Nova isenção do imposto de renda colocará R$ 1 bilhão na economia do Pará
Cerca de 482 mil trabalhadores paraenses vão deixar de pagar imposto com a nova isenção de renda mensal proposta pelo governo federal.
Com o projeto de lei do governo federal que busca ampliar a faixa do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) para quem ganha até R$ 5 mil por mês aprovado pela Câmara dos Deputados, cerca de R$ 1 bilhão por ano será injetado na economia do Pará, conforme cálculos dos economistas Nélio Bordalo e Everson Costa. Isso porque 482 mil trabalhadores paraenses vão deixar de pagar imposto com a nova isenção de renda mensal proposta pelo governo federal. O número equivale a 12,72% da massa ocupada no estado, que é de 3,7 milhões de pessoas empregadas formal e informalmente no 2º trimestre de 2025, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Somando as faixas de renda já isentas com as faixas que vão deixar de pagar o imposto, quase 3,5 milhões de trabalhadores do Pará estarão livres da cobrança. O número equivale a 91,93% do total da massa ocupada no estado. Isso porque a faixa de isenção vigente é equivalente a um rendimento mensal de até R$ 2.259,20. A distribuição de ocupados paraenses segundo faixa de renda foi obtida mediante dados da PNAD Contínua Trimestral (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) em elaboração com o Dieese/PA (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Entenda a proposta que amplia a isenção do IR e prevê tributação para os mais ricos
A Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, na noite de 1º de outubro, o texto-base do projeto de lei que amplia a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas com renda mensal de até R$ 5 mil. A proposta também concede descontos no IR para quem ganha até R$ 7.350 por mês.
O projeto, de autoria do governo federal, ainda precisa ser aprovado pelo Senado e, posteriormente, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para entrar em vigor a partir de 2026.
A medida faz parte das promessas de campanha de Lula em 2022 e foi encaminhada à Câmara em março deste ano.
De acordo com o governo, a ampliação da faixa de isenção deve beneficiar cerca de 26,6 milhões de pessoas, o que equivale a 65% dos contribuintes. O impacto fiscal estimado da medida é de R$ 25,8 bilhões, valor que será compensado com a criação de um imposto mínimo sobre altas rendas.
Se o texto for aprovado no Senado, a partir de 2026 quem recebe até R$ 5 mil mensais ficará isento do pagamento do IR, o que representará uma economia de até R$ 312,89 por mês. Já os contribuintes com rendimentos entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350 terão um desconto que pode chegar a R$ 978,62.
Para aqueles que ganham acima de R$ 7.350 mensais, as regras permanecem as mesmas, seguindo a tabela atual do imposto.
Impacto imediato no consumo e nos serviços
Para o economista paraense e doutor em Desenvolvimento Econômico, André Cutrim Carvalho, a medida terá efeitos rápidos sobre o consumo no Pará.
“Famílias de baixa e média renda têm alta propensão marginal a consumir, ou seja, tendem a gastar boa parte de qualquer acréscimo em sua renda com bens e serviços essenciais”, explica.
Com a nova isenção, a expectativa é que o dinheiro que deixará de ser pago em impostos seja direcionado a alimentos, transporte, medicamentos e reformas domésticas. No Pará, esse efeito tende a ser ainda mais perceptível pela realidade socioeconômica: baixo rendimento médio, elevada informalidade e forte dependência do setor de serviços.
O economista estima que o varejo no estado possa crescer entre 0,9% e 1,6% no primeiro ano da medida, enquanto o setor de serviços deve registrar expansão de 0,8% a 1,5%.
“O setor de serviços é o motor da atividade econômica e do emprego no Pará. O impulso virá principalmente pelo aumento do consumo cotidiano e pela recomposição do poder de compra das famílias”, avalia.
Entre os segmentos que devem responder mais rapidamente estão alimentação, medicamentos, material de construção e serviços pessoais.
Maioria da renda será convertida em consumo
A maior parte da renda liberada pela isenção deverá ser usada diretamente no consumo.
“Estimo que entre 70% e 80% da renda adicional no Pará seja gasta com consumo imediato, 12% a 18% vá para o pagamento de dívidas e 8% a 12% para uma poupança de precaução”, avaliou André Cutrim.
Segundo o economista, essa proporção varia conforme a faixa de renda e o grau de endividamento das famílias, mas em um estado com alta informalidade e renda média menor, o impacto direto no consumo tende a ser ainda mais acentuado.
