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Municípios do Pará com previdência própria acumulam déficit de R$ 22,8 bilhões em 2024

Enquanto apenas 29 cidades paraenses mantêm regimes próprios, prejuízo atuarial supera R$ 22 bi; confederação defende mudanças na correção de dívidas e novo modelo de precatórios.

Jéssica Nascimento

Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revelam que 29 cidades do Pará com Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) acumulam um déficit atuarial de R$ 22,8 bilhões em 2024. O valor representa a diferença entre os recursos necessários para pagar aposentadorias e benefícios futuros e o que está disponível nos cofres públicos.

Enquanto isso, a maioria dos municípios do estado (115) opta pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A disparidade reflete os desafios financeiros enfrentados por gestores que mantêm sistemas próprios, muitas vezes sem condições de sustentabilidade.

PEC 66/2023 pode aliviar dívidas em R$ 40 bilhões

A CNM tem atuado para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, que inclui medidas para reduzir o impacto da crise previdenciária. Entre as principais mudanças defendidas estão:

  • Exclusão de estados e DF da reforma previdenciária, evitando sobrecarga aos municípios;
  • Novo modelo de pagamento de precatórios, que hoje consomem receitas municipais;
  • Troca do indexador da dívida previdenciária (de Selic para IPCA), reduzindo a correção monetária.

Segundo cálculos da CNM, a aprovação da PEC geraria uma economia de R$ 40,4 bilhões aos municípios paraenses, sendo R$ 23,31 bilhões apenas com a alteração do indexador e o parcelamento de dívidas.

Diante do cenário crítico, a confederação recomenda que prefeitos e gestores municipais acompanhem de perto a tramitação da PEC 66/2023.

"A aprovação é essencial para garantir a sustentabilidade dos RPPS e evitar o colapso das contas públicas", afirma a entidade.

Quais municípios têm RPPS e quantos servidores são atendidos?

Dos 144 municípios do Pará, apenas 29 mantêm Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), atendendo cerca de 125 mil servidores entre ativos, aposentados e pensionistas. Segundo Gianluca Alves, assessor jurídico da Famep (Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará), a lista inclui:

Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Parauapebas, Castanhal, Abaetetuba, Cametá, Bragança, Marituba, Barcarena, Altamira, Tucuruí, Redenção, São Félix do Xingu, Breves, Itaituba, Tailândia, Paragominas, Moju, Mãe do Rio, Igarapé-Miri, Capitão Poço, Ulianópolis, Dom Eliseu, Rondon do Pará, Goianésia do Pará, Bom Jesus do Tocantins e Ourilândia do Norte.

No entanto, segundo Alves, não há dados públicos detalhados por cidade, e a sustentabilidade desses sistemas está em xeque.

Tendência é de abandono do RPPS, não de novas adesões

A Famep avalia que não há interesse de municípios em criar novos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Pelo contrário, muitos estudam retornar ao Regime Geral (INSS) devido à insustentabilidade financeira. 

"Apenas cidades maiores ou com estabilidade orçamentária, como Parauapebas e Marabá, conseguem manter o RPPS. Municípios menores enfrentam custos proibitivos e já consideram migrar de volta ao INSS”, explicou Gianluca Alves.

Segundo ele, os principais desafios para implementação são:

  • Custo atuarial elevado: necessidade de reserva financeira imediata para cobrir aposentadorias;
  • Complexidade técnica: exige equipe especializada em gestão previdenciária, aumentando despesas;
  • Pressão fiscal: déficits crônicos e dependência de repasses federais limitam investimentos;
  • Riscos jurídicos: ações judiciais por revisão de benefícios comprometem o equilíbrio financeiro.

Famep atua em três frentes para reduzir déficit

Diante do déficit bilionário nos regimes próprios de previdência, a Famep atua em três frentes para auxiliar os municípios, mas faz ressalvas sobre os limites das medidas.

Gianluca Alves explica que o trabalho inclui assessoria técnica para ajustar regras como contribuições e idade mínima, sempre alinhadas ao INSS. Porém, ele é categórico:

"A PEC 66/2023 pode adiar o colapso, refinanciando dívidas e reduzindo juros, mas não enfrenta o envelhecimento da população ou a queda no número de contribuintes. São problemas que exigem reformas mais profundas."

Além disso, a Famep capacita gestores para maior controle dos benefícios e defende limites às pensões por morte. Mas os efeitos do rombo já são sentidos:

"Em Ananindeua, 18% do orçamento foi desviado para cobrir o déficit do RPPS em 2023. Isso significa menos recursos para saúde, educação e até risco de atrasos nos pagamentos de aposentadorias", alerta Gianluca.

Sobre a PEC 66/2023, ele reconhece que a proposta traz alívio imediato ao alongar prazos e trocar a correção da dívida (de Selic para IPCA), mas reforça:

"Isso evita a falência de prefeituras, mas não garante sustentabilidade. Sem mudanças radicais, o RPPS continuará uma bomba-relógio."

Consequências jurídicas para municípios com déficit previdenciário

Os 29 municípios paraenses que mantêm Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) e acumulam um déficit atuarial de R$ 22,8 bilhões em 2024 podem enfrentar sanções caso não consigam equilibrar suas contas. 

"Os entes com déficit elevado podem ter suspensas transferências voluntárias da União, ficar impedidos de celebrar convênios ou contratos com órgãos federais e até perder acesso a empréstimos de bancos públicos”, explica o advogado tributarista Márcio Maués.

Segundo Maués, o artigo 40 da Constituição Federal exige que os RPPS mantenham equilíbrio financeiro e atuarial. No entanto, muitos municípios não ajustam as contribuições para acompanhar as despesas com aposentadorias.

"A legislação é clara: o regime próprio deve ser sustentável. Se as prefeituras não ajustarem alíquotas ou regras de aposentadoria, o déficit só vai aumentar, colocando em risco os direitos dos servidores no futuro”, explica o advogado.

PEC 66/2023 pode trazer alívio temporário

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, que permite o parcelamento de dívidas previdenciárias, é vista como uma saída emergencial. Maués avalia:

"O parcelamento em até 180 meses dá fôlego para os municípios se reorganizarem, mas não resolve o problema estrutural. Sem reformas mais profundas, como ajuste de benefícios e aumento de contribuições, o rombo continuará crescendo."

Apesar disso, conforme ele, a medida pode evitar que prefeituras tenham que cortar serviços essenciais ou migrar compulsoriamente para o INSS.

O advogado ressalta que qualquer reforma nos RPPS deve respeitar o artigo 5º da Constituição, que protege direitos adquiridos de servidores.

"Municípios podem revisar regras para novos entrantes, mas benefícios já concedidos estão protegidos. O desafio é equilibrar a sustentabilidade do sistema sem violar garantias constitucionais”, concluiu Márcio Maués.