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Chocolate do Pará pode chegar ao nível de refinamento do europeu; entenda

Pará se consolida como polo de cacau e chocolate fino, e ainda com sustentabilidade, produtores apontam os caminhos

Andreza Dias

O Pará já se consolidou como o maior produtor de cacau do Brasil, reunindo volume e qualidade reconhecida no mercado nacional. De acordo com dados do IBGE, a produtividade do cacau no Pará rendeu pouco mais da metade cultivada em todo o país, sendo 53%, resultando em 270 toneladas de amêndoas de cacau entre 2020 e 2021. A produção do fruto está presente em várias regiões do estado, movimentando a economia e fortalecendo cadeias de agricultura familiar e de grandes produtores. Agora, uma outra ponta da cadeia, a produção de chocolate, busca ao mesmo tempo reconhecimento pelo que apresenta e também evolução técnica para competir com as maiores marcas do Brasil e do mundo.


No Pará, o município de Medicilândia desponta como um dos grandes polos de cultivo, sendo responsável por expressiva parcela da safra estadual onde a produção atinge 1.190 kg por hectare, segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap). Sendo destaque também pela produção de chocolates finos, que valorizam o cacau amazônico e projetam a região como referência na produção do fruto. 

Mercado Artesanal de chocolate

Com uma forte produção anual que abastece o Brasil e parte do mundo, produtores paraenses também apostam na verticalização no interior do estado e nas Ilhas, com estratégias para manter a cadeia produtiva e agregar valor com o beneficiamento da semente.

Para Anderson Borges Serra, diretor de Organização Produtiva e Comunidades Tradicionais da Secretaria de Agricultura Familiar, o chocolate paraense pode alcançar grande expansão conforme o consumidor exija a mesma qualidade que se espera do açaí.

“O paraense não aceita um açaí que não seja um açaí de alta qualidade, mas ele aceita um chocolate de qualidade ruim. Na medida em que entendermos que o chocolate fino produzido no Pará, pelas cooperativas e associações, são chocolates com 30%, 50%, 70% de composição, ou seja, um chocolate de alta qualidade, assim como nós exigimos uma alta qualidade para o açaí, vamos ter mais pessoas consumindo o chocolate produzido no Pará”, conta Anderson

No município de Brasil Novo, o casal de catarinenses que chegou ao Pará em 2009, Veronica Preuss e José Renato Preuss, investem na qualificação de produtores rurais para produção de chocolate fino. Desde as primeiras colheitas, a qualidade do cacau tem sido o principal foco. Hoje, com 10 mil pés de cacau, conquistaram destaque como a terceira melhor amêndoa de cacau do Brasil pelo Centro de Inovação do Cacau (CIC). 

Para Verônica, não falta muito para o chocolate fino produzido no estado alcançar a expertise europeia. “Neste momento estou no Peru participando de uma feira chamada Expo Alimentícia, onde a gente tá mostrando pro mundo, no caso, o cacau e o chocolate da região da Transamazônica. Não falta muita coisa, o que está faltando um pouco é divulgação. Hoje, os compradores estão vindo atrás da gente para conhecer o nosso chocolate.  A gente já está trabalhando, fazendo processo de exportação", conta, informando que na próxima semana vai enviar um carregamento para Dubai.

Já em Mocajuba, Noanny Maia, fundadora de uma rede de mulheres produtoras, destaca que a sustentabilidade e a preservação da floresta são diferenciais da produção local. Para ela, “a composição de sabor de um chocolate tem vários agentes; o cacau que produzimos na Amazônia possui características de sabor que têm a ver com a nossa natureza, o tipo do nosso solo, a frequência das nossas chuvas, além da cadeia justa. Assim, o cacau que tá na ilha do Combu tem um perfil de aroma e sabor. Nosso cacau é de qualidade superior porque nossa natureza ajuda o cacau a ser mais rico de nutrientes, mais resistentes e, por consequência, mais saborosos”, conta a produtora.