Embora a medida represente uma renúncia fiscal da União, os efeitos indiretos sobre a arrecadação de ICMS e ISS nos estados e municípios tendem a ser positivos.
“No Pará, estimo um aumento de arrecadação entre R$ 25 milhões e R$ 80 milhões no primeiro ano, podendo chegar a R$ 120 milhões em cenários mais favoráveis”, afirma o economista.
Isso representaria para Cutrim uma recuperação de 6% a 12% da renúncia fiscal federal, compensando parcialmente os efeitos da desoneração.
Regiões e setores mais beneficiados no Pará
A nova política fiscal deve beneficiar de forma desigual os municípios paraenses, com impacto mais imediato nas áreas urbanas e polos regionais.
“Na Região Metropolitana de Belém, o efeito será mais direto devido à concentração da massa salarial e da estrutura diversificada de serviços”, aponta Cutrim.
Conforme o economista, municípios como Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides devem sentir o estímulo principalmente nos setores de comércio, alimentação, transporte e serviços pessoais.
Nos polos regionais como Santarém, Marabá, Castanhal, Abaetetuba, Bragança, Altamira e Paragominas, o consumo deverá irradiar seus efeitos para microrregiões vizinhas.
Já em áreas de base mineral e grandes projetos, como Parauapebas, Barcarena, Juruti e Tucuruí, o impacto será impulsionado pela presença de trabalhadores com renda dentro do novo limite de isenção.
Segundo Cutrim, até mesmo o turismo regional, em locais como Salinópolis, Salvaterra e Soure, deve se beneficiar, com aumento da demanda por hospedagem e alimentação fora do lar.
Curto prazo: crescimento rápido; médio prazo: formalização e novos investimentos
No curto prazo, para o economista, especialmente no primeiro ano, o principal efeito será o aumento da renda disponível e do consumo imediato, com reflexos positivos sobre o comércio, o transporte e o setor de serviços.
“O impulso será sentido com mais força entre microempreendedores e trabalhadores informais”, prevê André Cutrim.
No médio prazo, o economista acredita que o novo patamar de demanda pode incentivar a formalização de empregos e investimentos em capital de giro por parte dos pequenos negócios.
“Com a estabilidade do consumo, teremos a consolidação de um ciclo de crescimento com inclusão social. Isso pode resultar em ganhos cumulativos de produtividade, formalização e arrecadação”, analisou.
A ampliação da faixa de isenção é vista pelo especialista como uma medida estrategicamente progressiva, que corrige parte da defasagem histórica da tabela do IRPF.
“Trata-se de um avanço relevante, que alinha a política tributária à realidade das famílias brasileiras, melhora a distribuição de renda e fortalece o mercado interno”, conclui André Cutrim.
Para ele, se articulada a políticas de crédito responsável, educação financeira e formalização do trabalho, a medida pode inaugurar um ciclo virtuoso de crescimento com inclusão social no Pará — algo essencial em um estado com tantas desigualdades.
Medida ainda tramita no Senado e exige cautela, segundo tributarista
Apesar da aprovação na Câmara, a medida ainda depende de aprovação no Senado Federal. Para a advogada e professora de Direito Tributário da UFPA (Universidade Federal do Pará), Luma Macêdo, é necessário cautela.
“Antes de falarmos em aplicação prática, é importante lembrar que o trâmite legislativo ainda não foi concluído. A proposta pode sofrer alterações no Senado”, afirmou.
Ela destaca que o projeto traz um ponto sensível ao prever a isenção de até R$ 5 mil mensais, o que representa perda de arrecadação para a União. No entanto, a medida também propõe uma forma de compensação: a criação de uma alíquota mínima de 10% para pessoas físicas com rendimento anual superior a R$ 600 mil.
“O projeto busca equilibrar a renúncia fiscal com uma tributação adicional sobre altas rendas, o que pode atingir cerca de 141 mil contribuintes de maior poder aquisitivo”, explicou.
Ainda segundo a professora, a proposta se alinha a princípios de justiça tributária, ao usar mecanismos de progressividade. No entanto, ela alerta para o impacto do excesso de mudanças em curto prazo.
“Estamos vivendo uma dupla reforma: a do consumo e agora a da renda. Isso gera instabilidade e dificulta o planejamento tributário de empresas e pessoas físicas.”
Impacto nas empresas e no Estado
No que diz respeito à aplicação no Pará, Macêdo lembra que o Imposto de Renda é de competência federal e que o estado apenas acompanha as diretrizes nacionais.
