Sem QR Code?Leis sobre cardápios impressos avançam e negócios de Belém conciliam acesso e tecnologia
Diversos estados e cidades adotam medidas para garantir que bares e restaurantes ofereçam cardápios impressos, além dos digitais, atendendo diferentes preferências e necessidades dos clientes; consumidores e donos de restaurantes da capital defendem a coexistência dos formatos, destacando a importância de inclusão e conforto.
A crescente popularidade dos cardápios digitais via QR Code, impulsionada pela pandemia, gera resistência de parte dos consumidores e estimula a criação de leis em diversas regiões do Brasil. Donos de restaurantes, como Maurício Façanha e Saulo Jennings, afirmam que a opção impressa é essencial para garantir uma experiência mais completa e inclusiva.
Consumidores, como Keila Vale e Gérson Silva, também reforçam a importância de manter a versão física, apontando dificuldades de acesso para algumas pessoas, como idosos e aqueles com problemas tecnológicos. Recentemente, estados como Pará, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e cidades como São Paulo e Belém, avançaram com projetos de lei que visam a garantir o acesso ao cardápio impresso como alternativa ao digital.
Avanço de leis que garantem o cardápio impresso em estabelecimentos comerciais
No estado do Pará, a Lei Estadual nº 10.263, sancionada em 15 de dezembro de 2023, é resultado do Projeto de Lei 207/2023, de autoria do Deputado Estadual Iran Lima (MDB). A norma determina que bares, lanchonetes, restaurantes e similares devem oferecer cardápios físicos impressos aos consumidores. A versão digital, como a disponibilizada via QR Code, pode continuar sendo utilizada, mas não substitui a obrigatoriedade do cardápio impresso, sendo apenas uma alternativa opcional.
Na Câmara de Vereadores de Belém, foi protocolado pela ex-vereadora Gizelle Freitas (Psol) o Projeto de Lei nº 1613/2013. Ele dispõe sobre a obrigatoriedade de disponibilização de cardápios e menus impressos em bares, restaurantes, lanchonetes, hotéis, casas noturnas e estabelecimentos comerciais na capital paraense. O projeto está em tramitação desde agosto de 2024.
A discussão sobre o uso exclusivo de cardápios digitais por QR Code também avança em outras partes do país. Em São Paulo, o Projeto de Lei 0120/2024, apresentado pelo vereador João Jorge (MDB), proíbe estabelecimentos de oferecerem apenas o cardápio digital. A proposta já passou por todas as comissões da Câmara Municipal e foi aprovada em primeira votação no plenário.
Em Minas Gerais, a cidade de Contagem também adotou medida semelhante. Desde 2023, com a entrada em vigor da Lei 5053/2023, restaurantes, lanchonetes e bares foram obrigados a disponibilizar cardápios impressos. O formato digital pôde ser mantido, mas não como única opção.
No mesmo ano, o estado do Rio de Janeiro também aprovou legislação sobre o tema. Uma lei estadual aprovada pela Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) proibiu que bares e restaurantes oferecessem exclusivamente cardápios digitais. A regra visa a garantir o acesso ao menu para todos os clientes, independentemente do acesso à tecnologia ou preferência pessoal.
Abolição do digital: “Havia muita reclamação”
Maurício Façanha, proprietário de um restaurante que une culinária e cultura amazônica, decidiu abandonar totalmente o cardápio digital. Ele relata que a resistência foi intensa entre os clientes:
“A gente aboliu o QR Code. Tinha uma resistência muito grande. Então hoje só é o cardápio físico, e é um cardápio lavável, plastificado. A gente higieniza ele com álcool quatro vezes por dia”, explicou.
Maurício destaca que a complexidade do cardápio também pesou na decisão:
“Como a gente tem um cardápio muito vasto, com muitas opções, o cliente acabava desistindo do cardápio digital. A gente precisa entender que está num momento de transição de tudo, inclusive de tecnologia.”
Todas as opções disponíveis: “Tem cliente que não sabe usar”
Para Nazareno Alves, proprietário de uma rede de restaurantes regionais na capital, o ideal é oferecer todos os formatos e deixar a decisão com o cliente. Em seus restaurantes, o cardápio está disponível em versão impressa, digital, por QR Code e até em inglês.
“Tem cliente que tem resistência, que não sabe usar o QR Code, principalmente pessoas da terceira idade. Se a gente deixar só o cardápio digital com QR Code, vai ter reclamação certamente", disse.
Nazareno defende a liberdade de escolha tanto para os clientes quanto para os estabelecimentos:
“A juventude hoje em dia não quer mais comunicação. Quer apertar direto lá e fazer o pedido. [...] Acredito que tem que deixar livre as opções para todos os tipos de clientes.”
A emoção do impresso: “Faz parte da experiência”
O chef paraense Saulo Jennings, Embaixador Gastronômico da ONU Turismo, também é defensor convicto do cardápio impresso, mesmo mantendo o QR Code como opção adicional.
“O cardápio não é apenas um papel. É uma sensação. É o toque. É você ler. É você folhear. Faz parte de uma emoção estar em um restaurante. Essa emoção eu não quero nunca que meu cliente perca”, declarou.
Sobre a possível legislação que proíbe o uso exclusivo do QR Code, Jennings avalia que:
“Não gosto de restaurantes que só têm QR Code. Fico preocupado. As pessoas se acostumaram porque é mais fácil pra eles, menos custo. [...] Sou a favor de que todos os restaurantes tenham cardápio impresso.”
Visão prática: “Não podemos impor a tecnologia”
Leandro Marques, dono de um restaurante especializado em carne de porco, diz que nunca adotou o uso exclusivo do cardápio digital. Para ele, o impresso ainda é indispensável:
“Temos clientes que não 'consomem' muito a tecnologia. Não podemos impor que utilizem os seus celulares para ver um cardápio. O físico é muito melhor.”
Ele também apoia a regulamentação do tema:
“Acredito que deveria existir a lei sim, mas com ressalva. Se o estabelecimento quer colocar o cardápio digital, deveria ter também na mesma proporção de mesas o cardápio físico. Hoje seria muito mais viável e menos danoso a quem tem aversão à tecnologia, deficientes visuais e idosos.”
Entidade do setor apoia cardápio físico como alternativa
Fernando Soares, representante do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (SHRBS), também reforça que o equilíbrio entre tecnologia e inclusão é fundamental.
“A mescla é benéfica porque não só de jovens vivem no país. Existem pessoas de maior idade que não lidam bem com essa tecnologia. [...] O cardápio de abrir e ler sempre funcionou muito bem”, avaliou.
Soares aprova as iniciativas que garantem a oferta da versão física: “Acho que há uma inclusão generalizada. Abarca todas as idades. Muito boa a iniciativa.”
Consumidores apoiam a coexistência dos formatos
Entre os consumidores ouvidos, a preferência pelo digital não exclui a necessidade da versão física. A autônoma Keila Vale se adapta bem ao QR Code, mas destaca a importância de haver alternativas.
“Deve haver cardápio impresso, pois há pessoas que têm dificuldade. Já tive problemas com sistema fora do ar e me entregaram o cardápio físico. Ainda é importante ter o físico, pois passamos por um processo de transição e adaptação”, disse.
O servidor público Gérson Silva compartilha opinião semelhante: “Me sinto à vontade usando o digital. Mas acho que deveria ser obrigatório oferecer também o cardápio impresso, pois há pessoas que ainda têm dificuldades com o celular.”
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