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Custo da energia pressiona alimentos e indústria no Pará, alertam especialistas

Estudo mostra que produtos como queijo têm até 92% do preço final composto por energia elétrica; especialistas paraenses avaliam efeitos da MP 1.300/2025 sobre consumidores e setor produtivo

Bianca Virgolino | Especial O Liberal

O preço da energia elétrica tem pesado cada vez mais no bolso do consumidor e no custo dos alimentos, especialmente no Pará, onde está a tarifa mais alta do país. Um estudo da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia) mostra que produtos básicos como queijo, carne e pão têm mais de 25% de seu valor final composto por custos com energia. No caso do queijo, esse percentual chega a 92,5%.

Com a aprovação da Medida Provisória 1.300/2025, que amplia o benefício da Tarifa Social, cresce o debate sobre quem vai pagar essa conta e como isso afeta os consumidores e a competitividade da indústria brasileira, especialmente nas regiões onde a tarifa já é mais cara, como é o caso do Pará.

Para o engenheiro Carlindo Lins, consultor da Concepa, o cenário exige atenção urgente.

“O Pará tem, hoje, a maior tarifa de energia do Brasil. O custo da energia elétrica cresceu mais de 1.200% em 24 anos e só o IPCA subiu cerca de quatro vezes esse valor. Isso mostra uma clara defasagem e a necessidade urgente de uma reestruturação do modelo tarifário no país.”

Segundo Lins, o alto custo da energia no estado está ligado a diversos fatores, como a necessidade de grandes redes de transmissão e distribuição em um território de dimensões continentais, o que encarece a operação e é repassado aos consumidores.

“O tamanho do estado exige grandes redes de transmissão e distribuição, e o custo disso é dividido com os consumidores. Os custos logísticos e operacionais para a manutenção das redes de distribuição pesam muito nesse valor, transporte dos técnicos, longas distâncias, estradas precárias… Tudo isso impacta diretamente a tarifa.”

Outro fator citado por ele é a alta carga tributária, que, somada aos encargos setoriais, pode representar cerca de 50% da conta de energia. Ele também chama atenção para os efeitos colaterais da migração de consumidores para o mercado livre e o avanço da energia solar entre consumidores.

“À medida que consumidores migram para o mercado livre ou instalam placas solares, a conta fica ainda mais pesada para os consumidores cativos, justamente os que já sofrem com as maiores tarifas.”

Energia encarece alimentos 

A energia elétrica é parte essencial de todas as etapas da cadeia produtiva de alimentos — da produção agrícola à refrigeração e distribuição nos supermercados. De acordo com o estudo da Abrace, a energia representa:

  • 92% do preço do queijo,
  • 50% do valor final do pão,
  • 47% do preço da carne,
  • 35% do custo do leite.

Esses percentuais expõem como a energia se tornou um insumo estratégico — e caro — para o setor de alimentos.

“Tudo que é produzido tem energia embutida. Essa energia entra no custo final e, inevitavelmente, recai sobre o consumidor”, afirma Carlindo Lins.

A avaliação é compartilhada por Cássio Bittar, coordenador do Nudecon (Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Pará) e presidente do Conselho de Consumidores de Energia do Estado.

“A energia elétrica é um insumo fundamental na produção de alimentos. Seu custo elevado reflete diretamente no preço, levando muitos consumidores à difícil decisão entre comprar comida ou pagar a conta de luz.”

Bittar lembra que, segundo levantamento do Ipec, a conta de energia é o item de maior peso no orçamento de quase metade das famílias brasileiras (49%), ao lado da alimentação.

“No Pará, esse quadro é ainda mais grave, pois estamos no topo do ranking tarifário nacional.”

MP 1.300/2025: justiça tarifária ou novo peso para a indústria?

A Medida Provisória 1.300/2025, editada pelo governo federal, amplia a Tarifa Social e prevê isenção total para famílias de baixa renda com consumo de até 80 kWh/mês. Para Carlindo Lins, a proposta traz riscos de desequilíbrio.

“Não existe almoço de graça. Alguém vai ter que pagar por isso. É inegável que haverá consequências. Não sou contra a Tarifa Social, entendo a necessidade, mas não acho adequado que algumas pessoas deixem de pagar totalmente pela energia.”

Cássio Bittar também aponta desafios:

“A ampliação da Tarifa Social vai ao encontro da justiça tarifária. Mas, para muitos especialistas, a medida não possui compensações suficientes para equilibrar as contas. O setor elétrico se assemelha a um cubo mágico: quando se mexe em uma face, outra se desajusta.”

Segundo ele, o risco é que o alívio para os mais vulneráveis seja compensado por aumentos para os demais consumidores e para a indústria:

“A conta de energia já está sobrecarregada por subsídios que muitas vezes não têm qualquer relação com o setor elétrico. É o consumidor quem tem financiado políticas públicas que deveriam ser bancadas pelo orçamento da União.”

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Tarifa social é avanço, mas ainda insuficiente

A média de consumo residencial no Pará gira em torno de 324 kWh por mês, valor bem acima do limite para gratuidade.

“Ajudará bastante. Mas não creio que será o suficiente. Muitas das pessoas que comparecem à Defensoria estão em extrema vulnerabilidade. Procuramos auxiliar no consumo consciente de energia, compatibilizando com sua realidade”, destaca Bittar.

Ele também aponta uma lacuna na proposta do governo:

“O governo perdeu a chance de ampliar a faixa de renda para pessoas com deficiência. Em especial, pessoas com autismo, que muitas vezes têm um consumo maior de energia por questões sensoriais.”

Participação e alternativas para justiça energética

Sobre a participação dos consumidores nas decisões do setor, Bittar ressalta o papel dos Conselhos de Consumidores:

“No Pará, temos promovido audiências públicas e reuniões para aproximar o consumidor das decisões. É muito importante que ele compreenda seu papel e pressione o Legislativo, onde as decisões mais importantes do setor são tomadas.”

Entre as alternativas discutidas, está a criação de mecanismos regionais de compensação:

“Uma das sugestões é direcionar parte dos recursos gerados por hidrelétricas como Belo Monte e Tucuruí para descontos na fatura dos consumidores que vivem no Pará. Isso beneficiaria diretamente a população e reduziria o custo da produção.”

Informação é chave para o futuro do setor

Com a abertura total do mercado livre de energia prevista para 2027, o cenário exigirá consumidores mais informados e preparados.

“Desde o residencial até o industrial, todos precisam entender como a energia é produzida e como ela chega até sua casa ou empresa. A informação é o melhor negócio”, afirma Bittar.

Procurada pela reportagem, a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) não conseguiu disponibilizar porta-voz para comentar os impactos da MP no setor industrial até o fechamento desta edição.

 

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