BC americano volta a cortar juros e aumenta pressão sobre Selic no Brasil
Em comunicado, o Fed afirmou que a crise vai "pesar na atividade econômica no curto prazo e representar riscos para as perspectivas econômicas"
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou ontem um novo corte de juros e participação em uma ação coordenada com outros bancos centrais para aumentar a liquidez do mercado, diante do risco de uma retração global por conta da pandemia do coronavírus. As taxas passaram de um intervalo entre 1% e 1,25% ao ano para zero a 0,25%. Foi a segunda redução no mês aprovada em reunião extraordinária. Em comunicado, o Fed afirmou que a crise vai "pesar na atividade econômica no curto prazo e representar riscos para as perspectivas econômicas".
Além do corte de juros, o Fed anunciou a compra de até US$ 700 bilhões em títulos do Tesouro e lastreados em hipotecas e a redução a zero da taxa do compulsório bancário. No caso do compulsório, que vai valer a partir do dia 26, a medida abre uma porta para o aumento de empréstimos a empresas e famílias em dificuldades financeiras.
"O corte de juros pelo Fed me faz muito feliz e eu quero parabenizá-lo por essa decisão", disse o presidente americano, Donald Trump. Segundo ele, os mercados devem ficar "entusiasmados" com a medida. Já o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que o coronavírus representa um "desafio econômico significativo" e admitiu que haverá fraca atividade produtiva por "um período de tempo".
Em outra frente, o Fed se associou ao Banco Central Europeu (BCE), do Canadá, do Japão, da Suíça e da Inglaterra para a troca de linhas de crédito, com o objetivo de manter as operações de financiamento em dólar. Entre analistas, a iniciativa foi vista como uma resposta a críticas à falta de uma ação articulada dos principais bancos centrais do mundo para tentar atenuar o impacto do coronavírus, como foi feito na crise financeira de 2008.
Para o diretor de economia em tempo real da Moody’s Analytics, Ryan Sweet, o Fed agiu de forma acertada "ao ficar na frente da curva". "O Federal Reserve atuou num domingo, de forma extraordinária pela segunda vez em poucas semanas, pois sabe que, quanto mais cedo agir, melhor para dar impulso positivo a mercados globais."
Ainda assim, ele cobrou medidas fiscais para complementar um quadro de apoio à economia dos EUA, que já está sendo prejudicada pelo coronavírus. Para a Moody’s, o PIB americano deve recuar no segundo trimestre e acumular alta de 1,3% no ano
Selic
A decisão do Fed de cortar pela segunda vez os juros deve aumentar, no Brasil, a pressão para que o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) mantenha o ciclo de redução da taxa básica, a Selic. A decisão do órgão vai sair na quarta-feira. "Um fator complicador é a desvalorização forte do real. O BC vai precisar decidir se quer controlar o câmbio ou cortar juros. Não há como fazer as duas coisas ao mesmo tempo, a não ser com a queima de reservas internacionais, uma saída nada prudente neste momento", disse o economista-chefe da Necton, André Perfeito.
De 50 analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast na sexta-feira, 41 esperam corte na Selic, hoje em 4,25% ao ano - já no seu menor patamar histórico. Destes, 21 preveem corte de 0,25 ponto porcentual e 20 falam em redução de até 0,5 ponto. Dos consultados, só nove se mantêm céticos sobre a disposição do Banco Central ou sobre a efetividade da mexida nos juros.
Quando cortou a Selic de 4,5% para 4,25%, no início de fevereiro, o Copom chegou a indicar que o ciclo de afrouxamento monetário - iniciado ainda em julho de 2019 - poderia ser encerrado. Mas, na leitura do mercado, essa postura mudou logo depois de o Fed anunciar o primeiro corte de juros.
"O BC deve, no mínimo, acompanhar o sentido da mudança nos juros no mundo", diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital e ex-diretor do BC. "O Brasil tem espaço fiscal limitadíssimo (para estimular o PIB)", disse ele, acrescentando que qualquer medida fiscal deve ter como objetivo restrito apoiar ações na área da saúde. Figueiredo defende cortar a Selic em 0,50 ponto.
O Copom se reúne a cada 45 dias para definir a Selic, buscando o cumprimento da meta de inflação. Para 2020, a meta é de 4% (com tolerância entre 2,5% e 5,5%). Mesmo com a alta recente do dólar, os analistas dizem não ver espaço para aumento de preços no varejo, com efeito sobre os índices de inflação.
O maior receio é com relação à perspectiva para o PIB. A estimativa é de um avanço de até 1,5%. O próprio Ministério da Economia alterou sua previsão, mas ainda de 2,4% para 2,1%.