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Em Belém, tacacazeiras se orgulham do título de Patrimônio Cultural do Brasil

Reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) valoriza o ofício tradicional no Norte

Valéria Nascimento

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu, nesta terça-feira (25), o ofício das tacacazeiras da Região Norte como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão foi tomada durante reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.

Em Belém, na noite desta terça-feira, tacacazeiras comemoraram a conquista que valoriza a profissão tradicional. "A gente recebe (o título nacional) com alegria, porque a gente é tacacazeira há tantos anos e ser reconhecida assim nacionalmente, para nós, é a maior alegria, um título bem-vindo”, disse Mariana da Silva, 50 anos.

Há 15 anos, Mariana da Silva prepara o tradicional tacacá, o prato típico da culinária amazônica é feito com tucupi e goma (derivados da mandioca), camarão secojambu e temperos regionais. Uma das principais iguarias da gastronomia do Norte do Brasil.

O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é um colegiado composto por técnicos e representantes da sociedade civil responsável por deliberar sobre o reconhecimento de bens culturais materiais e imateriais. O ofício, com o parecer técnico, foi inscrito no Livro dos Saberes, destacando a relevância das mulheres amazônicas na preservação de saberes ancestrais ligados à culinária regional.

A comerciante Mariana trabalha na Avenida Nazaré, no quarteirão da Basílica Santuário, em Belém, em um ponto que há 50 anos funciona no mesmo lugar, com a venda de tacacá e outras comidas típicas, com clientela fiel. Ela e Regiane Pereira, de 48 anos, se revezam no atendimento ao público, diariamente, das 10h às 22h.

A medida do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de reconhecimento do ofício das tacacazeiras da Região Norte como Patrimônio Cultural do Brasil, motivou as trabalhadoras.

“Me orgulho dessa profissão, me orgulho de estar nas calçadas de Belém. Hoje fomos agraciadas com esse título. As meninas buscaram esse reconhecimento desde o ano passado e, graças a Deus, conseguimos”, afirmou Regiane.

Para Mariana, “o tacacá não tem segredo. Basta saber preparar o tucupi. Eu, particularmente, gosto mais do salgado, o doce não me agrada, mas tem quem goste”, comentou.

“Antes eu tinha vergonha de trabalhar na rua, hoje me orgulho. Tenho uma filha de 27 anos e um filho de 30. Ajudo minha filha e trabalho com alegria com tacacá”, disse.

Atualmente, o tacacá custa em média R$ 25 no bairro de Nazaré. Regiane contou que, embora hoje a barraca venda cerca de 50 cuias por dia, esse número já foi maior.

“Antigamente, vendíamos 100 cuias. Hoje, com a concorrência do fast food, caiu bastante. O domingo à tarde é o nosso melhor dia, as famílias ainda vêm tomar tacacá. É uma tradição nossa”, explicou.

Reconhecimento oficial do Iphan

O parecer técnico do Iphan, assinado pela conselheira Izabela Tamaso, reforça que o ofício de tacacazeira vai além da receita do prato. Ele engloba práticas agrícolas, saberes tradicionais, técnicas culinárias, modos de comercialização e formas de sociabilidade, além dos valores simbólicos associados à prática.

“É o reconhecimento dos saberes e tradições da Região Norte. A região deve ser valorizada. Ela fala sobre o que é o Brasil”, afirmou o presidente do Iphan, Leandro Grass.

Na noite de terça-feira (25), um grupo familiar parou para tomar tacacá na barraca de Mariana e Regiane. As irmãs gêmeas Ismara e Isamara Antunes, o pequeno Martin, filho de Isamara, e o amigo da família, Igor Carvalho, que trabalha como assessor de investimentos.

“É maravilhoso. Um reconhecimento válido da nossa cultura, da profissão das meninas. Espero que elas se sintam valorizadas com isso”, afirmou Ismara, que atua como assistente de direção no cinema.

“Coisa de paraense. A gente sabe onde elas estão há muitos anos. Existem pontos clássicos, como em frente ao Colégio Nazaré. Já virou ponto turístico. Antes era só um ponto local, agora é um ponto turístico de Belém”, acrescentou Igor.

Um processo iniciado há mais de uma década

O pedido de registro como Patrimônio Cultural do Brasil teve início em 2010, feito pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), como parte de um estudo sobre os saberes relacionados à mandioca no Pará. Em 2024, o processo ganhou novo impulso com uma pesquisa da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que ouviu mais de 100 tacacazeiras em sete estados da Região Norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Segundo o levantamento, cerca de 70% das pessoas que trabalham com tacacá são mulheres, muitas delas de meia-idade ou mais velhas, que herdaram o ofício de mães, avós ou sogras, e hoje transmitem esse conhecimento para as novas gerações. As tacacazeiras ocupam praças, feiras, esquinas e mercados em diversas cidades da Amazônia, transformando o preparo e a venda do tacacá em um meio de vida e em um símbolo da culinária amazônica.