Tecnologia de reconhecimento facial e biometria avança, mas cresce preocupação sobre privacidade
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já se manifestou sobre a necessidade de transparência e proporcionalidade no uso da tecnologia
Desbloquear um aplicativo de banco com identificação por biometria ou entrar na academia com reconhecimento facial são ações cada vez mais presentes no dia a dia de milhares de pessoas. Mas, junto com o avanço da tecnologia, crescem também as preocupações sobre privacidade, uso abusivo de dados sensíveis e lacunas na regulação. Nos últimos anos, empresas de tecnologia, bancos, operadoras e até o setor varejista ampliaram o uso de sistemas biométricos para agilizar processos e fortalecer medidas de segurança.
O apelo da biometria facial está na combinação entre rapidez, redução de fraudes e facilidade para o usuário, bastam alguns segundos diante de uma câmera para confirmar uma identidade que, teoricamente, não pode ser falsificada. Embora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabeleça diretrizes para o tratamento de dados sensíveis, categoria na qual a biometria se enquadra, ainda não há uma regulamentação específica para o uso de reconhecimento facial, especialmente no setor público.
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A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já se manifestou sobre a necessidade de transparência e proporcionalidade no uso da tecnologia. Em Belém, sistemas de reconhecimento facial já são vistos em ônibus, terminais e espaços públicos. No setor privado, embora haja maior incentivo para o cumprimento da LGPD, ainda existem dúvidas sobre o descarte dos dados, a segurança de armazenamento e o compartilhamento com terceiros, especialmente considerando que muitas empresas contratam soluções de fornecedores estrangeiros.
A diretora de arte Danievelyn Vianna conta que a tecnologia já faz parte da sua rotina, mas admite que há preocupação com os riscos decorrentes da exposição de dados pessoais e acredita na necessidade de uma regulamentação mais clara sobre o tema. “Costumo utilizar em situações do cotidiano, como desbloqueio do celular, autenticação em aplicativos bancários, acesso na academia e confirmação de identidade nos hospitais. Sempre há um risco quando se trata de dados. Por isso, acredito que é essencial haver legislação forte, fiscalização e transparência sobre como essas informações são coletadas, armazenadas e utilizadas. O usuário precisa ter clareza e autonomia sobre seus próprios dados.”
A principal preocupação apontada por especialistas é a falta de controle do cidadão sobre seus próprios dados. Diferente de uma senha ou de um documento, a biometria facial não pode ser “trocada” caso vazada. Isso torna cada incidente de segurança potencialmente irreversível.
“O que define o nível de segurança é a forma como as empresas e instituições tratam as informações. Com boas práticas de proteção de dados, criptografia e respeito à LGPD, os riscos diminuem bastante. Porém, é importante manter um olhar crítico e atento”, argumenta Danievelyn.
Já para o sanitarista Vinicius Alcântara a proteção de dados deve avançar na mesma velocidade que as novas tecnologias. Para ele, o sistema de reconhecimento facial e biometria representa um avanço na segurança, mas ressalta que nenhuma tecnologia está livre de riscos. “Eu considero relativamente seguras, especialmente em ambientes controlados, como bancos e dispositivos pessoais. Mas nenhuma tecnologia é 100% livre de riscos. A segurança depende tanto da qualidade do sistema quanto das políticas de proteção de dados adotadas por quem coleta e processa essas informações.”
Setor já movimentou US$ 60 bilhões
Para se ter ideia do tamanho do mercado de biometria no mundo, o setor movimentou até agora US$ 60 bilhões. Para os próximos anos esse crescimento pode ser ainda maior, chegando a US$ 120 bilhões, de acordo com dados da Mordor Intelligence. Quando o assunto é reconhecimento facial o montante também é elevado. Ano passado, o mercado movimentou US$ 6,42 bilhões e projeta-se que cresça para US$ 35,14 bilhões até 2035, de acordo com a Market Research Future Analysis .
Além disso, há o risco de que sistemas inicialmente adotados para finalidades específicas como segurança em eventos sejam gradualmente expandidos para monitoramento generalizado. Sem mecanismos de supervisão, auditoria algorítmica e limites legais claros, abre-se espaço para violação de liberdades individuais.
Setor financeiro adota mais rapidamente tecnologia
Paulo André Freitas, sócio de uma empresa de segurança, afirma que a adoção de tecnologias biométricas tem avançado no país, embora de forma desigual entre regiões e setores. Ele explica que segurança pública, bancos, varejo, mobilidade e condomínios aparecem em estágios diferentes dessa digitalização.
Segundo Freitas, “a segurança pública tem feito avanços pontuais, mesmo com limitações orçamentárias e operacionais”. Ele cita que o uso se concentra em grandes eventos e locais estratégicos, ainda sem uma aplicação totalmente disseminada. No setor financeiro, entretanto, a adoção é mais sólida. “Os bancos são os que mais usam reconhecimento facial, principalmente para autenticação e prevenção a fraudes, porque há retorno imediato”, observa.
O varejo, de acordo com ele, vive uma situação distinta: grandes redes já testam sistemas para reduzir perdas e identificar riscos, mas o setor médio e pequeno ainda avança lentamente por causa de custos e falta de cultura digital. No transporte e mobilidade, Freitas diz que há iniciativas pontuais, inclusive em Belém, mas ressalta que “o uso ainda é incipiente, mesmo com a melhoria da estrutura nos últimos anos”. Já em condomínios e empresas privadas, o crescimento é mais claro: o controle de acesso por biometria facial vem se tornando mais comum pela praticidade e pela redução de falhas humanas.
Sobre os efeitos do reconhecimento facial na segurança, o especialista afirma que a tecnologia contribui, mas não pode ser tratada como solução isolada. “O reconhecimento facial não reduz criminalidade sozinho. Ele funciona quando todo o sistema ao redor funciona”, aponta. Ele destaca alguns benefícios já registrados, como a identificação de foragidos em estados como Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo, além da aceleração das respostas em operações bem integradas.
Freitas também menciona resultados consistentes no setor bancário, onde a biometria facial ajudou a reduzir fraudes em transações digitais ao melhorar a precisão das autenticações. Por outro lado, ele pondera que o efeito dissuasório é limitado e não resolve problemas estruturais da segurança urbana. Em relação a Belém, afirma que os investimentos recentes criam oportunidades para aprimorar a vigilância e integrar dados, mas alerta que “ainda é cedo para associar isso a uma queda direta da criminalidade”. Para ele, o impacto tende a ser maior na capacidade de investigação e resposta do que em reduções automáticas dos indicadores.
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