para denúncias de violações de direitos humanos, recebeu 289 denúncias sobre tráfico de pessoas e trabalho escravo no Pará entre 2012 e 2019. Desse total, Belém foi responsável por 10,4%, seguida por Marabá (6,92%) e Ananindeua (4,84%). O número, apesar de relevante, é considerado subnotificado, uma vez que muitos trabalhadores não têm acesso à informação ou meios para denunciar.

Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, incluindo a criação de grupos móveis de fiscalização, o uso do seguro-desemprego para trabalhadores resgatados e maior visibilidade do tema, o Pará ainda enfrenta desafios significativos para erradicar essa prática criminosa. A redação procurou o Ministério Público do Trabalho para elucidar os casos de 2025 e obter mais informações acerca do assunto, mas não obtivemos resposta. 

Perfil das Vítimas de Trabalho Escravo no Pará (2002-2024)

Total resgatados no estado: 13.479

Naturais do Pará: 3.585

Residentes não naturais: +6 mil


Cor/Raça (naturais):

Pardos: 61,5%

Brancos: 15,2%

Amarelos: 12,1%


Escolaridade (naturais):

Analfabetos: 33,7%

Até 5º ano incompleto: 39,4%


Setores mais envolvidos (1995-2024):

Pecuária bovina: 64,8%

Produção florestal: 8,49%

Cana-de-açúcar: 7,89%


Municípios com mais resgates em 2024:

Dom Eliseu: 8

São Félix do Xingu: 7

Placas: 3

Itaituba: 2


Denúncias pelo Disque 100 (2012-2019):

Belém: 10,4%

Marabá: 6,92%

Ananindeua: 4,84%