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Pressão do Mercado: Grupo Mateus contrata nova auditoria após erro bilionário em estoque

Rede revelou descoberta de R$ 1,1 bilhão em erros na contabilidade de estoques

O Liberal

O Grupo Mateus, uma das principais redes de varejo e atacado do Brasil, com forte presença no Norte e Nordeste, enfrenta um momento de turbulência financeira e de governança após revelar erros na contabilidade de seus estoques avaliados em R$ 1,1 bilhão no balanço patrimonial de 2024.

As falhas apontam queda na reserva de lucro de 84%, de R$ 824 milhões para R$ 130 milhões. Essa reserva existe para reforçar patrimônio e financiar projetos da rede. Atualmente, a diretoria financeira busca dialogar com acionistas minoritários e analistas de bancos para explicar os ajustes contábeis das demonstrações financeiras de 2024.

Ações acumulam queda de 19%, uma perda de R$ 1,9 bilhão

A empresa vem amargando queda nas ações nos últimos sete pregões. A ação caiu em seis pontos, e acumula perda de 19% até terça-feira (25). A empresa não informou, até então, porque não contratou uma das auditorias tradicionais, chamadas “Big Four” já neste ano, a partir da saída da Grant Thornton, no fim de 2024.

A Grant Thornton verificou 42 deficiências moderadas nos controles da empresa, inclusive em estoques, em 2021, segundo formulários de referência da rede enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) naquele ano. A Grant Thornton ficou cinco anos como auditoria da rede, e em 2025, pela regra de rotatividade obrigatória, entrou em seu lugar, neste ano, a Forvis Mazars Auditores.

Na semana passada, a companhia foi questionada sobre o tema da contabilidade dos estoques e do inventário das lojas em ofício pela CVM, tendo como base reportagem publicada no site Valor Econômico, em 19 deste mês, que antecipou o assunto.

Falhas de governança

O mercado quer saber do risco de novos ajustes, algo que a diretoria descarta, e acionistas também querem entender as diferenças nas baixas de estoque e no inventário, que vinham sendo feitos de forma irregular, outra questão abordada no balanço do terceiro trimestre, publicado no último dia 13.

A rede já havia dito que identificou R$ 1,1 bilhão em estoques valorizados no seu balanço patrimonial de 2024, por conta de erros nos cálculos do custo médio das mercadorias vendidas, um dos pontos mais sensíveis nos balanços de varejistas nos últimos tempos.

Esse R$ 1,1 bilhão se refere ao valor de estoque ajustado pela rede, com queda de R$ 6 bilhões (valor inicialmente apresentado) para R$ 4,9 bilhões em 31 de dezembro de 2024. Isso significa dizer, grosso modo, que se um produto que valia R$ 6, e foi vendido por R$ 7, na verdade valia R$ 4,9, o que mexe com uma série de linhas do balanço do ano.

Encolhimento do patrimônio líquido

Entre as consequência, as falhas ainda reduzem o patrimônio líquido, que encolheu em quase R$ 695 milhões frente ao valor inicialmente apresentado, para R$ 9,1 bilhões em 2024. A empresa instalou, em 2024, um sistema para melhor rastreabilidade de produtos, que computa entradas e saídas.

Em síntese, a reportagem do Valor apurou que um dos erros era que o Mateus não estava contabilizando corretamente os valores no chamado CPV, sigla de custo dos produtos vendidos. O Valor apurou que a rede reconhecia menos custos do que deveria — e com essa soma menor, o lucro bruto e a margem bruta de 2024 ficaram maiores.

A margem bruta do terceiro trimestre de 2025, já considerando todos esses efeitos, foi de 21,3%, frente a 22,3% um ano antes, queda de um ponto. A companhia, no entanto, não abre no detalhe, a acionistas e analistas, o que aconteceu para sentir efeito em custo.

Inventários desatualizados

A reportagem apurou que a empresa teve aumento no valor em perdas e quebras nos últimos anos e não foram reconhecidas integralmente no CPV. “Eles relatavam um custo de mercadoria de R$ 80, por exemplo, e na verdade ele era de R$ 100, e aí se você não calcula isso corretamente, o preço de venda fica errado também, e você só vai saber isso na hora de fazer o inventário. O problema é que eles também estavam com inventários atrasados”, afirmou uma fonte.

Grandes cadeias, como Assaí, Atacadão e GPA, fazem, obrigatoriamente, três ciclos de inventários de todas as lojas por ano. Mas já há um consenso em torno de uma média mensal nas lojas de alto giro. No grupo Mateus, havia lojas novas há dois anos sem inventário, como já informou o Valor.