“Por enquanto, o Pará deve apenas aguardar e acompanhar o andamento do tema no Congresso”, disse.
Já para as empresas, a advogada destaca impactos operacionais, especialmente no momento do pagamento do décimo terceiro salário.
“A redução do imposto também será aplicada no cálculo do IR cobrado exclusivamente na fonte sobre o décimo terceiro salário. Isso afeta o fluxo de caixa das empresas e exige planejamento tributário e ajuste contábil”, analisa.
Para ela, ainda há mais dúvidas do que certezas até que o texto final da lei seja aprovado. “É preciso sensibilidade na análise das compensações e dos efeitos práticos da reforma da renda”, concluiu.
Municípios-pólo serão os mais beneficiados, avalia Dieese
Segundo o supervisor técnico do Dieese/PA, Everson Costa, os impactos positivos da nova faixa de isenção do Imposto de Renda serão mais sentidos em municípios com maior densidade populacional e empregabilidade formal, especialmente aqueles que funcionam como polos regionais.
“Potencialmente, os municípios que têm uma influência forte nas suas macrorregiões vão concentrar o maior número de beneficiários”, explica Costa.
Ele cita, por exemplo, a região de Carajás, que engloba cidades como Parauapebas, Marabá e Canaã dos Carajás. “Essas cidades têm rendimentos médios mais elevados e com certeza deverão sentir positivamente os efeitos dessa isenção”, completa.
Além do sudeste paraense, a Região Metropolitana de Belém também deve experimentar um impacto significativo.
“Imagine você que essas rendas, deixando de ser tributadas nesse nível, vão abrir espaço para a ampliação do consumo local”, destaca o economista.
Segundo ele, esse movimento fortalece o tripé da economia municipal – formado pelos setores de serviços, comércio e, em alguns casos, indústria e construção civil.
Menor arrecadação federal pode ser compensada pelo consumo
Questionado sobre possíveis riscos para as finanças dos municípios e estados, Costa reconheceu que pode haver impactos na arrecadação decorrente da diminuição dos repasses federais, como os provenientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
“Quando a gente fala da tributação, a gente sabe que, na outra ponta, se você arrecada menos, você repassa menos”, pontua.
No entanto, ele acredita que o aumento no consumo local pode compensar essa perda: “Se esse consumo é formalizado, se ele tem a cobertura correta, os cofres são abastecidos não por uma tributação direta, mas por um consumo que deixa seus encargos lá”.
Costa defende que uma reforma tributária mais ampla é essencial para equilibrar essas mudanças.
“A gente está numa parte dela, falta o outro lado. Agora está a tributação da renda; falta tributar o restante daquilo que a gente tem no país”, argumenta.
Para ele, as estratégias de formalização de negócios, emissão de cupons fiscais e fortalecimento do consumo serão fundamentais para esse novo cenário econômico.
Exemplos práticos da isenção no bolso do trabalhador (Fonte: Dieese)
- Carlos é motorista e ganha R$ 3.500 por mês em 2025. Ele paga de IRPF por mês R$ 39,76. Em 2026, ele terá uma economia de R$ 530,02 no ano.
- Rosa é professora e ganha R$ 5.000 por mês em 2025. Ela paga de IRPF por mês R$ 312,89. Em 2026, ela terá uma economia de R$ 4.170,82 no ano.
- João é metalúrgico e ganha R$ 5.500 por mês em 2025. Ele paga de IRPF por mês R$ 436,80. Em 2026, ele terá uma economia de R$ R$ 3.283,48 no ano.
- Maria é enfermeira e ganha R$ 6.500 por mês em 2025. Ela paga de IRPF por mês R$ 680,89. Em 2026, ele terá uma economia de R$ 1.508,66 no ano.
Distribuição de ocupados segundo faixa de rendimento
Estado do Pará - 2º trimestre de 2025
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) - PNAD Contínua Trimestral (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio). Elaboração: Dieese/Pa (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Faixa de rendimento | Número de trabalhadores
- Até ½ salário mínimo - 718.719
- Mais de ½ a 1 salário mínimo - 1.259.924
- Mais de 1 a 2 salários mínimos - 1.026.837
- Mais de 2 a 3 salários mínimos - 250.308
- Mais de 3 a 5 salários mínimos - 232.464
Total de pessoas ocupadas (trabalhando) no Pará: 3.794.055
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