Segundo Dona Nena, chocolateria artesanal da ilha do Combu, o diferencial do chocolate amazônico está no "terroir", a raiz de tudo que a floresta oferece de aroma, sabor e cheiro. Com o aquecimento do ramo do cacau, as melhorias podem vir na produtividade das ilhas. “A gente ainda avalia que falta assistência técnica para as pessoas que estão mais distantes, porque eu digo que aqui eu sou uma gotinha do oceano; Medicilândia, que é o grande mercado realmente do cacau. Aqui, a gente precisa muito disso, nas ilhas, que não são vistas como uma potência maior do cacau. Então, a gente precisa ainda alavancar isso, melhoria, consistência técnica, não mudando o que a gente tem de natural, mas melhorando para que a gente possa ter maior produtividade.”

Indústria regional 

Para Monica Cristina Franco, atual vice-presidente da Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica (Coopatrans), a diferença do cacau produzido no Pará está no cuidado em cada etapa; a qualidade se mantém, apesar de não haver máquinas tão refinadas quanto as utilizadas na Europa, já pode superar marcas nacionais.  “Nosso chocolate é de excelente qualidade, só não somos igual ao chocolate europeu por não termos máquinas com a qualidade do refino da massa do cacau que tem lá. Mas o nosso chocolate não possui conservante, é feito do puro cacau”, explica.

Em busca de melhorias no processo produtivo e geração de renda para famílias do campo, a Cooperativa foi criada em 2010 da união de 40 produtores de cacau da agricultura familiar e fornece a matéria-prima para a produção industrial do chocolate, primeira indústria de chocolate da transamazônica.

O mercado local aposta na produção do puro cacau mantendo a porcentagem de 10%, 20% e 30% ao chocolate. Até chegar ao chocolate, a amêndoa do cacau passa por processo de fermentação que leva até 7 dias; depois, vem a secagem, que pode levar mais sete dias. Então, finalmente, surge o produto final pronto, ou seja, depois de aproximadamente 15 dias.

Ponto de vista internacional 

O ramo do cacau no Pará busca diferenciar, com o beneficiamento do fruto comparado à indústria nacional. Em 2025, a Comissão de Agricultura tem atuado na bioeconomia do cacau através da aprovação de projetos como o PL 4107/19, que visa a fortalecer a Política Nacional de Incentivo à Produção de Cacau de Qualidade, focando em assistência técnica e recuperação da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).

Em Canaã dos Carajás, o gastrônomo e produtor artesanal Rafael Seabra afirma que o diferencial do cacau paraense está na qualidade regional. “A gente tem mais níveis de teste, porque a gente não possui uma cadeia produtiva muito grande. Então, a gente tem que se diferenciar pelo produto e inovação. Então, eu tenho a infusão de novas polpas, novas geleias, novas frutas, novas variedades de chocolate, de cacau, que vão gerar novos chocolates, diferentemente da grande indústria”, compara Seabra.

Segundo o Engenheiro Agrônomo Antonio Teixeira Mendes, coordenador regional de pesquisa e inovação da Ceplac no Pará, o Brasil domina todos os processos do cacau. “A vantagem do Brasil é que participamos de todos os elos da cadeia produtiva: plantamos cacau, vendemos amêndoas, produzimos liquor (massa) de cacau, manteiga de cacau, pó de cacau e chocolate em todas as suas formulações”, conta.

Ele afirma ainda que falta interesse do mercado internacional e incentivo para que essas indústrias de cacau venham ao Pará. “Nosso entrave no processamento de amêndoas não é o maquinário, pois isso existe para comprar em todos os lugares do mundo; é incentivo para que empresários venham para cá e montem suas plataformas de processamento, isso do ponto de vista industrial. No sistema artesanal para produção de chocolates, esse sim precisa de capacitação na produção e gerenciamento empresarial”, pontua Antonio.

Para ele, produzir chocolate não é o mesmo que produzir amêndoas; exige muito conhecimento técnico e sensibilidade empresarial. Ele observa que o pará avançousignificativamente nessa área, especialmente com o apoio do Programa de Internacionalização das Amêndoas de Cacau. Com incentivo, a produção tende a melhorar a capacitação, "tanto na parte industrial, especialmente na produção de receitas de chocolate com o tempero da floresta Amazônica, como na parte de empreendedorismo; para ser um empresário do ramo do chocolate é preciso competência para enfrentar os concorrentes internos e externos”, destaca.