Em teleconferência no dia 14, o grupo afirmou que os inventários “eram, no máximo, quadrimestrais”, mas que havia sido feito um investimento de R$ 15 milhões para aumentar a frequência.

‘Falhas têm a ver com questões tributárias, controle e gestão’, apontam supermercadistas

Atacadistas e supermercadistas apontam como possíveis razões das falhas internas, questões tributárias e outras relativas a controles e gestão. “Todas as sobras de produtos numa loja, por exemplo, restos de carnes não vendidas, que são toneladas, podem ser perda ou custo. Se eles não tinham um inventário funcionando bem, muita coisa pode entrar como ‘quebra’, e não ser apurado corretamente como custo”, diz um ex-executivo desse segmento.

“Por isso, no fim das contas, inventário e conta de estoques andam lado a lado, e ela teve problemas nos dois, pelo que já disse na sua ‘call’ [do terceiro trimestre neste mês]”, afirma.

Para se tornar mais competitiva, no Norte e no Nordeste, o Grupo Mateus ampliou a área de serviços aos clientes, como açougues e padarias, em suas lojas, algo que no passado não era parte da operação da empresa.

Além disso, a rede tem uma área ampla de perecíveis, como frutas, legumes e verduras, que nos estados do Norte e do Nordeste tem índices de quebra e perdas altos por causa das elevadas temperaturas, o que exigem controles rigorosos.

O balanço ainda mostra que, em 2024, foram reapresentados números de obsolescências e quebras, que passaram de zero para R$ 35 milhões em 2024. Até setembro de 2025, estava em quase R$ 79 milhões.

Rede enfrenta furtos, roubos e desvios

Para acionistas minoritários, a empresa ainda disse que apertou o cerco a furtos e roubos nas lojas, e que havia melhorias que precisavam ser feitas. Há cerca de dois meses, um esquema foi descoberto na atacadista Mix Mateus Bacabal, em Maceió (AL), formado por compradores e caixas de lojas.

A reportagem do Valor econômico também apurou que um esquema profissional de desvio envolvia a unidade do Mix Mateus, na capital cearense. Homens passavam produtos pelo caixa sem pagar, e só uma parte pequena na compra era “bipada” pelos caixas. Funcionários e a quadrilha foram presos em setembro e o caso segue em investigação pela delegacia regional do Bacabal.

Entre outros fatores, teoricamente citados como falhas, destacam-se na checagem de estoques a contabilidade de impostos e quantidade de itens estocados. Mas, na teleconferência do terceiro trimestre, no dia 14, a direção descartou conexão entre o tema e o aumento no volume de produtos estocados. Por exemplo, a reportagem do Valor aponta que a empresa apresentava falha pela falta de padronização de critérios e parâmetros internos envolvendo ICMS.

Na teleconferência no dia 14, a direção citou, de forma mais generalizada, o tema fiscal, afirmando que o crescimento da rede ano a ano, na faixa de 25%, e a ida para novos Estados tornou mais difícil acompanhar diferentes regras e mudanças tributárias no país.

A empresa ainda passou a fazer importação de itens, uma tarefa a mais num sistema que já precisava de uma revisão de práticas.

O Mateus opera hoje com apoio de Comitê de Auditoria e Comitê Fiscal. No primeiro, estão o membro independente e engenheiro mecânico, com MBA pelo Ibmec, Sergio Alexandre Figueiredo Clemente. Ainda estão Claudia Fernandes Ferreira, ex-chefe de contabilidade da Guararapes, e formada em ciências contábeis, e Corinto Lucca Arruda, formado em administração e bancharel em controladoria.

No dia 21 deste mês de novembro, o Grupo Mateus publicou um comunicado ao mercado sobre questionamentos da CVM que se basearam em informações de reportagem do Valor do dia 19 de novembro, que relatou o erro de valorização do estoque de R$ 1,1 bilhão — um dado publicado pela empresa em seu balanço do terceiro trimestre.

A empresa é questionada sobre a razão pela qual não publicou o assunto em fato relevante. O Mateus relatou o caso em release de resultados e em notas explicativas no balanço.

Dois dias depois, na resposta ao órgão, a diretoria financeira afirma que as alterações na valorização dos estoques e no custo dos produtos levaram a impacto líquido de R$ 731,2 milhões no total dos ativos de 2024, que totalizavam R$ 19 bilhões. Isso representou, portanto, 3,8% do ativo total — sinalizando que seria efeito pequeno.

Além disso, diz que o patrimônio líquido ficou estável no terceiro trimestre frente ao segundo, e busca avançar com melhorias em sua governança, “tornando-a mais robusta, integrada e automatizada, e capaz de oferecer maior acurácia, rastreabilidade e consistência na apuração dos custos e formação dos preços de venda”, afirmou à CVM.